A
rtefacto de utilização obrigatória tem por fim evitar a projecção dos passageiros em caso de imobilização súbita do veículo ou em caso de capotamento. Tem os seus méritos firmados em choques frontais segurando o passageiro, não deixando que o mesmo seja projectado contra o “tablier” ou contra o vidro para-brisas. Já noutras situações a excelência do dispositivo é mais que controversa. A saber: quando um veículo choca com a parte lateral doutro, apanha este numa zona de fragilidade não oferecendo grande resistência à penetração do primeiro no habitáculo do segundo. Claro que um passageiro aí sentado com o cinto colocado não tem por onde fugir. É ali esmagado.(E este é o acidente com maior ocorrência nos perímetros urbanos); nos acidentes em que o veículo se incendeia é frequente os passageiros morrerem queimados por manifesta incapacidade de retirar os cintos. O estado de choque não lhes permite localizar os engates que, e como se isso não chegasse, muitas vezes estão encravados ou encobertos por força do sinistro. Não esquecendo o caso daquele carro que caiu ao lago do Azibo em que morreram quatro pessoas afogadas com o cinto devidamente colocado. São, estes, alguns exemplos de como ter o cinto colocado pode não ser a melhor solução. Não obstante isso, a sua não utilização, que aliás é verificada com algum zelo pelas autoridades policiais, configura uma contra ordenação punível com coima. E repare-se que a sua não colocação não põe em causa a segurança de terceiros, quando muito a própria. Quem comprometo eu pelo facto de não colocar o cinto? Ninguém. Não tem, pois, paralelo com a alcoolemia, a falta de luzes, o excesso de velocidade, falta de travões etc. que, essas sim, põem em causa a segurança de terceiros. Assim, a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança afigura-se-me uma invasão, perfeitamente abusiva, do meu domínio privado e uma limitação, sem justificação, do livre arbítrio que em sociedade me cabe. George Orwel na sua teoria do Big Brother fala disso. (Tem alguma analogia com aquela deriva higiénica, protagonizada pela ASAE quando quis exigir os talheres esterilizados, o azeite em garrafas de rolha invioláveis, a proibição das colheres de pau, etc. e que teria por consequência a morte da restauração em todas as festas campestres, a que Pacheco Pereira apelidou de fascismo higiénico.)
Resumindo, o cinto é bom numas circunstâncias e péssimo noutras. Aliás, se fosse bom em todas as circunstâncias não seriam dispensados, ou não gozariam a dispensa da sua utilização, os taxistas, os condutores de autocarro e os agentes da autoridade. Esses profissionais do volante, os homens que mais tempo passam a conduzir, logo mais expostos aos seus erros e aos dos outros, esses é que estão dispensados!? Sendo assim como perceber a obrigatoriedade, para os demais, da sua utilização? Podia pensar-se ser obra de um legislador, fanático securitário, na senda daqueles outros que tornaram obrigatória a colocação de palas, dos pirilampos nos tratores ou o kit de lâmpadas suplementar, medidas que foram caindo, uma por uma, por ridículas. Mas não. A obrigatoriedade do uso do cinto é universal. Daí a minha perplexidade. Se as justificações securitárias não são, nem de perto nem de longe, suficientes para explicarem a obrigatoriedade então é porque há outras.
À falta de melhores informações e/ou justificações avento esta hipótese. A obrigatoriedade da colocação do cinto de segurança deve ser fruto de um estudo estatístico e probabilístico que concluiu que o sinistrado que mais barato fica às seguradoras é aquele que tinha o cinto colocado na altura do sinistro. Daí a ser obrigatório foi um passo. O poder Financeiro, de que as seguradoras são um braço, sempre dominou, por completo, o poder Político. E o Estado, entre os lucros das seguradoras e os Direitos, Liberdades e Garantias do Cidadão, optou pela primeira.
E eram esses Direitos, Liberdades e Garantias o garante que em minha casa, nunca, ninguém me obrigaria a dormir de pijama. Já não estou, hoje, assim tão certo.
Por Manuel Vaz Pires