Bem, não basta

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Várias vezes ouvi autores, atores e artistas referirem-se a temas, obras e situações que se lhes impõem, que os perseguem, dos quais não conseguem fugir nem libertar-se. Tal foi o que me aconteceu com o tema que tem dominado a atualidade política destas últimas semanas. Por mais que tentasse evitá-lo, esperando que saísse de cena ou que fosse desvalorizado, mas, pelo contrário, a forma desajeitada com que foi tratado e, sobretudo, pelo jeito desastrado como se tentou justificar, acabou por se manter e afirmar. Estou, obviamente, a referir-me ao que já é conhecido como familygate!

Mais uma vez se cumpriu o postulado na popular Lei de Murphy: “Tudo o que havia para correr mal, correu mal, na pior altura”. Bem se esforçou o PS por desvalorizar o fenómeno, mas quanto mais desdenhava, mais a opinião pública (e publicada) o evidenciava e lhe valorizava a sua perniciosidade. Por várias e óbvias razões:

Tendo sido devidamente assinalado e condenado na sua primeira edição, aquando da formação do atual Governo, não valorizou a condescendência com que as atuações governamentais são olhadas e julgadas nos primeiros dias de exercício a que, por norma, se costuma, apropriadamente, chamar, período de graça... e repetiu a graça... quando já não havia graça que lhe valesse!

Depositar nas mãos (e voz) de Carlos César a defesa da “honra familiar” não foi, seguramente uma boa ideia, pelas razões conhecidas. A justificação sobre a apetência de determinadas famílias para o “serviço público”, enquadra-se no rifão popular: foi pior a emenda que o soneto! Esta questão da “legitimidade familiar” é uma tese monárquica e portanto não pode ser usada por um partido que se reclame da ética republicana! Acresce que essa justificação só indicia não existir outra melhor. Ora quem, em seu perfeito juízo, se doente, se entregaria nas mãos de alguém sem a devida qualificação, só por pertencer a uma família de médicos?

A elite socialista esqueceu que a “questão familiar” não só desperta a animosidade da oposição como, sobretudo, indicia a inveja e revolta dentro do próprio partido!

A, também desastrada e rancorosa, intervenção do ex-chefe de estado, mesmo errada e desajustada em nada ajudou o partido do governo porque não o legitimou, pelo contrário evidenciou que não soube aprender com os erros alheios... que atempadamente criticou.

A tentativa, dificilmente evitável, de tentar legislar sobre o assunto, é uma armadilha: se a nova legislação não condenar todas as situações atuais, como parece ser a opção do Largo do Rato, pode ser interpretada como um ato de hipocrisia; se por outro lado, condenar todas as ocorrências publicitadas resume-se a uma clara assunção de culpa, perigosa a poucos dias das eleições!

Por fim, a mais repetida e, quiçá, a mais valorizada razão para tentar justificar a discutível conduta, tendo, em si, alguma razão de ser, não basta. É verdade que não é justo nem correto que alguém possa ser prejudicado só pelos seus laços familiares. Mas o problema não é esse. Não é essa a questão relevante. Não é a competência de quem é nomeado que deve ser questionada, quando a sua escolha é feita por algum parente (ou com ligações partidárias ou cruzadas, na família). A verdadeira razão inquestionável passaria pela possibilidade de garantir que não há ninguém, fora desse grupo de influência, capaz de fazer melhor ou, mesmo, parecido. E isso é extremamente difícil de assegurar!

José Mário Leite