Eram inúmeras as razões para, em 1975, ainda antes de se adentrar por um verão escaldante, me filiar no Partido Socialista. A revolução estava em marcha, pela faixa esquerda da via, em direção ao socialismo; por ela caminhavam muitos dos meus amigos e companheiros de estudo e de vida (ou que era, naquela altura, quase o mesmo); o meu livro, Cravo na Boca, acabado de sair, era representado, pelas terras do nordeste por um grupo local da juventude socialista; todo o país avermelhava; no meu regresso a Bragança para cumprir a malfadada “obrigação” do inefável Serviço Cívico vi-me instalado no “meu velho” S. João de Brito lado a lado com cabeludos e barbudos militares que, chefiados pelo Fabião vinham alfabetizar (politizar/socializar) as rudes gentes nordestinas; barbudo e cabeludo, o Ernesto, vindo da libertária França, já a atapetar a vinda de Mitterrand para o Eliseu, garantia-me que o futuro lusitano era vermelho; cabeludos e revolucionários, os irmãos Vitorino, chegados igualmente da gaulesa pátria confirmavam a irreversibilidade da via socialista, para o futuro; por fim o mesmo S. João de Brito, que fora a minha casa, na juventude recente, era agora albergue de magalas revolucionários e de alguns refugiados políticos, um deles, chileno, não se cansava de me garantir que tal como na sua América natal a revolução portuguesa estava em perigo pois o braço longo de Pinochet estendia-se até este lado do Atlântico e a mais perigosa das suas ações escondia-se nos lugares menos visíveis pois a contra-revolução começava exatamente no PPD do fascista Sá Carneiro muito “convenientemente” substituído, provisoriamente (sublinhava) por Emídio Guerreiro. Até o Chave d’Ouro se movia para a esquerda. No mar agitado da política, a nau adornava à esquerda e quem quer que se encostasse ao outro lado era um sabotador do brilhante futuro comum que se abria para lá das alterosas vagas. No chão do barco havia uma larga faixa vermelha pintada para marcar bem o espaço a ocupar por quem estava ao lado da revolução e quem, pelo contrário, conspirava para a sabotar. E a verdade é que no extremo do estibordo havia gente pouco recomendável que fazia bombas e pegava em armas para tentar restabelecer o odioso regime da velha senhora. Que não era, obviamente, aceitável, fosse a que título fosse. Porém, mantendo-me ao centro, não podia alinhar na “óbvia” tendência da turba pois os riscos de naufrágio eram demasiados. Sem abandonar os princípios democráticos, já enraizados, mas também sem me deixar levar por quimeras demasiado arrojadas, revi-me num discurso sereno, racional e, à data, corajoso de Francisco Sá Carneiro e, sem me afastar demasiado do vermelho… alaranjei-me e por lá fiquei, sempre na ala esquerda, por mais de quatro décadas. Hoje que o fundador do PPD está pendurado num retrato em todas as sedes do partido que disputa mais bandeiras à direita do que as combate; que daquele lado surge, impantes, forças demagógicas e perigosas, que as cores na linha do horizonte já pouco têm de vermelho ou rosa, antes escurecem, ameaçadoramente, é tempo de, mesmo continuando no meio da embarcação, caminhar um pouco para o outro lado para que a nave não mergulhe pelo outro lado. A Lurdes que revê e opina sobre todos os meus textos, critica esta assunção de um suposto ziguezaguear. Para a tranquilizar (e a todos quantos pensem da mesma forma) pedi-lhe que em vez de me visualizara a caminhar de um lado para o outro, me imagine suspenso e imóvel, sobre o navio. Quando, em 1975 adornou à esquerda, naturalmente se aproximou de mim (e não eu dela) a amurada da direita. Agora que a turba se atropela na direção oposta, nada fazendo, mantendo-me exatamente na mesma posição onde sempre tenha estado, acabo por me ver deslocado para bombordo (o bordo bom, segundo a tradição dos navegadores portugueses).