Ter, 14/03/2023 - 12:05
Arrendar um imóvel em Bragança está pela hora da morte e os preços são uma “loucura”
Segundo aponta o Barómetro Imovirtual, o valor médio dos imóveis para arrendar estabilizou de Janeiro para Fevereiro.
Comparativamente com Fevereiro do ano passado, arrendar casa ficou mais caro em praticamente todos os distritos. Lisboa regista o maior aumento da renda média. Seguem-se os distritos de Leiria e Évora. Em relação ao período homólogo, Fevereiro apenas regista uma diminuição do preço médio de arrendamento na Guarda e em Bragança. Mas a verdade é que, por cá, o mercado de arrendamento está uma loucura.
Estudantes e trabalhadores desesperam por rendas mais baixas
João Pedro Pereira, de 29 anos, é de Felgueiras e vive em Bragança há já algum tempo. Escolheu a cidade para estudar e por cá ficou, depois, a trabalhar. Há quase seis anos que o faz e nunca conseguiu viver sozinho, apesar de ter um ordenado, que o deveria permitir concretizar uma vida mais independente. "Partilho casa com um colega. Já moramos juntos há três anos. Ando à procura de casa mas, com os preços que se praticam, é complicado arranjar um sítio para viver sozinho e suportar todas as despesas", assinalou, explicando ainda que quando se começa a trabalhar se ganha menos e, por isso, não conseguiu logo aventurar-se. Agora, que já ganha mais, os preços subiram e, por isso, não é fácil ver o cenário mudar.
O jovem diz que tem procurado por um T0 e T1 mas "não há muitos". "Felizmente, na casa onde estou com o meu colega, um T2, pago um bom preço, mas se a deixar não não vou conseguir arranjar, por exemplo, um T1 a este preço, com boas condições", esclareceu.
Os poucos T1 que tem encontrado chegam aos 350 a 400 euros, "são quase mais 100 euros que há uns anos e muitos nem têm condições". "Se ganharmos o ordenado mínimo é metade do valor. Depois há contas e alimentação, cada vez mais cara também. Ou seja, não se pode fazer mais nada que não casa-trabalho-trabalho-casa", referiu, lembrando que está para fazer 30 anos e que, por isso, "é mais do que altura que seguir a vida sozinho". "Os meus pais nesta altura, nesta idade, tinham mais do que a vida feita", assinalou João Pedro Pereira, que diz que a subida de preços se deve à pouca oferta e essa pouca oferta fica a dever-se ao facto de a cidade não ter acompanhado o "cresicmento" do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) nem das "pessoas que quiseram ficar por cá a trabalhar".
O IPB tem, de facto, vindo a crescer. O número de jovens a virem estudar para a cidade aumentou nos últimos anos. As casas começam a ser poucas para receber tantos alunos e quando assim é põe-se em prática a lei da oferta e da procura: poucas casas, rendas altas.
E o aumento nem foi ao longo do tempo, mas no espaço de dois anos. Felipe Cazarin é um dos exemplos de estudantes que sentiu esse aumento repentino no preço do quarto. Está em Bragança há três anos e há um ano e meio que está no mesmo quarto, que partilha com a namorada, também estudante do IPB. Inicialmente pagavam "90 euros", cada um, mas agora pagam "120 euros", cada um. A juntar com as despesas de água, luz e gás, por mês gastam "300 euros". Contou que pediram para diminuir a renda, mas disseram-lhes que "tudo aumentou" e que o "gás está caro". "Nós fomos à procura de uma casa, principalmente nas férias de Verão, mas não havia muita coisa disponível e o que havia precisava de uma caução muito alta. Encontrámos alguns em que a caução era 800 ou 1000 euros", disse.
Felipe Cazarin além de estudar Enfermagem Veterinária, trabalha também à noite para conseguir suportar as despesas, ainda assim, "é complicado". "Com o dinheiro do meu trabalho eu consigo pagar a faculdade, a renda, mas não sobra muita coisa, os meus pais acabam por me ajudar e os pais dela também a ajudam", contou.
