Projecto “Turmas Partilhadas” em risco pode deixar dezenas de alunos com oferta escolar limitada

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Ter, 20/02/2024 - 09:51


Em causa está a falta de financiamento do Governo nos últimos dois anos lectivos

Sem financiamento do Governo, o projecto “Turmas Partilhadas”, da Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes (CIM-TTM), pode estar em causa.

O projecto permite que os alunos possam frequentar cursos profissionais noutro concelho, fora da sua área de residência, sem terem que dormir fora de casa. Ou seja, os jovens continuam a ter a aulas generalistas, como Matemática e Português, no seu agrupamento de escolas e dois ou três dias de semana deslocam-se para outra escola onde têm as aulas específicas do curso que querem.

O objectivo é alargar o leque de oferta escolar, sendo que há concelhos, como o de Vimioso, que nem sequer têm ensino secundário, obrigando os alunos a saírem da vila para terminar a escolaridade obrigatória.

Os jovens não têm que pagar qualquer tipo de transporte. No ano lectivo que o projecto começou, 2021/2022, a CIM ainda recebeu comparticipação de uma candidatura ao quadro comunitário em vigor. No entanto, nos dois anos seguintes não recebeu mais verba do Governo, o que coloca em causa a continuidade do projecto.

De acordo com o secretário desta Comunidade Intermunicipal, Rui Caseiro, no ano lectivo 2022/2023, a CIM suportou “cerca de 300 mil euros” em transporte e neste ano lectivo, 2023/2024, o gasto ronda os “350 mil euros”. O Governo comprometeu-se a ajudar e até agora nada. “Continuamos sem ter o apoio por parte do Estado/Ministério da Educação para uma acção de política pública de educação”, disse, acrescentando que a “esperança” estará numa candidatura ao próximo quadro comunitário.

Rui Caseiro explicou que esta despesa é “significativa”, o que “coloca em causa a sua sustentabilidade financeira por parte dos municípios”. “Se não tivermos a garantia de financiamento este ano, se não tivermos o compromisso por escrito do Governo que vai financiar, podemos pôr em causa o projecto, porque a despesa é de um montante elevado”, vincou.

O projecto, que vai já no terceiro ano, tem vindo a crescer. Começou por ter cerca de 20 alunos e agora são mais de 50 os que usufruem do apoio.

O secretário da CIM explicou que esta é também uma forma de fixar as pessoas nos seus concelhos. “Se os alunos conseguirem estar junto da sua família, frequentarem um curso que gostam, saem formados, por exemplo em agricultura, amanhã são empresários agrícolas na sua terra. Mas se aos 15 anos tiverem que sair de Vimioso, para virem para Bragança para uma residência escolar, começam a frequentar aqui as acções de formação, se calhar passado três anos já não têm a mesma vontade de ir para a sua aldeia”, explicou.

João Alves, de 18 anos, foi um dos estudantes que aderiu ao projecto. É de uma aldeia do concelho de Vinhais, Valpaço, e reconhece que se não fosse as “turmas partilhadas” não teria a oportunidade para seguir a área que quer, Saúde. “A minha escola em vinhais não tinha nenhum curso profissional”, disse. E assim surgiu a oportunidade de frequentar o curso profissional “Técnico Auxiliar de Saúde”, na escola Secundária Emídio Garcia, em Bragança. “O projecto foi o que me abriu as portas para conseguir ingressar nuns estudos diferentes, num curso profissional, e também foi o que me fez descobrir a minha paixão pelo mundo da saúde”, referiu o jovem que quer ser enfermeiro.

No entanto, apenas do décimo e décimo primeiro anos foi um dos jovens a aderir ao projecto. Admitiu que as viagens para Bragança se tornavam cansativas, acabando por se mudar para a cidade para fazer o décimo segundo ano. “Acabei por ter a oportunidade de passar a viver em Bragança. Era muito cansativo o caminho que fazíamos todos os dias de manhã. Tinha que acordar as 6h30 para sair às 7h30 da aldeia e estar na escola às 8h30 e é um caminho com muitas curvas e complicado”, lamentou.

João Alves era um dos vários alunos que fez parte do projecto “Turmas Partilhadas”, que abrange todos os municípios da Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes, Alfândega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Mogadouro, Miranda do Douro, Mirandela, Vinhais, Vimioso e Vila Flor. 

Jornalista: 
Ângela Pais