O Candidato Ideal

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Ter, 24/05/2005 - 17:50


Gosto muito de eleições autárquicas. A sério. Têm a vantagem evidente do ano bissexto (ou seja, desenfastiam) e não têm os inconvenientes previsíveis das festas da cidade, que são sempre na mesma altura e toda a gente sabe como vão ser.

Nas autárquicas, cada candidato é como um presente de Natal: é sempre uma surpresa, o embrulho favorece, não estávamos nada à espera e dá imenso jeito, afinal. Mesmo que depois tenha de se devolver. Mas que importa? Os candidatos são a prova de um apreço inestimável que nós – pessoas, portugueses e eleitores em geral – retribuímos com muito calor e afecto e a cruz no lugar certo. Achamos que, sim senhor, ele é tudo bons rapazes (e se algum for rapariga, olarila) e não perdemos nenhum comício, ajuntamento ou concentração. Que o que faz falta é estar juntinho da malta. Para o que der e vier.
Por isso, um bom candidato deve responder às exigências de um perfeito todo-terreno. Potente, para aguentar a corrida, cilindrando os eventuais obstáculos. Resistente, para encaixar o que vier pela frente, preservando as boas condições da sua direcção. Versátil e de fácil condução; tão sorridente segurando um whisky junto a um óleo da Graça Morais, como eufórico, agarrando meio de tintol, na tasca do cimo do povo.
Mas nem só de técnica vive o candidato. É-lhe exigida, também, a arte subtil e gratificante de se deixar financiar. O candidato não gosta. Mas há males que vêm para bem e ele quer que tudo corra pelo melhor. O candidato sabe que o amor à arte é bonito e que a lei do mercado é justa. Acha que o patrocínio é a actividade do futuro, e ele o que quer é projectar o seu concelho num amanhã mais risonho, onde os rouxinóis cantarão alegres hinos ao progresso. E isso fica-lhe bem. Porque um candidato deve ter sempre a lucidez de aliar um espírito pragmático a um pacote de medidas idealizantes.
Mas – atenção – um candidato não pode pensar só na sua terra, nos seus conterrâneos, no seu concelho. Um candidato deve pensar sobretudo no produto que tem para vender. E acreditar piamente nele. Mas como o candidato não é muito crédulo, tem duas opções: fazer (muito bem) de conta; ou mudar o produto. A primeira hipótese nem sempre é viável – estando as escola de arte dramática ainda pouco divulgadas no distrito. A segunda hipótese é, por conseguinte, aquela que obtém maior sucesso junto do candidato médio. Que quer, naturalmente, ascender a candidato topo de gama. Por isso, o candidato rodeia-se de um equipa que tem a finalidade de contratar uma equipa encarregue de lavar a cara, a imagem e a alma do candidato. E geralmente corre tudo muito bem. Porque o candidato faz como as senhoras no cabeleireiro: fecha os olhos e sorri, porque sabe que está nas mãos de excelentes profissionais. Quando o candidato finalmente abre os olhos e se vê escarrapachado num enorme cartaz, é acometido de uma espécie de risa nervosa. É um choque ver-se assim, de repente, quase giro, com aquele ar seguro e confiante. Pois por mais rodado que seja, o candidato sente-se sempre como o Pato Donald a olhar-se ao espelho e vendo – ó espanto! – o Primo Gastão.
Mas o candidato, que não é nenhum pato bravo, sabe que a época da caça começou. E que toda a gente vai contar o número de trofeus que ele conseguirá apanhar naquele domingo que um dia há-de vir. O candidato sabe. E por isso, o candidato sente-se, às vezes, um pouquinho inseguro. E pergunta aos seus fiéis seguidores se tudo correrá bem. Eles, que são muito fiéis e muito seguidores, dizem logo ao candidato que não vale a pena queimar os seus neurónios com preocupações desse tipo. Os neurónios são uma coisa importante – não é para desperdiçar – e, além disso, está provado cientificamente que o candidato ganhará sempre. Entre vitórias reais, virtuais, percentuais e morais, há prémios para todos.
O candidato, então, respira fundo. Ergue os ombros, levanta a cabeça, faz o tal sorriso e fica igualzinho à imagem do cartaz.