Ao domingo custa-me, genuinamente, trabalhar. Ter que sair, estar longe de casa. Já tive esta conversa muitas vezes. Uma delas, precisamente, antes das nove da manhã de um domingo, enquanto abastecia o carro e partilhava a dor de estar a trabalhar com outra pessoa que estava na mesma posição. É difícil porque, para a maioria, é dia de estar com a família, de almoçarem todos juntos. E eu não gosto de falhar o almoço de domingo.
Desde miúda que estou habituada a que o almoço de domingo seja reforçado, especial, com direito a sobremesa e a bebidas com gás. É assim, desde sempre, onde muitas vezes podia escolher a ementa, ou ouvir as sábias sugestões dessa chef famosa que muitos poderão conhecer como Maria Fernanda, mas a quem eu chamo simplesmente mamã.
Recentemente, num domingo destes de trabalho, fui surpreendida com uma espécie de piquenique ao ar livre, oferecido por pessoas muito simpáticas, a duas horas e tal de viagem casa. Foi muito agradável, mas não se comparou às favas com chouriço que pedi no domingo seguinte, sinónimo de folga. Ora, neste último domingo ao serviço, mas com tempo para o almoço de domingo, ainda que fora do meu restaurante particular preferido, resolvi meter mãos à obra, –que é como quem diz, à cozinha – com direito a escolher o menu, que seria picanha e os seus devidos acompanhamentos. Mas, infortunadamente, não acautelei o almoço de domingo a tempo, o que percebi que é uma coisa que toda a gente faz, à minha excepção. Percorri todos os sítios disponíveis, e não encontrei a chicha que queria. “Tivemos hoje de manhã, mas já acabou. Amanhã é ferido. Só voltamos a ter terça-feira”. Como pude ser tão ingénua? É claro que mais pessoas acautelam um almoço de domingo especial, para a família. Terei, acaso, pensado quer era a única? Falhei na elaboração de um verdadeiro almoço de domingo, no caso para duas pessoas e dois gatos. Insatisfeitos, e cada vez com mais fome, acabámos por ter picanha para o almoço de domingo, com direito a salada temperada com vinagre caseiro de vinho, queijo e doce e abóbora e uma deliciosa tarte de caramelo e limão para o grande final. Tudo num restaurante, é certo, mas foi um almoço de domingo como deve ser. Os gatos comeram frango cozido. Nada mau.
É ao pensar nestes pequenos hábitos que me apercebo o quão grandes são. Sim, o ser humano é um bichinho de hábitos. E, entre eles, lá está o almoço de domingo, ao qual é doloroso falhar. Curiosamente, só percebemos a importância destes pequenos rituais quando, por algum motivo, não estamos lá. Às vezes algo que parece tão banal é, afinal, algo essencial, ainda que não o soubéssemos. Acontece o mesmo pessoas ou lugares. Damo-nos ao luxo de acharmos que não tem importância, desvalorizamos. Puxamos simplesmente para a frente, entre o comodismo e a mera resignação. Até que um dia, não estamos, alguém deixou de estar, ficou para uma próxima, que pode muito bem nunca acontecer. Sim, enganem-se a vocês mesmo, e digam que não tem importância. Depois, arrependam-se o resto da vida por essas vezes.