Ter, 07/02/2023 - 10:37
Os anos passam e cada vez é mais evidente a degradação dos edifícios que fazem parte da Comarca de Bragança, que no total são 12. Em 2014, foram feitas algumas obras de “fundo” em edifícios como o de Bragança, mas os restantes ficaram apenas por pequenas empreitadas de melhoria, que pouco ou nada resolveram. Em Novembro do ano passado, nas comemorações do 70º aniversário do Palácio da Justiça de Bragança, o Juiz Presidente João de Matos-Cruz Praia tocou na ferida. Fez questão de falar das condições dos edifícios, realçando que mais do que a modernidade digital, é preciso também apostar na modernidade das infra-estruturas. Passaram-se três meses e a situação continua igual. No distrito, os tribunais de Vimioso, Miranda do Douro, Mogadouro e Torre de Moncorvo são os que mais precisam de obras urgentes e de “fundo”. Tendo em conta o Inverno rigoroso que se faz sentir em Trás-os-Montes, a climatização dos edifícios é uma das reclamações.Por exemplo, em Miranda do Douro o tribunal tem uma caldeira com 60 anos, que nem sempre funciona. E se a caldeira avaria, “não há alternativa”, porque “não há aquecedores”. A caixilharia também é antiga, o que significa que de nada vale ter bons aquecedores, se não houver também um bom isolamento. Para não falar do telhado, que tem que ser substituído, uma vez que “chove dentro do edifício”. Segundo o Juiz Presidente e o Administrador, estes problemas têm vindo a ser reportados ao IGFEJ, Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, entidade responsável pela realização de obras maiores. Ainda em Novembro deu a conhecer às entidades competentes a situação do telhado do tribunal de Miranda do Douro e até agora “aguardam uma resposta”. Já passaram três meses, com chuva intensa durante algumas semanas. Em Mogadouro, os edifícios são aquecidos com “radiadores a óleo”. Além de esse sistema não ser suficiente, visto que os corredores são grandes e tectos altos, durante os meses de Novembro e Dezembro a potência do quadro eléctrico impossibilitou que os aquecedores pudessem estar ligados. “Este problema já está resolvido, mas o edifício tem que ser reestruturado de raiz”, afirmou o administrador, António Falcão. Se no Inverno é um problema, devido ao frio, no Verão a situação não é melhor. No tribunal de Torre de Moncorvo chega a ser “muito problemático” as temperaturas que se atingem no interior do edifício nos meses mais quentes. Precisa que seja substituída a caixilharia. Mas este é só um dos problemas. Esta infra- -estrutura não está preparada para receber pessoas com deficiência, devido às escadas que tem. O ideal seria um elevador, mas como isso requer obras mais profundas, já só se pede uma cadeira elevatória, que até agora nunca chegou. Nestas situações, são os bombeiros que transportam estas pessoas ou então vai o juiz ao “átrio”, onde se criam condições para ouvir a pessoa em questão. Mas o “pior” é mesmo o de Vimioso. “É um edifício precisa de uma intervenção de fundo, quer ao nível do exterior, quer ao nível do interior”, referiu António Falcão. Há cerca de três anos, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça lançou um concurso para a realização de obras de fundo neste tribunal. O projecto foi feito pelo município. De acordo com o presidente da Câmara Municipal de Vimioso, Jorge Fidalgo, a empresa que ganhou o concurso “não aceitou” avançar com a obra, porque considerava que não iria conseguir fazê-la dentro dos quatro meses exigidos no concurso, uma vez que só o equipamento de climatização demoraria entre cinco a seis meses a chegar. Esperou- -se que fosse lançado novo concurso com um prazo mais alargado, mas até agora nada. Mas até mesmo os edifícios de Bragança, que sofreram obras há menos de dez anos, têm tido problemas. Em Novembro do ano passado, um tecto do tribunal do trabalho caiu. Estiveram “dois ou três meses” à espera que fosse feita a obra. Só há cerca de três semanas é que o problema foi resolvido. No exterior do tribunal também é possível ver que estão a cair camadas de gesso, que com o tempo pode levar também à queda dos candeeiros. O estado dos edifícios é do conhecimento do Juiz Presidente e do Administrador da Comarca de Bragança que “há anos” reportam estes problemas e, por vezes, é preciso “insistir” para conseguirem obter uma resposta das entidades competentes. As pequenas obras ainda são feitas pela DGAJ, Direcção- -Geral Administração da Justiça, mas as maiores, as que são realmente precisas, estão a cargo do IGFEJ. “Temos pessoal a trabalhar com temperaturas baixas”, admitiu o Juiz Presidente João de Matos-Cruz Praia, acrescentando que “o aquecimento não satisfaz os padrões de qualidade”. Tendo em conta que nas últimas semanas as temperaturas mínimas estão abaixo de zero e se prevê que vão continuar assim pelo menos durante o mês de Fevereiro, trabalhar nestas condições está dependente do “voluntarismo” e da “boa vontade” dos funcionários dos tribunais. Contactado o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça para perceber qual é o conhecimento que tem do estado dos edifícios e se está prevista alguma intervenção, até ao fecho desta edição do Jornal Nordeste, não respondeu às perguntas colocadas.
