O Alberto Fernandes era meu amigo dileto, confidente, um terceiro irmão cuja morte encerra tragicamente o capítulo da nossa participação na direção da Miguel Torga onde a sua cadeira desocupada cria um vazio impreenchível.
Se é verdade que as amizades cúmplices, desinteressadas e perenes são as que se fazem na juventude, então a nossa foi a exceção que confirma a regra, a lotaria que, por uma vez, conseguimos ganhar ou um tiro na lei das probabilidades.
Conhecemo-nos na Escola Miguel Torga, em 1990, homens feitos, casados e com filhos. Desde 1991 a 2016, fomos parceiros na gestão e desenvolvemos em conjunto um trabalho profícuo que deu azo a um imenso respeito mútuo. Na gestão da escola, o Alberto revelou-se senhor de uma inteligência luminar; com uma sensibilidade e um sentido de humor finos; um homem culto e intrinsecamente curioso; um humanista vertical e corajoso, defensor dos desprotegidos, da verdade, da justiça e da legalidade; um jurista distinto e seguro, arguto e capaz de golpes de asa assinaláveis; um resistente que continuou na gestão já ferido de morte enquanto o corpo o deixou ir.
O Alberto Fernandes ficará justamente associado ao sucesso da Escola e do Agrupamento Miguel Torga, como corresponsável dos projetos, resoluções, realizações, das lutas e vitórias e como seu defensor indubitável até ao fim.
O nosso convívio aturado criou uma amizade canina, cimentada em 25 anos de partilha diária, muitas horas por dia, no trabalho e na relação íntima e familiar. Descobri então no Alberto as qualidades que fizeram dele o meu paradigma de “Homem”: um amigo incondicional, de uma lealdade e honradez raras, de uma genuinidade cristalina e de uma solidariedade a toda a prova; sempre presente nas horas difíceis com a palavra certa, um conselheiro com uma sensatez inata que procurava consensos, mas sem virar a cara à luta; rijo como as fragas de Benlhevai e inquebrantável nos princípios que o norteavam, de quem guardo queridas recordações, uma saudade insuperável e um sentimento de perda irreparável.
Era também um contador de histórias excecional. Como diria o Viriato Manhas, “o mais valente contador de histórias que alguma vez pisou a face deste mundo”.
Um dia, numa tarde de conversa amena, à sombra de uma parreira, veio à baila a ideia de publicarmos a meias um livro de contos, mas, umas vezes porque adiei, outras porque adiou ele, o projeto que ainda mais nos irmanaria foi sendo protelado para melhor hora (“depois vê-se…”). Embora ainda agora me custe a acreditar, a hora passou.
Sempre pensei que, como os estorninhos, o Alberto Fernandes era imortal e resistiria ao que fosse, até à pior das intempéries. Fui testemunha das suas batalhas em que mostrou força sobre-humana, da tenacidade que desmentia os piores prognósticos. Vi-o sempre vencer quando os restantes mortais já achavam impossível.
O Alberto amava a vida e só a aliança brutal de doenças fatais lhe conseguiriam suster à traição o sopro, deixando órfãs as duas filhas e a mulher que adorava, a sua família e os amigos, a sua Benlhevai e o seu Trás-os-Montes míticos.
Acredito que no nosso ninho xistoso continuará a inçar gente que, como as estevas e as carrasqueiras, singrem no chão magro.
Oxalá os vindouros sejam feitos da fibra que fez o meu amigo Alberto Fernandes.
Por José Carrapatoso