“Não queremos ser compensados de nada, nós queremos continuar a lutar pelos direitos que nos assistem nesse negócio das barragens”

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Ter, 14/12/2021 - 10:09


Com 51 anos, Helena Barril venceu as eleições à Câmara Municipal de Miranda do Douro. Licenciada em Direito, iniciou a carreira, em 2000, no Serviço de Finanças de Miranda do Douro, onde trabalhou até se ter tornado presidente. Em entrevista ao Jornal Nordeste, falou sobre os projectos para os próximos quatro anos, garantiu a construção do matadouro, a revitalização da zona do Fresno e ainda prometeu lutar pela compensação das terras onde estão instaladas as barragens

Que desafios encontrou quando chegou à câmara?

O desafio maior foi quando me decidi candidatar, que abracei essa causa com grande motivação e, uma vez que estou cá, tenho enfrentado cada dia da mesma maneira que sei enfrentar o meu dia- -a-dia, com trabalho, com dedicação. Não criei expectativas em relação ao que iria encontrar, porque normalmente quando criamos expectativas saem goradas. Estou a exercer a minha função com toda a dedicação e na realidade fiquei surpreendida pela positiva com o funcionamento da estrutura do município, com todo o pessoal.

Mas há alguma coisa para já que queira começar a fazer ou mudar?

Temos agora o mapa de pessoal para aprovar e o orçamento e esse é que é o grande desafio neste momento.

E em termos de orçamento, qual é o ponto da situação?

O anterior executivo deixou uma margem muito positiva e isso temos que o louvar. Se calhar também foi fruto do tempo que vivemos de pandemia, visto que houve uma retracção em toda a dinâmica da câmara, de actividades e do dinamismo que havia com outras entidades. A pandemia obrigou a parar e ficámos com valores positivos nas contas do município. Claro que isso depois nos dá alento, mas também começámos a querer idealizar e concretizar eventos para dar outro impulso e outro dinamismo ao concelho, mas por causa da pandemia alguns deles temo-los cancelado.

Durante a campanha eleitoral focou-se muito na dinamização do comércio e dos empresários. A pandemia acaba por ser um entrave?

Naturalmente. Nós estamos atentos a esta situação e ao evoluir da pandemia, porque não queremos que haja uma disparidade entre aquilo que apregoamos na campanha eleitoral e agora, quando forem necessárias medidas para aplicar nos casos em concreto. Numa tentativa de ajudar e de dar um impulso no imediato, lançámos uma campanha através do município para apelar às pessoas que comprem no comércio local. Foi uma campanha que lançámos no Facebook da câmara e no Instagram e agora vamos colocar um outdoor e vários cartazes no concelho, na tentativa de sensibilizar as pessoas, que vivem no concelho e nos que visitam, que façam essas compras no concelho para darmos algum alento a pessoas que vivem nesta dependência que têm nas suas vidas profissionais, do comércio, da restauração, da própria hotelaria.

E que outra medida a câmara pode tomar já para ajudar o comércio e a restauração?

Neste momento, pretendemos que faça parte do orçamento um fundo de emergência para que com ele consigamos fazer face ao impacto negativo, que eventualmente o evoluir da pandemia traga ao comércio local. Pensamos que se poderá consubstanciar numa ajuda ao pagamento das rendas. Muitos comerciantes têm esse encargo e pontualmente analisaremos os casos, porque cada caso é um caso e temos que ir ao encontro dessas necessidades.

No que diz respeito à perda de população e atracção de jovens para o concelho, que outras medidas pode tomar nesse sentido?

O despovoamento é o problema maior de todo o Interior. Criar medidas que consigam combater o despovoamento não passam só pelos municípios. Quem tem que efectivamente lançar as medidas base é o Governo central, quem estiver no Governo tem que olhar para o Interior. Eu disse-o uma vez e é isto que eu sinto: quem governar tem que interiorizar que o Interior existe e que tem que tomar medidas para minimizar o despovoamento. A câmara tem que se reinventar no que toca a isso. Gostávamos que as pessoas, especialmente os jovens, olhassem para este território como um território com potencial e que pegassem nestas áreas, da cultura, do turismo, e fossem empreendedores e criassem os seus empregos, as suas empresas, porque nós relativamente à cultura, à paisagem, temos um potencial enorme. Não pode ser só a câmara a potenciar isto. Se as pessoas se virassem com todo o interesse, a câmara poderia ser um parceiro primordial.