Gostariam de mudar de casa, para algo que seja "mais barato", mas está "tudo muito caro". E assim sendo, torna-se difícil conseguirem ter um espaço só para ambos e começarem uma vida a dois, de forma independente.
Preço das rendas sobe "incompreensivelmente"
A procura elevada por casa deve-se ao crescimento politécnico de Bragança, esta é a convicção de Telmo Garcia, proprietário da Imobiliária Imoencontre. O problema é que a oferta não satisfaz a procura.
Segundo o empresário, as casas que estão livres são arrendadas aos estudantes, porque os proprietários já "ultrapassaram" o receio que tinham de disponibilizar a casa a jovens, devido aos preços serem "demasiado aliciantes".
Se uma família quiser arrendar uma casa, não há oferta, até porque a renda de uma casa a uma família não consegue superar aquilo que os senhorios ganham se arrendarem ao quarto. "Uma pessoa que tenha um T3 com uma sala, e já conheci casos em que, a sala, se tiver uma área considerável, ainda a dividem e fazem dois quartos, portanto, estamos a falar de cinco camas, na ordem dos 150 a 180 euros por cama, veja-se o preço para que vai um T3. É normal que esses proprietários, face a essa rentabilidade, jamais vão direccionar esse apartamento para uma família", disse.
E com a elevada procura e a baixa oferta os preços estão "completamente desfasados da realidade" e algumas casas, "se não fossem os estudantes" nem sequer seriam arrendadas "porque não têm condições mínimas de habitabilidade devido a humidade e infiltrações".
E além de se sujeitarem a viver numa casa sem condições, também aceitam rendas elevadas, porque é a única alternativa. "No início do ano, os pais entram aqui com os filhos e estão desesperados, não podem perder mais um dia e querem deixar os filhos alojados e sujeitam-se aquilo que lhe pedem e se tiverem possibilidades, numa primeira fazer vão pagar 200, 250 euros por um quarto", contou.
Telmo Garcia, há cerca de cinco anos, chegou a arrendar T1, sem móveis, a 180 euros e 220 euros, com móveis. Agora está a arrendá-los a 350 euros e no mesmo dia que coloca o anúncio na internet consegue arrendá-lo.
Para o empresário esta subida "vertiginosa" das rendas é "incompreensível" e o próprio admite que tem dificuldades em avaliar um apartamento, porque não sabe se o deve avaliar pelo "preço real" ou o "preço inflacionado". "Isto vai chegar a um ponto que se vai tornar insustentável e estou curioso para ver o que vai acontecer já no próximo ano lectivo, porque as pessoas querem pedir mais e mais. Se hoje pedem 100 euros no próximo ano já pedem 150 e é assim que todos estão a pensar", disse. O problema é que considera que no próximo ano os estudantes "de famílias mais remediadas poderão optar por não vir e não ingressar no IPB", devido ao elevado preço das rendas.
Mas qual seria a solução? "Enquanto não forem construídas residências ou a câmara não tiver um plano para dar oportunidade a alguns construtores para uma construção de custos controlados e de arrendamentos controlados, que não seja para especulação mobiliária, penso que isto nunca se vai resolver", afirmou.
Ainda assim quer acreditar que a "curto prazo" o preço das rendas vai baixar, porque os salários não estão acompanhar o aumento do custo de vida, as pessoas vão deixar de conseguir pagar e os proprietários vão ser obrigados a reduzir o valor cobrado.
Preços "são insustentáveis para a cidade"
Eugénia Batista, da imobiliária Último Pilar, em Bragança, tem apenas um T1 e um T2 para arrendar. No final do mês ficam disponíveis mais dois T1. "São imóveis que, ao ficarem livres, são logo arrendados", referiu Eugénia Batista.
