Bragança : A Nação Judaica em Movimento - 11 - Os Albuquerque em Bragança com as raízes em Vinhais

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Corria a segunda semana do mês de Setembro de 1589. Na cela do canto do corredor da cadeia da inquisição de Coimbra, estavam presas 5 mulheres Trasmontanas, por culpas de judaísmo. Uma delas chamada Ana Fernandes, 50 anos, era natural e moradora em Vila Real, outra era de Vimioso, dava pelo nome de Isabel Álvares e 3 eram moradoras em Vinhais. Vamos identificar estas: Maria Dias, natural de Miranda do Douro, viúva de Afonso Cardoso; Joana Barba, 17 anos, solteira, “cosedeira” de profissão, filha de Francisco Lopes e Filipa Serrão; Genebra Lopes, 19 anos, presa há mais de um ano, que acabara de ser mudada para aquele cárcere. (1) Naquele dia, as 5 mulheres foram alertadas por uma voz “que vinha pelo corredor” misturada com alguns espirros e que repetia: - O bem feito bem parece… Apurando o ouvido e impondo silêncio, Genebra Lopes, concluiu para as companheiras: - Eu conheço aqueles espirros… Aquela voz… parece a minha irmã! E depois, falando mais alto, respondeu: - Bicha. Deus vos deixe ver vosso esposo em bem. Bicha esperixilada, era a alcunha com que Genebra e os irmãos “crismaram” em criança a sua irmã Beatriz Nunes, que se apresentava como “cosedeira e aprendeu costura com sua irmã Genebra Lopes e se criou com sua mãe até ser mulher”. Nos dias seguintes as duas irmãs continuaram comunicando-se. Genebra perguntou à irmã se tinha já confessado seus pecados. Ela respondeu que não. A partir daí, Genebra, que era mais velha que a irmã, tudo fez para a convencer a que confessasse, conforme contou Francisca Dias, (2) solteira, 19 anos, também natural e moradora em Vinhais, companheira de cela de Beatriz: - Dali em diante, por espaço de 4 dias, falaram sempre sobre isso, até segunda-feira em que a dita Beatriz Nunes se determinou a confessar (…) até que ela declarante lhe disse que falasse e que dissesse “o que era bem feito bem parecia” para que Genebra Lopes entendesse que ela estava confitente; e Genebra Lopes deu sinais de folgar muito com isso dizendo-lhe que “boa bênção a cobrisse” (…) segunda- -feira deixaram de falar porque, sendo pressentidas, o alcaide lhes fechou a porta e as mudaram. (3) Vamos até Vinhais, ao ano de 1582, quando o abade de Vila Flor, inquisidor de Évora, andava por ali à “caça de judeus”. No caminho de Agrochão para Vinhais seguiam dois homens novos, que viriam a ser contra-cunhados: o médico Francisco Ramos e o seu amigo Bernardo Serrão, casado com Genebra Lopes. (4) E comentando a visita de Jerónimo de Sousa a Vinhais, os dois se declararam crentes na lei de Moisés. Isto contou o médico, 6 anos depois, aos inquisidores, estando preso em Coimbra. E acrescentou que, 4 anos depois, “foi ele denunciante a casa de Bernardo Serrão, em Vinhais, o qual já estava apartado com sua mulher e ele confitente ia a curar uma sua criada. E depois de curar, estando ele confitente com o dito Bernardo Serrão e a dita sua mulher Genebra Lopes e Beatriz Nunes, irmã da mesma, agora esposada com Pedro Vaz (…) e estando os 4, jejuaram todos naquele dia até à noite”. Esta foi uma das denúncias que levaram à prisão de Bernardo Lopes e sua mulher, em Junho de 1588, sendo moradores na Rua Nova de Vinhais e também à prisão de Beatriz Nunes, que então já morava “ao pé do castelo”, em Bragança, onde casara com Pedro Vaz, mercador e rendeiro. (5) Não vamos analisar estes processos. Diremos tão só que Beatriz Nunes saiu no auto da fé de 26.11.1689, condenada em confisco de bens, cárcere e hábito perpétuo, que lhe foi tirado em Julho de 1596, contra o pagamento