O turismo pode ser uma grande alavanca?

Claro, o turismo é uma das grandes alavancas da dinamização do Interior. Nós temos paisagens únicas, temos raças autóctones, temos a nossa cultura, elementos culturais que são diferenciadores do resto do país e muito tem sido feito, mas penso que há muito ainda para fazer e para aproveitarmos esse potencial que temos. O facto de estarmos no Parque do Douro Internacional é uma mais-valia para nós e poderemos a partir daí criar um chamariz para turismo. Há muito por onde trabalhar.

Durante a campanha referiu que há uma necessidade de revitalizar a língua mirandesa, de os jovens começarem a aprender a língua… Que papel tem a câmara neste sentido?

À semelhança do que tem vindo a acontecer, a câmara tem apoiado a Associação da Língua Mirandesa e vamos continuar a fazê-lo. O ensino da língua está nas escolas e esperemos que estas alterações, que houve em termos legislativos, seja um projecto coeso e dinâmico, com tudo para andar. A câmara terá que ser sempre aquela entidade de apoio às associações que se posicionem ou iniciativas pessoais que existam para divulgar e dinamizar tudo que estiver à volta da língua mirandesa. A língua é um grande símbolo da cultura do povo de Miranda. Há um manancial de coisas que podem ser feitas à volta da língua.

Que tipo de coisas podem ser feitas?

Eventos à volta da língua. Por exemplo, aqui no município há muitos documentos que temos que vão sendo traduzidos em mirandês e temos que louvar esse feedback que temos tido por parte da associação. Recentemente foi colocado um totem a sinalizar o Km 0 da Nacional 221 e está em três línguas e eu fiz questão que uma fosse a mirandesa. São estas pequenas coisas que despertam a curiosidade das pessoas e vamos dando visibilidade desta forma. Temos consciência que aquele povo falante, aquela gente que era mirandesa em todo o seu ser, aquela gente está envelhecida e agora só com associações destas é que se consegue revitalizar o mirandês, porque aquela herança maior dos nossos velhos vai-se perder infelizmente.

Ainda no que toca aos jovens e à sua fixação, disse que tinha o interesse de trazer novamente o ensino superior para o concelho. Em que ponto da situação está? O que pretende fazer?

Com toda a certeza que algo vai ser feito, mas não no sentido que existiu há anos, com uma estrutura física, com professores aqui, com alunos aqui. Encetámos conversações com o reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e com o reitor da Universidade Fernando Pessoa e estamos a trabalho no sentido de trazer o ensino superior, mas será em moldes completamente diferentes. Aquela ideia de virem estudantes, que se fixem aqui, não será de forma massiva como existiu. Quanto às condições em que vai funcionar, neste momento, estamos em estudo para ver qual é a melhor forma e a câmara tem todo o interesse que as coisas funcionem o melhor possível e vai dar todo o apoio para que essas duas universidades tenham um papel crucial para trazer o ensino superior. Poderá ser em moldes de formações, de doutoramentos, de mestrados, mas as coisas vão concretizar-se.

Mas esse é um objectivo para o próximo ano ou ainda há muito a estruturar?

É um objectivo a concretizar-se. Estamos em negociações. Terá de ser durante o próximo ano. Temos pela frente quatro anos e vamos tentar que tudo aquilo que abraçámos como causas, na campanha, seja concretizado durante os próximos quatro anos.

A agricultura é outro dos sectores que quer apoiar. Falou na modernização das cooperativas. Este é também um objectivo para o próximo ano?

Sim. Já encetámos contactos para a renovação dos edifícios, tanto da Cooperativa Ribadouro, em Sendim, como da Cooperativa de Palaçoulo. Temos que apostar na remodelação dos edifícios, para criar melhores condições e a partir daí encetar todas as parcerias necessárias para dinamizar o sector agrícola, seja na área da produção animal, seja na viticultura.

E o matadouro?

