O que impressiona nestes dias ásperos, azedos, onde a escuridão do não saber se impõe à luminosidade da proficiência científica aliada à reflexão dos sages, é a proliferação de adivinhos, astrólogos, bruxos, cartomantes, leitores de buena-dicha e correlativos a lembrar o ambiente vivido pela população de Londres entre 1694-95 no decurso da peste que vitimou mais de cem mil pessoas.
Tal como venho fazendo desde há quatro semanas, abro o Diário da Peste de Londres, de Daniel Defoe segundo registo de um seu tio, leio algumas passagens vivificadoras da leitura integral da tradução Simões o crítico que nunca leu um livro de José Saramago (o leitor curioso averigúe o motivo) mas enquanto leitor de obras em línguas estrangeiras teve notáveis intuições a originarem traduções. As passagens repetidamente lidas evocam o desespero dos residentes na bela e trepidante cidade, na altura atreita a epidemias em virtude da falta de saneamento, das aglomerações de toda a espécie de pústulas que Charles Dickens tão bem descreveu nos seus livros.
As mulheres e homens de Londres atormentadas recorriam aos exploradores da crendice alheia e dos sufocados à beira da morte capazes dos maiores sacrifícios na ânsia de escaparem à senhora da gadanha. Por todos os meios os vigaristas extorquiam moedas suadas e notas novas conforme a clientela, tal como agora a praga ceifava a eito, ninguém estava seguro, daí os que podiam batiam em retirada, o mesmo fez o rei de Castela após a morte de Dom Fernando, ao levantar o cerco a Lisboa a fim de assegurar o direito ao trono para a sua mulher Beatriz filha do falecido cognominado O Inconstante.
As placas e tabuletas a anunciarem os leitores do futuro povoavam a urbe atravessada pelo Tamisa a anteciparem os mágicos televisivos a massacrarem os telespectadores, não faltando subtis mensagens de enaltecimento de personalidades a necessitarem de lustro para lá da publicidade às ofertas o termo esmola passou a ser ofensivo. Dádiva, oferta ou esmola quem era esmoler praticava o ensinamento de a mão esquerda não ver o gesto caritativo da dextra, os tempos mudaram até no universo dos bruxos e bruxas. Porque o tema gera muitas susceptibilidades, tantas quantas tangem ao espiritismo e seus praticantes, relativamente aos adivinhos e bruxas a cidade de Bragança não fugia à regra, isto é: várias mulheres e vários homens carregavam a fama de praticar o atribuído a São Cipriano cujo livro vivia escondido em várias casas do burgo bragançano. As ditas susceptibilidades impõem prudência na citação de nomes pois os herdeiros ficariam ofendidos. Mas, como dizia Miguel Cervantes: «eu não acredito em bruxas, mas que as há, há», por essa dupla razão só refiro a bruxa de Quiraz, a qual um meu familiar consultou e teve a mesma sorte dos clientes dos charlatães ingleses, ficou sem o azeite e os escudos esportulados na consulta repleta de divagações e sandices.
Na vigência da pandemia (desconhecemos fim) a verborreia irá continuar, a máquina informativa vive de rumores, boatos, notícias verdadeiras e falsas, sendo patente a amálgama a prejudicar gravemente a imprensa escorada na seriedade e competência. Desde há anos que o vetusto Diário de Notícias vive na corda bamba e as últimas referências não deixam os seus trabalhadores sossegados. Jornal durante dezenas de anos grávido de subserviência ao poder – Alfredo da Silva, salazarista, caetanista, comunista, capitalista –, nele têm trabalhado grandes nomes do jornalismo, denodados lutadores contra as cangas de quem possui cabedais de sustentabilidade, as perspectivas são péssimas sendo de temer o pior. Ora, enquanto a comunicação social séria e respeitadora das regras gramaticais viu avolumar-se o volume das nuvens negras sobre ela, as redes sociais do despeito, do ressabiamento, da incultura ganham notoriedade, impõe-se rapidez no apoio governamental à comunicação social, porque promessas leva-as o vento, lembro o filme: E Tudo o Vento Levou, contrariado pelo brasileiro O Pagador de Promessas.
Os filmes ficam para nosso prazer intelectual os candongueiros vivendo da azucrinação pululam, façamos a separação, o nosso espírito ganha salubridade mental, a quarentena será vencida, a mensagem de Abril persiste. Apesar de todas as vicissitudes O Povo Unido…não pode nem vai ser vencido. Bom feriado na companhia de livros e música. Em casa!