Precisam-se de mais oficiais de justiça
Os quadros da Comarca de Bragança estão completos no que toca aos juízes e procuradores, embora João de Matos-Cruz Praia reconheça que mais “um juiz” seria “melhor”. O problema está na falta de oficiais de justiça. Há 92 lugares no quadro, mas apenas 87 estão preenchidos. Desses 87, inclui-se pessoas que estão de baixa. Para António Falcão, “92 é um quadro insuficiente, tendo em conta as valências que vão sendo acrescentadas aos serviços, visto que os oficiais têm mais valências”. O ideal seriam “100”. Em todo o país, “há cerca de 1200 funcionários a menos do que os quadros prevêem”. Recentemente, foi aberto, no site da DGAJ, um concurso para ingresso de 200 oficiais de justiça. Para se candidatarem, as pessoas devem ter um curso de técnico de serviços jurídicos ou um curso de técnico superior de justiça ou uma licenciatura na área do direito. Podem também candidatar-se pessoas com o “12º ano, ou equiparado, e que tenham exercido durante pelo menos um ano completo funções integrantes dos conteúdos funcionais das carreiras de oficial de justiça”. O vencimento base é de 854 euros. Um valor muito abaixo do que consideram merecido. Estes profissionais vão para os tribunais onde há uma percentagem maior de défice de pessoal. Bragança não tem menos de 10% de défice e, por isso, “nunca é beneficiado com a entrada destes funcionários”. O coordenador do Norte dos Sindicatos dos Funcionários Judiciais, Manuel Sousa, considera que “possivelmente nenhum virá para Bragança”. O que significa que a falta destes profissionais se vai manter.
62 anos de média de idades
A falta de oficiais de justiça nos tribunais do distrito é um problema, mas a juntar-se a isso está ainda a idade dos que fazem parte dos quadros. A média ronda os “62 anos”. Há apenas duas funcionárias que têm cerca 30 anos, mas são uma “excepção”. Segundo o administrador António Falcão, tem já formalizado “dois pedidos para a reforma” e “sete ou oito” estão “em condições de formalizar o pedido”. “Nós próximos dois ou três anos saem daqui 30% ou 40% dos funcionários que temos”, afirmou. Estes funcionários tinham um regime especial de aposentação. Antes podiam pedir a reforma aos 55 anos, mas agora passam a estar incluídos no regime geral, o que significa que têm que se reformar aos 66 anos. “Alguns funcionários ficam de baixa por problemas psiquiátricos”, referiu António Falcão, explicando que nessas situações não os podem substituir e, por isso, o trabalho dessas pessoas recai sobre os outros funcionários, obrigando a fazer horas extra, que “não recebem”. "Em termos qualitativos há sempre prejuízo", disse o Juiz Presidente João de Matos- -Cruz Praia. O coordenador do Norte dos Sindicatos dos Funcionários Judiciais afirma que esta situação “prejudica imenso o serviço”, porque são pessoas “com problemas de saúde e que causam ainda muito mais dificuldades aos serviços para se organizarem”. Além disso, Manuel Sousa considera que funcionários com esta idade já não conseguem acompanhar a legislação que está sempre a ser alterada. “As pessoas com 60 ou mais anos sentem muito mais dificuldade e não tendo uma formação adequada não conseguem acompanhar o ritmo acelerado da legislação que vai saindo”, referiu. Para o sindicalista, o “envelhecimento” dos quadros “paralisa muito” os serviços, uma vez que os funcionários “não dão o rendimento necessário”. “As pessoas ficam completamente desmotivadas e não estão para trabalhar desta forma”.
Formação que já vem tarde
Os sistemas dos tribunais estão constantemente a sofrer actualizações. Os funcionários são obrigados a serem “autodidactas” para conseguirem estar a par das mudanças. Há formação, mas para isso as pessoas têm que se deslocar a Mirandela, onde é dada. E quando é disponibilizada “por vezes vem atrasada” ou então “não está adequada”, uma vez que a formação é apenas de poucas horas. “Sempre que há uma formação é difícil reunir pessoas, porque o pessoal já tem alguma idade, ou porque têm serviço inadiável, ou porque tem dificuldades de transportes”, explicou o administrador. Por isso, sugeriu que fosse o formador a deslocar-se aos locais de trabalho.
Abandono da carreira
Tendo em conta o vencimento, as horas extra que não são pagas, o desgaste psicológico, a acumulação de funções, há muitos oficiais de justiça que abandonam a carreira. “A carreira é pouco valorizada. Não há progressões. As poucas promoções que houve são limitadíssimas. Há funcionários a fazer funções de categorias superiores, mas não recebem nem estão nessa categoria”, frisou António Falcão. Entre 15 de Fevereiro e 15 de Março, o Sindicato dos Funcionários Judiciais vai avançar com uma greve. Reclama o preenchimento integral dos lugares vagos de carreira de oficial de justiça, a abertura de procedimento para acesso a todas as categoriais cujos lugares se encontrem vagos: escrivão adjunto, técnico de justiça adjunto, escrivão de direito, técnico de justiça principal e secretário de justiça, a inclusão no vencimento do suplemento de recuperação processual, com efeitos a 1 de Janeiro de 2021, ou seja, o pagamento do valor mensal nas 14 prestações anuais, a inclusão dos funcionários num regime especial de aposentação e de acesso ao regime de pré- -aposentação e a revisão do estatuto profissional que valorize e dignifique a carreira e não afaste nenhum dos trabalhadores que actualmente preste serviço como Oficial de Justiça. “Há mais de 20 anos que estamos à espera de uma revisão estatutária que venha dignificar a carreira de Oficial de Justiça, que é muito difícil e de muita disponibilidade. Para além dos horários normais de serviço, trabalhamos sem receber um centavo de horas extraordinárias, trabalhamos aos sábados, domingos e feriados sem sermos remunerados para além do normal”, afirmou Manuel Sousa, concluindo que as pessoas estão “revoltadas” e “magoadas” e, portanto, vão avançar com a greve.