Reclusos de Bragança encontram segunda oportunidade a trabalhar

PUB.

Ter, 02/04/2024 - 13:04


Emiclau, DNMAT e Mecatérmica são três das empresas que dão ou já deram emprego a reclusos do estabelecimento prisional de Bragança

O dia tinha acabado de começar, mas estava na hora de levantar e aproveitar as segundas oportunidades. Abrem-se os portões do Estabelecimento Prisional de Bragança e a liberdade parece estar mais próxima. Para quem vive entre grades, poder sair para trabalhar é dar um passo para o regresso à normalidade. António Rodrigues cumpre pena há quase oito anos, mas a sua vida mudou nos últimos meses quando teve a oportunidade de trabalhar na empresa DNMAT. Se a felicidade tem um rosto, seria o deste recluso. Apesar de já ter trabalhado num estabelecimento comercial e no atendimento ao público, o trabalho que agora desempenha é outro. É um verdadeiro “polivalente”, desde trabalhar na serrilharia, no armazém ou até na parte mais logística. O importante é trazer a cabeça ocupada. “Quando andamos a trabaÂngela Pais lhar andamos sempre ocupados, não pensamos em certas coisas e passa-se melhor o tempo”, contou, salientando que “faz toda a diferença” poder trabalhar fora do estabelecimento prisional. A integração parece ter sido fácil e sem discriminações. “Estou a gostar muito”, disse com um sorriso nos lábios. Até já fez amizades. “Só tenho aqui amigos, acolherem-me bem, não senti diferença nenhuma", vincou, acrescentando que esta experiência “dá coragem para continuar”. É a primeira vez que a empresa DNMAT, em Bragança, dá emprego a um recluso. A oportunidade surgiu devido à falta de mão-de-obra. Assim, decidiram “juntar o útil ao agradável” e dar uma segunda oportunidade a quem precisa. “Faz parte das empresas locais fazerem com que as pessoas se reintegrem. Toda a gente pode ter um percalço, mas estamos aqui para contribuir com a sociedade e no que podemos ajudar, ajudamos”, disse o proprietário Nuno Rodrigues. O empresário salientou que “ninguém mais do que as empresas”, que são quem cria postos de trabalhos”, terá que contribuir para a integração destas pessoas. E apesar de ser uma experiência recente, está satisfeito. “Está a portar-se bem, tem capacidade de trabalho, é humilde, está sempre pronto, não tenho nada apontar pela negativa”, frisou, acrescentando que dar uma segunda oportunidade a quem está privado da liberdade pode servir até de “alento” para que sejam “proactivos” e “produtivos” o que é uma “mais-valia” para a empresa. Embora reconheça que a sociedade está sempre de “pé atrás” com os reclusos ou ex- -reclusos, a integração de António Rodrigues na DNMAT foi fácil e sem qualquer discriminação. “Não há discriminação nenhuma, até porque a pessoa em causa é educada, humilde e integrou-se na equipa, todos a respeitaram, assim como ela está a respeitar a equipa”, sublinhou. A empresa é ainda responsável por ir buscar e levar o recluso ao estabelecimento prisional. Apesar de toda essa logística, Nuno Rodrigues não tem dúvidas de que “compensa” e está “satisfeito” com este novo funcionário. Carlos, nome fictício, é um ex-recluso que, tal como António Rodrigues, começou a trabalhar ainda estava no estabelecimento prisional de Bragança. Cumpriu pena durante quatro anos e pouco tempo antes de terminar começou a trabalhar na empresa Mecatérmica, em Bragança. “Desde que surgiu a oportunidade de poder sair e trabalhar fora foi muito bom, foi uma boa adaptação e o tempo passa de maneira diferente”, disse. Agora é já um ex-recluso, mas nem por isso deixou a empresa. “Está a correr muito bem. Já aprendi muitas coisas, é muito bom para a minha carreira profissional e acho que estou a desenvolver bem na empresa”, contou, acrescentando que não sentiu qualquer discriminação, porque a “equipa é boa” e foi “bem” acolhido pelos colegas e sem qualquer julgamento. A Mecatérmica é uma empresa de climatização em Bragança. Carlos disse já ter alguma experiência na área, até porque o seu pai trabalhou na área e desde pequeno que o acompanhava. Ainda assim, tem aprendido coisas novas. O ex-recluso reconhece que o trabalho é um dos passos para poder voltar a integrar- -se na sociedade. “Uma pessoa que se queira adaptar e que não tenha medo ao trabalho, é uma boa maneira de se integrar”, vincou. Há cerca de seis anos que a Mecatérmica dá emprego a reclusos. Já fiz serviços no estabelecimento prisional