Ter, 19/04/2005 - 18:01
Jornal NORDESTE (JN) – O que faz um Paulista em Bragança?
João Ortega – Nascer em S. Paulo foi um mero acidente na minha vida. Tirando o período da formação superior, sempre estive em Bragança, ou nas suas proximidades, pelo que não me parece que me possam chamar Paulista. Sou mais transmontano do que Paulista. Tirando o facto de ter nascido no Brasil, não há mais nenhuma relação com o S. Paulo. Mantenho a nacionalidade brasileira, mas a minha ligação é com Trás-os-Montes. Primeiro pelo facto dos meus pais serem daqui e, depois, por ter acabado o curso e ter vindo para cá trabalhar.
JN – A adaptação foi difícil?
JO – A minha infância decorreu em condições excepcionais. Os meus pais trabalhavam nas Minas da Ribeira. Era um mundo à parte porque, não sendo um espaço urbano, também não era um espaço rural. A minha infância foi vivida num espaço protegido, naquilo que hoje se poderia considerar um condomínio fechado, e que nos fornecia uma grande segurança.
Vivi lá até 1973, altura em que as minas fecharam, e penso que era um óptimo sítio para se ter vivido.
JN – Estudou em Lisboa e regressou imediatamente a Bragança. Não é um percurso muito usual, pois não?
JO – Não. De facto, a maioria das pessoas que andaram no Liceu de Bragança comigo e, depois, foram estudar para fora, não estão cá. Só um regressou, mas uns anos mais tarde. Os restantes acabaram por ficar noutras cidades. Para Bragança isso significa uma perda muito importante, porque são pessoas que, certamente, interessavam à região.
JN – Quando decidiu regressar nunca sentiu o apelo dos grandes centros?
JO – Podemos encarar esse apelo de duas formas. Entendo que os grandes centros não proporcionam qualidade de vida, e daí a minha opção em ter regressado. Mas, ao nível profissional, Bragança não é o melhor local para desenvolver uma carreira. Se há 20 anos atrás se acreditava que a Informática ia permitir trabalhar de um determinado local isolado para o Mundo inteiro, a verdade é que ficou tudo na mesma. É falso que se possa trabalhar em Bragança e ter as mesmas oportunidades de carreira e de conseguir determinados trabalhos sem estar junto dos centros do poder. A questão é esta.
JN – É fácil ser arquitecto em Bragança?
JO – Não é fácil ser arquitecto em Portugal e, ainda menos, em Bragança. A generalidade da população ainda nem sequer assimilou o termo “arquitecto”. Há muita gente que ainda não distingue um engenheiro de um arquitecto. Sou tratado, frequentemente, por engenheiro, como se isso fosse um elogio. A Morphopolis tem engenheiros a trabalhar com muito valor, que são indispensáveis para conduzir uma obra até ao fim. As nossas actividades são complementares, mas num meio onde o termo “arquitecto” ainda não está assimilado, não é fácil exercer esta profissão.
JN – É autor do novo edifício da Caixa Agrícola de Bragança. É a sua obra mais emblemática?
JO – É sem dúvida, um das obras mais significativas da minha carreira de arquitecto. Foi levada do início ao fim com o mesmo empenhamento. Independentemente das minhas ideias, tenho de me adaptar ao local, ao empenho do cliente em levar a obra até ao fim e às suas possibilidades financeiras. Às vezes começa-se com muito entusiasmo, que acaba por esmorecer quando aparecem as primeiras dificuldades. Ora, isso não aconteceu com a sede da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo. Primeiro por força do seu principal responsável, senhor Adriano Diegues, que, para além de cliente, foi alguém que, continuamente, colocou desafios ao próprio projecto.
Hoje, tenho consciência que não é possível fazer uma boa obra sem ter um cliente exigente. O director da Caixa não foi, apenas, um cliente exigente, mas uma pessoa que me impôs desafios no sentido da obra ser cada vez melhor. Foi isso que resultou no trabalho que ali está.
JN – Em Vila Flor tem uma obra polémica, que é o Centro Cultural.
JO – De facto, houve reacções menos positivas. É um projecto que considero muito ambicioso, mas onde falhou, claramente, a componente de o executarmos com qualidade. Falhou, também, aquilo que é fundamental, que é a obra ser utilizada na sua plenitude depois de ser construída.
JN – Existe na região uma arquitectura tipicamente transmontana?
JO – Ao nível da arquitectura popular existe, mas da arquitectura erudita não, à excepção da passagem do arquitecto Viana de Lima aqui por Bragança.
O tipicamente transmontano só faz sentido enquanto sustenta uma comunidade viva. É isso que deve ser mantido. O património só tem sentido enquanto pertence a uma comunidade viva, porque, se assim não for, é museu. Vinha neste jornal que, em Mogadouro, as pessoas ficaram chocadas por terem sido postas placas a indicar “Aldeias Abandonadas”. Muito pior era pôr Aldeias Típicas a indicar terras sem ninguém, por aldeias típicas são aquelas que têm vida, que têm gente e animais.
JN – Pensa que é possível estancar o abandono do Mundo Rural?
JO – Parece-me que, hoje, a tendência é as pessoas irem morar todas para o mesmo sítio. O litoral exerce uma atracção sobre as pessoas que o interior nunca conseguirá exercer.
É preciso ter consciência que a concentração excessiva de pessoas numa determinado sítio tem custos elevadíssimos. Não defendo que os de Lisboa financiem a minha estada em Trás-os-Montes, mas a questão é saber se são os lisboetas que financiam os custos dos que estão Trás-os-Montes, ou se somos nós que estamos a financiar os custos elevadíssimos da enorme concentração populacional em determinado lugar. Claramente somos nós que estamos a financiar.
O abandono do território também tem custos elevadíssimos. Se recuarmos na História, a maior parte das cidades foram fundadas no sentido de povoar o território. D. Dinis foi isso que fez. Hoje pensamos que podemos viver em Lisboa tranquilamente, com todos os serviços à nossa volta. Parece que é lá que estamos bem e que podemos abandonar o território. Depois, arde tudo, porque está tudo abandonado.
Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda