Ter, 05/11/2024 - 09:29
O “Bom Dia Tio João”, transmitido pela Rádio Brigantia, teve início com uma brincadeira de Nicolau Sernadela, mas a voz do Tio João nunca mais se calou, fazendo companhia a inúmeras pessoas, não só na região, como, agora, pelo mundo fora, já que o podem escutar através da internet. No programa, transmitido bem cedo, entre as 06h e as 08h, Nicolau Sernadela, como Tio João, está nos comandos. Os ouvintes, que através do telefone com ele interagem, vão contando as últimas histórias e novidades, partilham memórias, cantam e rezam e, claro, mandam cumprimentos uns aos outros, já que todos acabam por se conhecer, mais que não seja pela voz. Dizendo que o programa é uma espécie de “antibiótico” para muitos, o animador, para quem estes 35 anos significam “muito”, não podia estar mais satisfeito com o crescimento que o programa foi tendo. “O mundo da internet veio ajudar imenso porque, agora, os pais ouvem cá, na região, e os filhos, emigrantes, ouvem lá. As tecnologias vieram fazer com que o programa não parasse, antes que, pelo contrário, aumentasse em termos de gente que ouve e de participações”, rematou Nicolau Sernadela. O Tio João é a companhia de várias pessoas que vivem sozinhas, neste nosso Interior onde, permanentemente, dizem que falta gente. Prova disso são as manifestações de amizade, carinho e admiração que lhe chegaram no dia de anos do programa. “Telefonaram-me muitos daqueles que me ajudaram, que me deram a mão no início, em 1989, quando o programa começou. Muitas dessas pessoas, que naquela época tinham 60 ou mais anos, já morreram, mas há várias que ainda estão cá e me telefonaram porque não se esquecem da data”, assinalou. O programa, que foi criado na RBA, completou os seus 35 anos na semana passada, dia 29 de Outubro. Nicolau Sernadela era disco jockey na época em que o criou. Se não fosse a brincadeira que deu origem ao programa, se calhar, ainda hoje o animador era DJ. “Foi a altura da minha vida em que mais dinheiro ganhei. Há 36 anos ganhava o dobro do que ganho hoje. Davam-me 350 contos por mês”, lembrou Nicolau Sernadela que, mesmo assim, dá graças ao universo por este feliz atrevimento que lhe valeu o “Bom Dia Tio João” e nem de perto nem de longe se arrepende de tudo o que construiu. “Um dos donos da RBA deu-me as chaves e disse-me que, como eu saía do trabalho às quatro da manhã e não me ia logo deitar, podia ir para a rádio pôr música. Eu disse que sim e logo no primeiro dia, às 06h, lembrei-me que já me estariam a ouvir as pessoas que se estavam a levantar. Então pedi às pessoas que ligassem e falassem comigo. Ligaram quatro ou cinco”, esclareceu, lembrando que no começo não havia tanta gente como agora a telefonar-lhe, já que nem telemóveis existiam e mesmo telefones fixos eram poucos que se contavam. Até a magia do telefone estar mais presente no dia-a-dia das pessoas, o animador lia cartas. “Chegava a receber dezenas e dezenas de cartas durante a semana, de vários pontos”, vincou. Passado quase um ano de programa, em Setembro de 1990, os ouvintes do programa encontraram- -se no primeiro Piquenicão da Família do Tio João, encontro anual que se mantém até aos dias de hoje. O primeiro aconteceu em Cova de Lua, no concelho de Bragança, e “foi um dos mais participados”. “Foi aí que eu vi a força que tinha o programa”, explicou Nicolau Sernadela, afirmando que se apercebeu ainda mais do que o “Bom Dia Tio João” significava para as pessoas quando a RBA, tal como funcionava, foi extinta e, por isso, durante cerca de dois meses, o programa calou-se, até passar para a Rádio Brigantia. Graças ao cantor de “Pelos Caminhos de Portugal”, Mário Gil, que lhe deu o conselho de registar a patente do programa, Nicolau Sernadela pôde seguir noutra freguesia, não deixando, assim, desamparados e sem companhia, os tantos tios que já não passavam sem o ouvir e com ele conversar. O programa de rádio é muito mais do que aquilo que se ouve e muito mais do que encontros. Ao longo do tempo, graças à família radiofónica que se criou, foram ajudadas várias pessoas com algumas carências, doando, por exemplo, cadeiras de rodas. Até mesmo a reconstrução de casas já foi possível, a partir da união de esforços entre estas pessoas. Mas não só deste tipo de ajuda as pessoas precisam. Quebrar o isolamento é ajuda preciosa que muitos procuram. O Tio João tratou disso. Com ele e a restante família, vários “tios”, como carinhosamente chama aos seus ouvintes, saíram da aldeia e quebraram o fantasma “solidão”, viajando pelo mundo fora. O programa, pelo menos nos próximos 15 anos, continuará a fazer companhia a quem, bem cedo, lhe abre a porta. “Enquanto houver gente de bom coração, certamente, continuará. Quero chegar, pelo menos, aos 50 anos de programa”, frisou Nicolau Sernadela. Depois, a esperança da continuidade recaí no filho, João André, o ministro dos parabéns, a voz que felicita os ouvintes que vão assinalando mais um ano de vida.