Estamos já numa fase avançada. Estamos em negociações para a compra do terreno. Já temos o projecto do matadouro, que existe há mais anos do que devia, porque houve uma sucessão de promessas que não se concretizaram, e nós estamos aqui para assumir aquilo que temos como objectivo, que é a construção do matadouro. Com toda a certeza avançaremos com a construção do matadouro em 2022. Para além disso, vai-nos também libertar a zona do Fresno. Temos o projecto de requalificar o Fresno e a construção do novo matadouro será uma grande mais-valia em todos os sentidos.

E o que pode mudar a construção desse matadouro e a regeneração do Fresno?

O Fresno tornar-se-á um ponto de atracção em termos turísticos. O projecto que temos é muito interessante e acho que vai criar na cidade esse ponto de atracção que é muito importante. As pessoas cada vez estão mais sensíveis para estas questões da natureza, para a biodiversidade e será uma grande mais-valia. Relativamente ao matadouro, concretizaremos uma necessidade para o concelho. Queremos apostar no matadouro intermunicipal, apesar de o presidente da câmara de Mogadouro continuar com a ideia da construção do matadouro, mas ainda pensamos que iremos angariar o seu apoio, porque nós não vemos a necessidade da construção do matadouro em Miranda e outro em Mogadouro. Espero apelar ao presidente de Mogadouro para que seja sensível a esta questão, visto que o matadouro intermunicipal vai abranger os três concelhos. Da parte de Vimioso há essa concordância, portanto quero fazer fé que o presidente da câmara vai cumprir esse compromisso.

E se não cumprir o que poderá mudar?

Se o presidente de Mogadouro não cumprir, o nosso propósito de avançar com a construção do matadouro vai continuar.

E em que consiste o projecto do Fresno?

O projecto tem a renovação das margens do Fresno. A partir do momento que o edifício do matadouro for retirado, toda a água vai ter um impacto muito positivo e essas margens do Fresno vão ser recuperadas, vai haver plantação de árvores, vamos aproveitar para recuperar o parque, que foi totalmente abandonado nestes últimos 12 anos. Vamos acarinhar o que está feito e vamos dinamizar ainda com maior cuidado, porque quanto melhor estiver toda esta estrutura envolvente, mais temos a ganhar.

No que toca à venda das barragens e toda a polémica que está envolvida. Fala-se de um imposto de selo que não foi cobrado, entretanto foi criado um roteiro, de 93 milhões de euros, para estes territórios. É suficiente?

Suficiente não será. Não queremos ser compensados de nada, nós queremos continuar a lutar pelos direitos que nos assistem nesse negócio das barragens. Achamos que a temática que se desenvolveu à volta desse negócio, o emergir que houve da sociedade civil, com o Movimento da Terra de Miranda, este negócio teve esse lado positivo. Despertou na sociedade civil esta consciência de que unidos conseguimos chamar atenção para determinada causa e nesta causa em concreto foi muito importante o surgimento do movimento, porque nos chamou à atenção para este negócio e a forma como foi feito. Se calhar, de outra forma, não teríamos despertado. Vamos, juntos com o movimento, lutar até ao fim para que aquilo que nós achamos que é nosso por direito seja concretizado e disso não vamos abdicar.

Nomeadamente o pagamento do imposto de selo?

Sabemos que a forma como este negócio foi feito está em análise. A câmara de Miranda vai constituir-se assistente neste processo, até temos, esta semana, uma reunião com a Procuradoria-Geral da República, no âmbito deste processo, e estamos empenhados para que os 110 milhões sejam canalizados para as terras de Miranda.

Pode realmente mudar a região, este dinheiro?

Uma pessoa nem imagina o impacto que teria na Terra de Miranda um valor como esse. Acho que dava para revolucionar os concelhos de Miranda do Douro e Mogadouro. Esta é uma causa que abraçámos desde o primeiro dia e que queremos continuar com todo empenho até que consigamos ver a luz do dia.

O que se segue para os próximos quatro anos? O que se pode esperar deste executivo?

Aquilo que se pode esperar deste executivo é trabalho e dedicação, que foi a nossa promessa e foi naquilo que uma grande maioria do povo mirandês se reviu. Deixar uma marca pelo concelho de Miranda e pelas pessoas.

Jornalista: 
Ângela Pais