Quanto a preços, diz que, por haver "muita procura", sendo que a construção não tem sido assim tanta, "a tendência é para aumentar", pelo menos por agora. Afirmando que, para as imobiliárias e proprietários, "quanto mais altos melhor", assume, ainda assim, que "são insustentáveis para a cidade". "Não se justifica praticarem estes preços, tanto a nível de venda como de arrendamento. Chegou-se a um ponto de loucura total", esclareceu, vincando que nunca viu o mercado como hoje e que os proprietários continuam a pedir para que aumentem ainda mais as rendas.
E quem procura está claro que não anda muito agradado com o valor dos imóveis. "Os ordenados não são grandes. Um casal que pague uma renda de 500 euros, mais água, luz e gás… não é fácil. As pessoas têm medo. O que vai começar a acontecer é que vão ficar algumas rendas por pagar", esclareceu, explicando que quando as rendas e o custo de vida sobem, mas os ordenados não acompanham o cenário, "as pessoas começam a atrasar-se no pagamento e a juntar duas para pagar". Questionada sobre se isso mesmo tem vindo a acontecer, disse que "já se começa a notar".
Mesmo assim, Eugénia Batista considera que, não tarda muito, os preços "vão descer". "Enquanto os investidores ainda tiverem capitais no banco e os bancos não pagarem os juros em ordem, vai continuar-se a investir. Mas, se a banca começar a pagar os juros um bocadinho mais altos, o investimento vai descer. E a tendência tem que ser de descida porque subiu tudo e os ordenados não subiram para fazer face a isto", rematou.
Para Eugénia Batista havia uma solução. Os emigrantes entrarem neste mercado. Poderia resolver alguns problemas. Ainda assim compreende que não o façam. "Pagam IMI’s e condomínios altos. O pagamento às Finanças, de 28%, é alto. Eles fazem contas e percebem que não vale muito a pena. Com a agravante de, sendo estudantes, terem medo", esclareceu.
Neste momento, com o mercado como está, há pessoas em cenários pouco normais. "Há muita gente a sujeitar-se a preços que lhe custa pagar. Há também muita gente a viver em casas sem condições e há também quem se sujeite a viver em casas sem contrato de arrendamento, o que acho errado", assinalou.
Na imobiliária tanto se trabalha com jovens estudantes como com trabalhadores, mas não há arrendamento de quartos. Arrendam o imóvel por inteiro. Um dos grandes problemas que se tem colocado, nos últimos tempos, quanto a estudantes, é que "há muitos estrangeiros" e "esses estudantes não dão garantias de nada". "Se deixarem de pagar não temos como ir atrás deles e, muitas vezes deixam dívidas, no que toca a contas, bem como os apartamentos sujos. Até já estamos a tentar falar com o IPB, para ver se há alguma solução", terminou.
Redes sociais carregadas de oferta e de procura
Ao contrário do que se verifica em praticamente todas as imobiliárias de Bragança, no Facebook é possível encontrar vários quartos e apartamentos para arrendar. Claro que, perante tanta oferta, a procura também é uma verdadeira loucura.
Antes de mais, aquilo que se observa é que, hoje em dia, possivelmente pela facilidade, as pessoas preferem procurar casa na internet e quem as têm para arrendar também dão primazia a este meio. Outra das constatações mais óbvias é que, também aqui, o preço dos imóveis está muito mais caro e que está na moda arrendar quartos duplos.
A página de Facebook "Arrendar quarto/casa em Bragança" é um bom exemplo de tudo isto. Por lá, o que não faltam são propostas, tanto de quem precisa como de quem tem para oferecer, quartos bem mais caros do que noutros tempos e um espaço para partilhar, muitas vezes com um desconhecido/a.
Um quarto, dito normal, nesta página de Facebook, custa entre os 150 e os 200 euros. Há cerca de quatro ou cinco anos, o preço médio de um quarto, em Bragança, rondava os 120 euros.
