A fábula de Esopo é sobejamente conhecida: Pedro, um pequeno pastor resolveu divertir-se com os seus conterrâneos gritando que estava a ser atacado por um lobo só para ver os aldeãos a acorrerem, em seu socorro, armados de varapaus, foices e enxadas. Um dia, a fera acometeu mesmo o seu rebanho e, por mais que o zagal gritasse por apoio, não houve ninguém que lhe viesse valer. Mais tarde, quando confrontados com a grande perda do rapaz, por causa da razia levada a cabo pela besta, os seus vizinhos lamentando o sucedido, mostraram ao jovem que a culpa era sua por se ter descredibilizado com o seu reprovável comportamento. A tradição popular criou um rifão a propósito desta lição: Coitado do mentiroso, Mente uma vez, mente sempre; Ainda que fale verdade, Todos lhe dizem que mente. Concluindo, quando alguém nos habituou a declarações que não têm a devida adesão à realidade ou que, mais tarde, são desditas ou mesmo contraditadas pelo próprio, obviamente que provoca a natural desconfiança de quem o ouvir, posteriormente. As pretéritas declarações pouco confiáveis do líder do Chega, bem como as constantes mudanças de posição, mesmo quando irrevogáveis, mesmo quando fundadas no sagrado interesse nacional, provocaram a desconfiança sobre a real veracidade da anunciada proposta de acordo entre o Governo e aquele partido, para a aprovação do Orçamento de Estado. “Não é não” teria dito Montenegro e, obviamente, espera-se do Primeiro Ministro que honre a sua palavra. Quando um diz que sim e o outro que não, sem mais considerandos, a tendência de quem olhe para esta circunstância de forma independente é a de acreditar em quem nos habituou a manter a palavra contra todas as ameaças e acusações de traição que este comportamento despertaram no seu opositor. Acresce que o líder da extrema direita tem mostrado uma notável sofreguidão no intento de chegar a um acordo com o partido governamental pelo que se afigura natural que faça tudo e mais alguma coisa para o obter. Alternando, inclusive, entre a ameaça do irrevogável chumbo e a aprovação responsável, a promessa de uma convivência cooperante e uma oposição aguerrida e sem quartel, portanto não seria de estranhar que atribuísse às consultas interpartidárias um conteúdo substantivo muito exagerado, para além do que efetivamente tenha tido. A negação imediata e perentória do chefe do governo aponta nesse sentido. Porém… A simples hipótese de a verdade, mesmo que não acompanhe, integralmente Ventura, estar entre o que este garante e o que Montenegro refuta, é, só por si, preocupante. Ora, como já muitos comentadores vieram evidenciar, “não” diz-se, num espaço de tempo muito curto, numa única reunião. Por que razão hou- ve necessidade de mais encontros, mais demorados? Por outro lado, o abandono transitório da irrevogabilidade, pode, de alguma forma evidenciar alguma aproximação, mesmo que temporária, mesmo que percecionada como maior do que aquela que efetivamente estava a acontecer? O desmentido governamental, sem mais, traduz uma vontade firme de cortar com qualquer proximidade ou o receio de que alguns pormenores possam ser comprometedores? Quando um diz que tem provas que não vai mostrar, provavelmente por não suportarem, na íntegra, as suas afirmações públicas, não seria de esperar que outro mostrasse a evidência que as contradigam, na totalidade? Com a abstenção do PS, este episódio perde importância, contudo não deixa de ser um sério aviso que seria um erro minimizar.