Bate soft, softemente

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Ora bons dias, como têm passado, estamos todos presentes então vamos lá começar que não temos assim tanto tempo. O conceito da aula de hoje é soft power, que é como quem diz poder leve. Hoje em dia explica muito do que a China anda a fazer por aí. Digamos que soft power é a imagem que temos junto dos outros e é sobretudo chegar aos outros sem parecer que queremos alguma coisa deles ou que somos aquele amigo interesseiro que páginas tantas na hora de pagar repete sempre o mesmo truque do “epá, esqueci-me da carteira”. Esqueçam este último exemplo que não serve para o caso. O conceito de soft power surgiu de um economista americano já nos medievais anos 90 do século passado e significa levar os outros países a quererem o mesmo que nós, a quererem ser nossos amigalhaços e a abrirem-nos as portas de casa, mas sem ser a pontapé ou através do uso da força. Por contraponto com o poder duro, inflexível, do quero posso e mando surge agora este conceito mais floreado de poder. Vamos a exemplos práticos: Ultimatum inglês, invasões francesas, vinda da Troika = hard power, poder duro, onde só há duas hipóteses: sim ou sim. Como dizem os espanhóis “ou vai pelo civil ou vai pelo criminal”. Por outro lado, emerge um novo tipo de poder, não pela força ou pela imposição mas pela simples compra ou participação em empresas/instituições e sectores estratégicos. Mais baseado no dinheiro, no capital propriamente dito. Não me interessa que tipo de governo ou como vos governais, o que fazeis ou deixais de fazer é lá convosco, só vim aqui para comprar este bocadinho. E assim comprando, assim adquirindo um bocadinho aqui outro ali vou possuindo. Está à venda eu compro e assim vou aumentando a minha área de influência a nível mundial. Às vezes nem é que eu quisesse, mas o preço é uma ninharia, até é um favor que vos faço. Por isso também há quem diga que apesar de formalmente parecer mais discreto e mais bem-intencionado não deixa de ser imperialismo. Há posse e um domínio efectivo, mas quase parece que não. Não é necessário levantar grandes ondas. Ora, a este tipo de poder falta juntar a imagem e, infelizmente, o dinheiro nem sempre ajuda a compor a ideia que os outros constroem de nós. É por isso que a China nos últimos anos se tem empenhado fortemente em difundir uma imagem diferente fora de portas, mais leve e prazerosa, desligada dos vários preconceitos que muitas vezes lhe são associados. Aprender línguas estrangeiras para se aproximar do outro (o inglês é obrigatório desde o primeiro ano de escolaridade – antigamente era o russo), abertura a produtos e posturas ocidentalizadas, espalhar o Instituto Confúcio (centro de ensino da língua e cultura chinesa) por todo o mundo – Portugal tem três – ou difundir directivas para os turistas chineses – suplantaram os EUA como país com mais turistas no mundo – se comportarem segundo a conduta lá de fora e respeitarem as filas ou não cuspirem no chão... Tudo isso em prol de uma forte campanha centrada na imagem a transmitir para que os outros povos se tornem mais receptivos. Para que os países não se casem com os chineses só por amor ao dinheiro, mas que haja também algum amor envolvido. Só amor. Torna sempre tudo mais fácil. Aquela coisa de o mundo não ser de todo um lugar de equilíbrios assenta aqui como uma luva. Reparem. Nós portugueses andamos sem cobres para power, mas temos a imagem do nosso lado. Sol, bom tempo, praia e campo, comida boa e hospitalidade. Os portugueses são gajos porreiros que não se metem em confusões e ainda sabem dar uns pontapés na bola. A sério, somos um dos países do mundo cujo passaporte permite entrar em mais países sem precisar de visto, 172 – Alemanha em primeiro com 177. Num mundo de desequilíbrios este soft power é mais um produto meio sub-reptício dos tempos modernos, cheios de tiradas de bastidores, de coisas que não se descobrem, de papéis e panamás do lado de lá da cortina. Por isso talvez este poder leve seja um pouco como os produtos light. Nem sempre nos podemos deixar iludir. Temos de ler com atenção as letras minúsculas para ver se as calorias, os conservantes ou as gorduras causadoras de mau colesterol continuam lá. É que às vezes só muda a embalagem. Por hoje ficamos por aqui. Podem sair. Cuidem-se. Até para a semana.

Manuel João Pires