Apesar de, hoje em dia, muita gente contestar, sendo que aqui se podem ler vários comentários pouco positivos às publicações, alguém acaba sempre por arrendar o que é anunciado, já que a oferta é pouca para tanta gente a procurar. Muitas vezes, esse desespero leva a que isso mesmo aconteça.
Nesta página também há muitos quartos para casal ou para partilhar com outras pessoas (com duas camas). O que não é muito normal é que um quarto de casal custe 300 euros, tal como ainda na semana passada um utilizador da página o anunciou, já que 300 euros é quanto valem, em Bragança, alguns apartamentos T1. Na verdade já não há muitos a esse preço, mas ainda há bem pouco tempo, cerca de dois anos, era quanto custavam. Já os quartos partilhados podem ser bem mais caros. Cada pessoa pode chegar a pagar 170 euros, tal como constatámos.
O que aqui não se compreende é: como é que há pessoas que arrendam um quarto individual por 170 euros e há outras que pelo mesmo valor arrendam um quarto para partilhar com um desconhecido? Lá está, o tal desespero obriga, muitas vezes, a optar por soluções que não têm, se calhar, muito sentido.
No "Arrendar quarto/casa em Bragança" há tantas ou mais pessoas a procurar apartamentos T0, T1 e T2 como quartos. Mas, neste caso, as ofertas são pouquíssimas. Poucas vezes se vê um utilizador a anunciar que tem um apartamento com estas tipologias para arrendar. Mas as pessoas que precisam vão tentando. Normalmente, estas opções, ainda que não sejam muitas, são mais fáceis de encontrar em sites como "OLX", "Custo Justo" ou "Idealista".
Contudo, também nestas páginas os preços seguem a tendência: altos. Há um mês, encontrámos, no OLX, um T1, por cima do shopping de Bragança, pelo preço de 550 euros mensais. Para o arrendar era necessário pagar a renda e uma caução, ter um fiador e apresentar um recibo de vencimento e o IRS do ano passado. O proprietário mostrou-se compreensivo quando se falou de um preço mais baixo, em 100 euros, mas preferiu arrendá-lo a outra pessoa.
Também numa destas páginas encontrámos uma casa T2, numa rua do centro histórico de Bragança. A moradia fora acabada de requalificar e o anunciante pedia 450 euros mensais. Contactado, disse que, além da renda, a entrada seria feita mediante o pagamento de uma caução e a apresentação de um fiador. Marcámos uma visita e soubemos que a questão do fiador já não se punha. Passado quase um mês, aguardamos até hoje a resposta do anunciante, sendo que lhe foi mostrado interesse na casa. Pensa-se que a pode ter arrendado a uma pessoa de nacionalidade brasileira que, por causa da questão do fiador, lhe disse que não cumpriria esse requisito mas poderia pagar de imediato meio ano de renda.
"Nem tudo o que parece é"
Fomos visitar um dos quartos que circulava nas redes sociais para ser arrendado. Um quarto duplo, com duas camas individuais e com o custo de 100 euros por pessoa, quer isto dizer, que o arrendamento iria ficar em 200 euros.
Antes de o visitarmos tivemos acesso a um vídeo para que percebêssemos como era o quarto, mas os ditados existe e este não podia fazer mais sentido: "nem tudo o que parece é". O espaço é mais pequeno, o roupeiro dá para uma pessoa, para não falar da humidade que fazia "descascar" as paredes e deixava o tecto preto. O prédio onde está também já tem umas boas dezenas de anos, não tem elevador e está degradado.
Colocar esta despesa no IRS também era impensável, uma vez que não passam recibos.
Na casa moram três pessoas e ainda uma criança e foi aí que se percebeu que era uma família que estava a subarrendar a casa. E como nós, mais pessoas mostraram interesse em ver o quarto, o que significa que, muito possível, vai acabar por ser arrendado.
Jornalista:
Carina Alves / Ângela Pais