e devido à “boa relação” que têm, a empresa decidiu contribuir para estas pessoas se reintegrem na sociedade. “Temos que fazer algo por alguém que errou para evitar que volte a errar novamente. Em termos de solidariedade eu prefiro integrar pessoas que falam a mesma língua que eu, que têm os mesmos costumes, do que pessoas que não têm nada disso. Prefiro dar essa oportunidade a estas pessoas”, salientou o empresário Francisco Almeida. Carlos é o terceiro recluso a quem a empresa dá trabalho. Mas neste caso, mais do que trabalho, dá também alojamento, sem qualquer custo, sendo mais um ponto a favor da sua integração. “Foi uma pessoa que teve uma integração bastante boa, porque saiu do estabelecimento prisional e tem local onde dorme, junto com os colegas”, contou. Ainda assim, admite que tem “sérias dúvidas” de que a sociedade esteja preparada para receber estas pessoas. Por isso, acredita que dando emprego é também uma forma de “desmistificar o receio” que as pessoas possam ter sobre um recluso. “Nota-se que existe sempre algum receio. O primeiro impacto é sempre custoso, mas depois de algumas semanas, ao longo de algumas cervejas bebidas em conjunto, cria-se alguma empatia e esses receios acabam por desaparecer”, referiu. Além disso, esta é também uma forma de resolver outro problema: a falta de mão-de- -obra. “Também as empresas precisam de mão-de-obra. Digamos que é bom para eles, para sociedade e para nós”, acrescentou. Carlos é o único ex-recluso que ainda se mantém na empresa. Segundo Francisco Almeida, os outros já tiveram a oportunidade de “voar” e aí significa que está cumprida a missão. “Já nos aconteceu alguns casos em que ajudamos bastante, desde o ir recolher ao estabelecimento, levá-los, meses a fio, contribuir para a liberdade condicional e depois disso, estando já com asas, voaram. Isso quer dizer que é bom. Se tem asas para voar, já está integrado”, concluiu. Outra das empresas em Bragança que também dá emprego a reclusos é a Emiclau. Embora neste momento não tenha nenhum, desde 2010 que o faz e até já perdeu a conta a quantos já empregou. O empresário Claúdio Martins disse ter sido, até agora, uma experiência “agradável”, com “bom gente”, embora a integração dependa de pessoa para pessoa. “Alguns mais fácil de integrar do que outros. Na nossa empresa não há olhar de lado, são bem integrados, bem acolhidos e não são discriminados”, frisou, acrescentando que “toda a gente merece uma segunda oportunidade”. Mas há um ex-recluso que ainda se mantém na empresa e que tem surpreendido de dia para o dia o empresário. “Um deles ainda continua a trabalhar connosco. Significa que se integrou na empresa, gostou e ficou”, contou. O proprietário da empresa de construção civil não tem dúvidas de que dar a oportunidade de emprego a estas pessoas é o caminho para a integração. “Para essas pessoas faz muita diferença, porque é uma maneira de se integrarem mais facilmente na sociedade quando saem”. Cerca de 10% dos reclusos do estabelecimento prisional de Bragança trabalham em regime exterior. De acordo com o director da prisão, Nuno Pires, este número é “muito bom”, uma vez que grande parte dos reclusos deste estabelecimento prisional estão em regime de prisão preventiva, o que significa que não podem trabalhar fora. “Só podem trabalhar lá fora pessoas que já tenham a situação jurídica definida e que já reúnam condições para poder ir a casa”, explicou. Esta parceria entre o estabelecimento prisional e as entidades dura já há alguns anos e já envolveu “mais de 50 empresas”, mas também Câmara Municipal e Juntas de Freguesia. “Conseguimos fazer uma ligação harmoniosa e de receptividade bilateral no sentido de proporcionarmos mão-de-obra e as empresas aceitarem mesmo sendo recursos e é preciso valorizar essa componente de reinserção social, porque o trabalho é um elemento importantíssimo na recuperação de pessoas que passaram por regimes privativos de liberdade”, destacou Nuno Pires. Actualmente, há oito empresas em Bragança que dão emprego a reclusos desta prisão. “Incluídos ou integrados em empresas, funcionam exactamente como sendo um trabalhador normal. Ninguém sabe se são reclusos e é isso que nos interessa, que sejam cidadãos de perfeita harmonia, sem qualquer restrição ou desvantagem em relação aos outros”, vincou. O estabelecimento prisional de Bragança tem 80 reclusos.

Jornalista: 
Ângela Pais