Qua, 23/08/2023 - 09:56
França é o território que mais filhos do nosso país acolhe. Ali fazem vida mais de 600 mil portugueses que decidiram ir à procura de um futuro mais desafogado financeiramente. Segundo os dados mais recentes das Nações Unidas, significa isto que em França há cerca de 30% do total de emigrantes espalhados pelo mundo, sendo estes mais de dois milhões. O top 3 dos destinos mais escolhidos pelos portugueses fica completo com a Suíça, que acolhe 11% do total de emigrantes, e com os Estados Unidos da América, onde residem 9% dos “tugas” que deixaram o país de origem para trás. Seja qual for o país onde se está, este mês é o predileto para rumar a Portugal. Muitos não vêm todos os meses de Agosto por não terem férias, outros porque estão demasiado longe de Portugal e não têm como vir anualmente e, agora, há alguns que estão a deixar de vir porque a vida está mais cara. Que por cá o está já sabemos, até aqui não há novidade nenhuma, mas desengane-se quem acredita que pondo o pé fora de Portugal o cenário é um autêntico mar de rosas. Bem, mas voltemos em concreto a França que é lá que residem Teresa Alves, Otílio Pires e Aurora Afonso que este ano não deixaram de vir, está claro que não, mas o dinheiro para gastar já não é tanto como noutros tempos. Cova de Lua, no concelho de Bragança, é a terra do coração destes três emigrantes, que, por estes dias, aquecem o coração, junto dos seus mais queridos.
Haja muito ou pouco dinheiro, Agosto é passado na terra
Teresa Alves é de Conlelas, no concelho de Bragança, mas foi arranjar marido a Cova de Lua. Não vive nem num lado nem noutro. Está na Bretanha, em França, onde lhe pareceu, na altura, há 22 anos, que iria ter trabalho mais certo e ganhar mais. Rumou a França com o companheiro, com o qual estava há seis anos. Ambos procuravam rendimentos que aqui não iriam conseguir arranjar. Grávida da primeira filha, que agora tem 22 anos e que já se “escapou” para cá, Teresa Alves chegou à Bretanha e “o mais difícil foi a língua”. “Foi complicado aprender. Uma pessoa chega lá e não percebe o que eles dizem”, rematou, assinalando, ainda assim, que por ter lá primos, o processo, depois, acabou por ser tranquilo. Depois de aprender a falar francês aprendeu a gostar da cultura. “Gosto da forma como eles vivem e do sítio onde estou. É um lugar calmo, sem confusões”, esclareceu, assumindo que, assim “não custa tanto lá estar”. A trabalhar num hospital, nas limpezas, ganha “muito mais” do que ganharia em Portugal, ainda assim, este ano, não há tanto para gastar porque “a vida está complicada”. Não compreendendo muito bem como é que os portugueses sobrevivem, porque “as coisas custam tanto ou mais aqui do que em França e os salários em Portugal são bem mais pequenos”, Teresa Alves diz que “não se pode gastar tanto nas férias”. “A vida está cara. Já não se gasta como noutros tempos nem se pode. Temos de tentar cortar em tudo. Não se vai tantas vezes ao restaurante. Este ano ainda só fui duas vezes e nos outros anos ia quase todos os dias”, explicou a emigrante. Ainda assim, rumar a Portugal no mês de Agosto “tem mesmo que ser, mesmo que haja pouco dinheiro”. A emigrante costuma estar na terra durante três semanas e “o mais especial é estar com a família”. E, claro, por ser tão especial, um dia a ideia, na reforma, é voltar. “Tenho casa cá e quero vir para aqui. Já estamos a pensar nisso, mas ainda falta muito tempo”, terminou.
Gastos não interessam muito quando se está junto da família
Otílio Pires, marido de Teresa Alves, rumou a França, com 26 anos, para “ganhar mais”. Neste momento é camionista, mas começou nas obras. Ao contrário da mulher, que está mais atenta às contas, o emigrante de Cova de Lua diz que gasta “quase sempre o mesmo”. Reconhece que “a vida está mais cara, tanto cá como lá”, mas “férias são férias”. “Apesar de haver menos dinheiro, o mês de Agosto é para aproveitar. Uma pessoa está junto da família e não liga tanto aos gastos. Queremos estar bem e aproveitar”, rematou. Reconhecendo que, “em Portugal, no mês de Agosto até sobem os preços”, Otílio Pires diz que não se priva de ir comer fora quando lhe apetece. Na mala, depois, para França, vai azeite, fumeiro e as coisinhas dos pais. “O que é da terra vai connosco”, vincou Otílio Pires, que está desejoso de voltar, mas não é no próximo mês de Agosto, é de vez. Por agora, há, pela frente, mais uns 20 anos em França. “Apesar de tudo, de os tempos terem mudado, ainda compensa estar em França. Se eu aqui ganhasse tanto como lá… estava cá”, esclareceu, deixando assente que o se junta é para um dia voltar e estar aqui bem.
Não se pode deixar de comer um ano para vir gastar mais dinheiro só num mês
Aurora Afonso também é de Cova de Lua, onde está a passar férias, e também vive em França. Reside perto de Paris e deixou Trás- -os-Montes ainda em miúda, tinha uns 15 anos. Está por lá há mais de 40. Esta emigrante não é presença assídua na terra, no mês de Agosto, porque já lhe interessou mais cá vir, sobretudo quando a avó, que a criou, ainda era viva. Costumando estar por cá 4 ou 5 semanas, este ano veio apenas 3, decidindo- -se “à última da hora”. A decisão ficou para o fim e veio menos tempo que o habitual porque “a idade já não é a de outros tempos, porque a saúde também não é a de antes e porque há menos dinheiro para gastar”. “Os salários não seguiram o aumento de preços e não se pode deixar de comer para vir de férias. Por isso, há menos dinheiro para gastar aqui em Portugal”, esclareceu a emigrante. Na opinião de Aurora Afonso, em França os portugueses são considerados estrangeiros e em Portugal são considerados “os franceses”. Ainda que se sinta, por isso, um pouco apátrida, “ao tempo” que gostava de cá estar de vez. Mas, os filhos, que vivem em França, são o que, sobretudo, a mantêm ainda longe destas terras. Em França, Aurora Afonso é empregada doméstica e cuida de idosos. Lá ganha “muito mais”, mas, ao contrário dos outros dois conterrâneos, diz que, hoje em dia, dependendo das pessoas, já não compensa, como noutros tempos, estar lá fora. “Dá para viver. Não dá para grandes luxos. Antigamente a vida era mais barata e as pessoas tinham outra mentalidade, tinham cuidado com o que gastavam, com o que comiam. As mentalidades mudam e agora as pessoas gastam mais, no dia-a-dia. Noutros tempos privavam- -se para juntar dinheiro e vir construir uma casa a Portugal, actualmente já não”, terminou.