de uma “esmola de 100 cruzados” – 40 000 réis! Melhor sorte teve Leonor Nunes, outra irmã de Beatriz e Genebra, a qual não terá sido incomodada pela inquisição. Viveu em Vinhais, casada com Francisco de Albuquerque, mercador e tiveram 2 filhas que foram casar e morar em Bragança. Situemo-nos então em Bragança no ano de 1661, quando a inquisição para ali deslocou o inquisidor Manuel Pimentel de Sousa a iniciar a instrução de processos, evitando que o tribunal de Coimbra ficasse “entupido” dada a quantidade de judaizantes brigantinos que desejavam apresentar-se. Pois, entre aquelas dezenas de processos, encontramos 5 instaurados a filhos e netos de António Albuquerque, irmão de Francisco, casado em Bragança com Josefa Pimentel. Um destes processos respeita ao filho, Manuel Pimentel Albuquerque, preso em Janeiro de 1661. Tinha 39 anos e era casado com Maria de Faro, a qual, vendo o marido preso, resolveu apresentar- -se ao inquisidor Pimentel de Sousa, em Bragança, em Março seguinte. Também ela acabou por ser presa, em Julho de 1662, saindo ambos condenados em confisco de bens, cárcere e hábito no auto de 9.7.1662. (6) Outro dos filhos, chamava-se Francisco de Albuquerque, como o tio paterno morador em Vinhais, acima referido. Era ourives da prata, uma profissão muito comum na família dos Albuquerque - Pimentel. Em 11.2.1661, contando uns 45 anos, Francisco Albuquerque apresentou-se na inquisição de Coimbra. (7) No dia seguinte foi-lhe dada ordem para regressar a Bragança, de onde não poderia ausentar-se, sem licença. Em 1685 foi novamente chamado a Coimbra com sua mulher, Filipa Serrão… mas seria já falecido, na cidade do Porto. No mesmo ano de 1661, foram também apresentar- -se na inquisição uma filha e um filho de Francisco Albuquerque. A filha chamava-se Catarina da Costa e era moradora em Mirandela, casada com outro Francisco Pimentel, ourives da prata. E também ourives da prata como o cunhado e o pai, António Albuquerque tinha 18 anos quando se apresentou em Coimbra, sendo igualmente mandado regressar a Bragança. Chamado de novo em Dezembro de 1665, foi sentenciado no auto de 9.2.1666. (8) Feliciano Albuquerque, um terceiro filho de António Albuquerque e Josefa Pimentel, contava 34 anos quando se apresentou, em 1661, juntamente com a sua mulher, Luísa Mendes, e foram autuadas as suas confissões. Anos depois, em 5.1.1666, foi preso pela inquisição e sentenciado no auto de 13.2.1667, enquanto a mulher seria chamada a Coimbra em Abril de 1670 para ser sentenciada em 14.3.1671. (9) De entre os irmãos de Francisco e Josefa Pimentel, uma referência para Maria Nunes que casou com João de Sória, membro de uma família que foi muito importante em Castela, chegando um dos seus membros, António de Sória, a tornar-se rendeiro, com o monopólio da venda do tabaco em Múrcia, bem como a cobrança dos “millones” (imposto sobre o pão e o vinho) e do imposto sobre “os currales de comédias”. Foi preso pela inquisição de Cuenca em 1654, no seguimento das exéquias, com cerimónias eivadas de judaísmo, de Manuel Cortiços, do qual, António de Sória foi representante e testemunhou a sua limpeza de sangue no processo para a entrada na Ordem de Calatrava. Para além de outras penas, António de Sória foi condenado a pagar mil ducados (1 conto e 600 mil réis). (10) A sua mulher, Maria de Sória, nascida em Madrid, fugiu para Bayonne. Maria Nunes e João de Sória tiveram um filho, chamado Francisco de Sória Pimentel, que foi homem de negócios em Toledo e trazia dois filhos a estudar em Salamanca. No próximo jornal falaremos de outra irmã, Francisca Henriques e sua filha Ana Pimentel.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães