Misericórdia de Bragança acaba com Creche Familiar por obrigatoriedade de celebrar contratos com amas

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Ter, 09/04/2024 - 12:27


A Santa Casa da Misericórdia de Bragança extingue, em Julho, o serviço de amas porque “dá prejuízo”. A instituição quer também reduzir gastos para equilibrar as suas contas. Com esta medida contam poupar anualmente uma média de 20 mil euros

Bragança, concelho envelhecido, onde tanto se reza para que a natalidade aumente, vai perder, dentro de quatro meses, um dos serviços que mais falta faz a quem tem filhos pequenos e tem de trabalhar: a creche familiar da Santa Casa da Misericórdia de Bragança (SCMB). Os pais estão revoltados. Não compreendem como é que numa cidade onde há tantas listas de espera em creches se pensa em terminar com este serviço. As amas não estão melhor. Algumas delas estão perto da idade de reforma e não sabem quem lhes vai dar, agora, emprego. As outras também já não são propriamente jovens e têm o mesmo problema: para onde ir?

Pais revoltados procuram respostas, SCMB remete para mais tarde

O serviço de amas é uma das diferentes ofertas educativas na área da infância e é um conceito pedagógico que presta atendimento a crianças, com idades entre os quatro meses e os três anos, no domicílio das próprias amas afectas ao serviço. Os pais dizem que, depois de um ofício que lhes foi encaminhado, dando conta da extinção, procuraram respostas, mas nada mais lhes foi esclarecido por parte da SCMB. “Mariana”, mãe de um bebé que beneficia deste serviço, foi informada da extinção da resposta através da ama, ou seja, antes mesmo de receber o ofício. “Disse-me que a santa casa tinha reunido com elas e que lhes tinham dito que iam acabar com o serviço porque dá muita despesa, que era uma sobrecarga. Entretanto, recebemos uma carta, na qual não é explicado praticamente nada, a não ser que vão extinguir a resposta e que têm uma alternativa para nós, numa das creches, dizendo que é um serviço melhor”, esclareceu a mãe. E não, “Mariana” já não tem esperança de que o cenário se possa reverter. “Pela forma como a estão a tratar as coisas, penso que é mesmo para encerrar. Estou preocupada. Ficamos desamparadas, sem um serviço que queremos. Temos alternativa, mas não é o que desejamos”, assinalou, dizendo desconhecer os reais motivos da misericórdia. Ainda assim deixou assente que não acredita que o serviço dê “prejuízo”.

O adeus à “extensão da própria casa”

A ideia de “Mariana” e dos outros pais é que isto não se “concretize”. “Uma instituição como a santa casa, com a importância que tem a nível social, vai encerrar um serviço que é essencial na cidade? Não faz sentido. Precisávamos até que houvesse mais”, explicou. “Mariana” sente-se “apreensiva”. “Estava a contar que a criança ficasse na ama até aos três anos. Aquilo é a extensão da nossa casa. O ambiente é muito semelhante ao do próprio lar. Não estão só com a ama, estão com a própria família da ama. E é por isso que a minha criança lá está e acredito que seja pelos mesmos motivos que outros pais também optaram por essa resposta”, salientou.

Soube “pelas redes sociais” mas não acreditou

Ao contrário de “Mariana”, a mãe “Teresa” nem sequer recebeu o ofício dando conta da extinção. Soube “pelas redes sociais”, mas não acreditou. Pensou que era uma “informação que vazou sem sentido nenhum” e, depois, soube, de facto, pela ama do bebé. Apesar de não ter sido oficialmente informada, tentou contactar a SCMB, mas não obteve, até agora, “qualquer resposta”. Tal como “Mariana”, também aplaude a creche familiar pois sabe que o bebé “fica muito bem entregue” e, por isso, sente-se revoltada com o fim da resposta. “Vai ser um choque muito grande deixar a ama. Tem um carinho muito grande por ela e sei que é recíproco”, explicou, acrescentando que “estão a cometer um erro” pois “a creche familiar é um suporte que muitos pais procuram e, infelizmente, em Bragança, não há grandes respostas”.

Pais alarmados com o futuro das amas

Para “Teresa”, o problema não é só o destino dos bebés que se altera… é também o das amas. “São seis amas e duas já estão, praticamente, em idade de reforma, pelo que já não estão em idade de procurar emprego. As outras têm entre os 40 e os 50 anos. Apesar de estarem aptas para trabalhar, há muitas empresas e instituições que não vão querer dar-lhe emprego porque se procura sempre gente mais jovem”, explicou “Teresa”, que não vê “sentido” para que se acabe com a resposta, pois diz saber que “há apoios” para que as crianças sejam acolhidas e, desta feita, “o que é que a instituição quer dizer com dificuldades na manutenção?”. No ofício, a SCMB diz que as crianças serão integradas numa creche da instituição. Algo que esta mãe não quer. “A minha intenção era que quando o bebé saísse da creche familiar fosse para outro infantário, também da santa casa, perto do meu local de trabalho, que não é o Cinderela, a alternativa que apontam”, lamentou.

Amas dizem que o fim se deve à obrigatoriedade de a SCMB lhes fazer um contrato de trabalho

Tanto os pais como as amas afectas ao serviço acreditam que não é o factor “prejuízo” que está na origem da decisão. Consideram que se prende com o facto de a SCMB ter que, a breve trecho, celebrar um contrato de trabalho com cada uma das amas, que estão a trabalhar a recibos a verdes. São prestadoras de serviços que ganham pouco mais de 750 euros. Depois dos descontos, o ordenado líquido não anda muito além dos 600 euros. Muito recentemente, em Fevereiro, depois de mais de um ano de negociações, as amas, a nível nacional, ficaram a saber que vão ter finalmente acesso a contratos de trabalho, substituindo os recibos verdes. Refira-se até mesmo que, segundo uma portaria, publicada em Diário da República, em Outubro, o Governo, através da pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, esclareceu que se iria “estabelecer uma medida excepcional de apoio à contratação de amas em creche familiar” para “dar resposta à situação de precariedade vivida ao longo dos anos pelos trabalhadores destas respostas sociais”. Para do apoio beneficiar, as instituições tinham apenas que apresentar uma candidatura. O prazo já deveria ter terminado mas foi prorrogado. Termina no fim deste mês. A SCMB não se candidatou pelo que o fim da resposta está mesmo ditado.

Decisão “não cabe na cabeça de ninguém”

“Fernanda”, uma das seis amas da santa casa, tomou conhecimento da decisão “a sangue-frio” e a justificação foi de que “as amas dão prejuízo”. Não acredita. “Por cada bebé a SCMB recebe, da Segurança Social, cerca de 470 euros. Só com o pagamento de dois bebés já dá para pagar mais do que o ordenado”, rematou, dizendo que sabe que há “contenções” e que “a instituição tem problemas”, mas “não cabe na cabeça de ninguém o porquê de quererem fazer isto”. Já em 2022 foram feitas adendas para haver um aumento do pagamento às amas, mas nem naquela altura, segundo “Fernanda”, nada foi feito. “Mesmo que não acabassem com o serviço, não podemos continuar assim. Trabalhamos 11 horas por dia, de segunda a sexta-feira. Pagamos a água, a luz e o gás e há, claro, o desgaste das nossas casas. O único investimento da SCMB foi colocar berços e cadeiras para os bebés. Tudo o resto é do nosso bolso e o que nos fica, depois dos descontos que fazemos, são pouco mais de 600 euros”, esclareceu a ama.

Garantias para o futuro… quais?

Depois de ter vivido vários anos numa “situação triste”, a nível de pagamento, o futuro também se prevê pouco alegre. Na reunião, o que foi comunicado às amas foi que as iriam tentar integrar “noutras creches ou serviços”, mas “não ficou nada garantido, bem pelo contrário”.

“Boa sorte”

“Susana” é outra das amas. Também conta que a justificação que lhe deram foi de que “as amas dão prejuízo”. Espante-se… também não acredita. “Não pode dar prejuízos porque a SCMB recebe os apoios da Segurança Social e só isso deverá dar para manter a resposta e deixar dinheiro de sobra”, esclareceu. Rematou ainda que considera que há “má vontade”. “Não estão a dar valor ao nosso serviço. Só é ama quem ama de verdade. E as nossas crianças saem de ao pé de nós muito preparadas. Por isso, não compreendo isto”, vincou ainda. Esta ama considera que mesmo que lhe fizessem um contrato de trabalho “não iriam pagar um ordenado por aí além”, a ponto de dar prejuízo. Refira-se ainda que, conforme apurámos, no que diz respeito a pagamentos, segundo um acordo um acordo de Dezembro de 2022, as amas, a partir de Janeiro de 2023, teriam de estar a receber 1177 euros. O que as de Bragança dizem que não lhes aconteceu. Isso mesmo denunciaram num e-mail que encaminharam ao director do Centro Distrital de Bragança da Segurança Social, dizendo que o salário mínimo foi fixado nos 820 euros e as amas estavam a receber 762 euros. Questionado sobre esta matéria, o provedor da SCMB disse que estão a praticar os valores em vigor, que são determinados pela Segurança Social. “Susana” também não sabe o que lhe vai acontecer. Não lhe deram “garantias nenhumas”. Esclareceu que lhes foi dito que as iriam “colocar no desemprego”, como se fosse “um favor enorme”. “Também disseram que não sabiam se iam colocar-nos noutra valência porque têm gente a mais e em primeiro lugar estaria o pessoal contratado”, explicou, afirmando que na carta de rescisão de prestação de serviços lhe desejaram “boa sorte” para o futuro, portanto… o vínculo com a SCMB deverá mesmo terminar. E terminando, “agora, muito dificilmente se consegue outro trabalho. Com a idade que as pessoas têm, vai-se procurar trabalho onde?”, terminou.

Santa Casa alega dificuldades para manter serviço e não pode contratar mais gente

Duarte Fernandes, que foi eleito provedor da SCMB em Dezembro do ano passado, encaminhou um ofício aos pais, dando conta da extinção da resposta, em que foi esclarecido que a decisão se prendia com as “dificuldades” que a “manutenção” deste serviço acarreta para a instituição. Desta feita, foi deliberado, em sede de reunião de Mesa Administrativa, pôr-lhe fim, “a partir do dia 31 de Julho de 2024”. Isso mesmo confirmou o provedor ao Jornal Nordeste. “Ponderadas as coisas, com muita pena nossa, com mágoa, tivemos de tomar essa decisão porque, apesar das emoções, era o mais racional”, esclareceu, dizendo que “de 2020 a 2023, a média ponderada de prejuízo anual é de 20 mil euros”. Em 2023 o prejuízo foi de quase 22 mil euros, em 2022 foi de perto de 26 mil, em 2021 foi de 19 500 euros e em 2020 foi de 13 mil euros, segundo confirmou. Questionado sobre o facto de, por criança, serem comparticipados com cerca de 470 euros, pela Segurança Social, portanto, com o que recebem por duas crianças já conseguem pagar o salário a uma ama (que recebe pouco mais de 750 euros), Duarte Fernandes disse que não se trata só de pagar a prestação de serviços. Há outros encargos e tudo somado dá despesa. “Temos que imputar aqui o ordenado de uma técnica superior e de um motorista, a alimentação, a deslocação, já que é preciso ir levar o almoço das crianças a casa das amas”, elucidou. Num cenário de dívida, essa poupança de 20 mil euros fará diferença? Sim. “Um cêntimo faz-nos falta”, assumiu Duarte Fernandes, que afirmou que não sabe se conseguirá equilibrar as contas porque o futuro é incerto, mas o ideal, está claro, era “zerar”.

SCMB não pode contratar

Além do “prejuízo”, a situação dos contratos de trabalho está confirmada. Teriam de ser concretizados. Só que, neste momento, com a dívida, que quer começar a reduzir, a SCMB não quer despedir colaboradores, mas também não pode contratar gente. E era o que iria acontecer. As amas tinham de passar dos recibos verdes para os contratos de trabalho, devido à Adenda ao Compromisso de Cooperação para o Biénio 2021-2022, que introduziu a pretensão, do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, de converter os contratos de prestação de serviços existentes entre as instituições e as amas em contratos de trabalho sem termo. Portanto, a SCMB foi “obrigada” a tomar esta decisão. Não há como ter mais gente com um “vínculo” sem termo. Quanto aos apoios à contratação, cujo prazo para a candidatura termina no fim deste mês, Duarte Fernandes lembrou que só vigoram por dois anos. Não é solução. Depois desses dois anos, voltar- -se-ia então ao cenário “prejuízo”. Ainda assim, segundo apurámos, após esse período, poder-se-ão fazer renegociações, o que significa que os apoios podem continuar a ser dados.

Empregados com vínculo ficam na SCMB

O motorista e a técnica superior continuarão a trabalhar na Santa Casa da Misericórdia de Bragança. São funcionários da casa e, por isso, dentro das suas capacidades profissionais, irão “cumprir outras funções”. “A nossa política, agora, não é contratar, mas também não é despedir. Por isso, tal como já fizemos noutras situações, vamos fazer mobilidade dentro da SCMB”, disse o provedor. Quanto às amas… é diferente. “Todos os direitos que tiverem da relação que têm connosco serão garantidos”, explicou, dizendo que, para já, não serão integradas noutras valências. “Poderá colocar-se a hipótese de, se um dia, houver necessidade de recrutamento, caso preencham os requisitos, face ao que precisemos, teremos em atenção”, assinalou o provedor. Já os bebés seguirão, se os pais o entenderem, na santa casa, numa das creches da instituição. Duarte Fernandes confirmou ainda que já recebeu pedidos de esclarecimento, por parte dos pais, mas disse que, por questões de agenda, ainda não foi possível falar pessoalmente com os encarregados de educação, fazê-lo é a “intenção”.

Segurança Social quis manter resposta

Após tomarem conhecimento desta intenção, os pais pediram ajuda ao director do Centro Distrital de Segurança Social de Bragança, Orlando Vaqueiro. Por e-mail, no dia 22 de Março, Orlando Vaqueiro disse aos pais que a resposta ainda não estava extinta e que isso mesmo só poderia acontecer com a concordância do Centro Distrital, “algo que ainda não aconteceu”. Assumiu ainda que a posição da Segurança Social, desde a tutela até ao Centro Distrital, é clara: “a resposta social creche familiar, desenvolvida pela SCMB, não deve ser extinta; bem pelo contrário, deve a referida instituição aumentar o número de amas na resposta”. Orlando Vaqueiro deu ainda conta de que estava marcada uma reunião com a tutela, União das Misericórdias e União das IPSS, em Lisboa, para o dia 25 de Março, para tratar o tema, onde, “obviamente”, seria abordado este assunto “em particular” e que o Centro Distrital iria também reunir, dia 27, com o provedor da SCMB e demais elementos da direcção, “no sentido de sensibilizar a instituição para este assunto, de forma a manter a resposta”. “O meu empenho pessoal será total. Contudo, se não for possível demover a intenção da SCMB, quero deixar uma mensagem de serenidade e tranquilidade para as amas, crianças e respectivos progenitores, ou encarregados de educação: outra instituição irá acarinhar e acolher este assunto”, lê-se ainda no e-mail. Apesar das intenções de Orlando Vaqueiro, a reunião do dia 27 não chegou a acontecer uma vez que o director do Centro Distrital teve um AVC no dia anterior. A reunião do dia 25 chegou a realizar-se, segundo apurámos. Contudo, não conseguimos saber o que dela resultou nem se sabe também como está agora o processo e se é para dar continuidade às intenções que Orlando Vaqueiro chegou a manifestar.

Jornalista: 
Carina Alves