Boas tardes, forte gente. Espero que esta morrinhosa Primavera vos encontre de boa saúde. Incerteza é a melhor palavra para definir os tempos desta e das mais recentes Primaveras. O futuro próximo tem sido particularmente incerto por estes anos. Não venho discorrer sobre guerras nem geotragédias porque disso já tendes visto e ouvido de sobra, e eu não tenho nada que possa acrescentar ao que já estais fartos de saber. A única perspetiva que eu gostava de vos trazer é uma visiva dos nossos dias na ótica do mirone dos mirones. De alguém que além dos fenómenos em si, atenta nos que se dedicam a mirar e a palestrar sobre cada fenómeno. Já com a pandemia foi igual. Não há ninguém que acerte uma, que antecipe, que nos avise e nosso amigo seja. Todos os dias a mesma inundação de especialistas, experts, comentadores, investigadores, professores, técnicos, oradores, investidores, políticos e ex-políticos, técnicos e -istas em geral. Contudo, não há ninguém a quem possamos confiar o a priori, que nos diga “alto lá, cuidado com o que aí vem...”, que saiba fazer um prognóstico correto antes do fim do jogo. Depois da filha casada ou da casa roubada, emergem como níscaros os especialistas do “eu já sabia”, do “certamente”, do “eu é que sou o presidente da junta dos entendidos”. Gastamos tanto dinheiro em investigação, em comentário, deporto-rei português em praticantes e adeptos, mas ninguém dá uma que seja para caixa. Uma, uminha que seja. Vêm as pandemias, o pessoal a vê-las vir ao longe e nada, tudo a dormir e ninguém nos alerta, vêm as guerras e a priori nenhum sentinela-especialista vê um palácio à frente dos olhos. Depois sim, depois do ocorrido toda a gente é então assomada de certezas, seguranças e doutas sapiências. Reparem que uma das frases que mais ouvimos foi “isto é algo que começou a ser engendrado há anos”, ora que perspicaz, obrigadinho caro amigo, se não fossem as suas conclusões de entendido-pesquisador não sei o que seria da minha vida. Acho que nem me sentiria capaz de decifrar o rótulo de uma garrafa de óleo. São sábios entendedores do “depois de o ser”, famigerados arautos do a posteriori, no entanto, inteiramente “eu é mais bolos” do a priori, tal como os demais comuns desentendidos. Uns dias antes de começar este conflito, um especialista em Rússia com livros publicados dava entrevistas a dizer que “não, isso não vai acontecer”, que afinal o homem não era assim tão alucinado. E um par de dias depois disso, aí está a realidade a mandar às favas os especializados conhecimentos com os quais podíamos dormir descansados. Tudo isto me tem feito recordar as cada vez mais acertadas palavras de um grande “camarigueiro”, expressão usada pelo próprio: “camarada, amigo e companheiro”. Trabalhámos juntos em Lisboa, professor de matemática, mas dedicadamente dado às coisas da história e do tempos que passam, meu grande mestre João Pereira, juntamente com o mestre Marco Teixeira, marinheiros de Tejo acima, Douro abaixo e garimpeiros por ribeiras desbravadas das pouquíssimas areias de ouro que os romanos não levaram para Roma. Há ideias que guardo dos nossos saudosos tempos, de amizade, boa mesa e bom vinho, muitas vezes em modo olisipólogo, a passear guia-turisticamente e desvelando os cantos, as camadas e as estórias que a cidade de Lisboa viveu. Recordo as suas palavras do “olha que os impérios nascem e morrem, a história está sempre a repetir-se” por mais que nos julguemos contemporâneos, tecnológicos e confiados em que a história não se repete, ou melhor, confiados na nossa vã capacidade de fazer com que a história não se repita. O voltar à estaca zero está sempre ao virar da esquina, os impérios caem e muitos conhecimentos se perdem. Muitas vezes demoramos séculos, milénios a recuperá-los. Exemplo, os extintos povos ameríndios tinham nas suas cidades sistemas eficientes de esgotos e saneamento, algo que só foi uma realidade corrente nas nossas europeias vidas há um par de décadas, parece exagero, mas é verdade. É só querermos dar uma vista de olhos ao passado. Aquilo que os incas (século XIII – XVI) inovaram em termos de arquitetura e engenharia, estradas e pontes, sistemas de rega e irrigação, foi algo no qual só se conseguiram fazer avanços (em algumas partes do mundo) há um par de dias. Parece que até na medicina praticavam uma espécie de intervenção cirúrgica como a que veio a dar um prémio Nobel de medicina a Egas Moniz, em 1949. E sobejam exemplos destes, de avanços, estagnação e recuos. O próprio planeta Terra a cada tantos milhões de anos por catástrofes ou alterações climáticas, volta a embaralhar e dar novas cartas. Não há tempo nenhum da história que não tenha acabado, nenhuma época que não tenha parcial ou totalmente claudicado e voltado a renascer. É a evidência da vida humana, individual e socialmente. De maneiras que para quem vive de ser arauto ou corifeu em temas e assuntos em geral e em particular, talvez seja preferível assumir que o mundo é assim mesmo, jogar pelo seguro e, pelo sim pelo não, demonstrar mais entendimento, estando um pouco mais perto de acertar no alvo e fazendo também um pouco mais para que valha a pena lhes passarmos cartucho. Estes tempos de céleres e gerais conhecimentos execraram o clássico “só sei que nada sei” em detrimento do inflado “bem sei que tudo sei”. O segundo é mais contemporâneo, mas o primeiro continua a estar muito mais acertado, na minha desespecializada opinião.