Ter, 31/01/2023 - 11:41
Mas as vozes de protesto foram mais longe. A falta de apoios, o atraso no pagamento de subsídios e estes serem insuficientes, a perda de competitividade face a Espanha, os 1300 milhões de euros por executar do Programa de Desenvolvimento Regional 2014-2022 e muitas outras reclamações foram trazidas a público, tanto em mensagens escritas em cartazes como proferidas em alto e bom som.
“Uma fantochada”
José Luís Ramos, agricultor de Vale de Gouvinhas, no concelho de Mirandela, juntou-se aos restantes manifestantes porque “quem cala consente”. “Havíamos de pôr uma bandeira espanhola do Marão para cá porque já fomos vendidos há muito tempo”, alegou, dizendo que a actuação do Ministério da Agricultura tem sido “uma fantochada”. Questionado sobre atrasos no que toca a subsídios ou se o que lhe pagam chega, assim como apoios, já que o preço dos combustíveis subiu e está mais caro produzir... preferiu não responder directamente. Disse apenas que “se não fossem as ganchas a fazer alguma coisa já tínhamos morrido todos à fome”.
“Não sabem o que andam a fazer”
De São Pedro Velho, também no concelho de Mirandela, veio Mário Augusto. “O Governo faz o favor de tirar tudo aos desgraçados dos agricultores transmontanos”, começou por dizer, assumindo que “muitos” dos membros que compõe o ministério “não sabem sequer plantar uma alface” e, por isso, “em parte, não sabem o que andam a fazer”. Apesar de o próprio Primeiro-Ministro, António Costa, já ter garantido que a direcção regional não saíria de Mirandela, onde está sediada, nem tão pouco os serviços e os funcionários iriam ser deslocalizados, o agricultor está alarmado com a notícia de que o director da estrutura passe a integrar uma comissão de coordenação. Acredita que pode ser o começo do fim para estas entidades próximas dos agricultores. “Se a direcção desaparece, se precisarmos de alguma coisa, vamos fazê-lo onde?”, questionou. Assumindo-se verdadeiramente revoltado e sem grandes melhorias futuras para o sector, disse que “a única hipótese que há é arrumar para o lado” e que, já que a situação assim está, “cada um devia era produzir para si próprio”.
Ministério desmembrado
José Azevedo, agricultor há mais de 40 anos, veio da Maia até Mirandela para dizer que também se sente lesado. Afirmando que “o Governo está a desprezar os agricultores” e que, ao mesmo tempo, “o Ministério da Agricultura está a ser desmembrado”, perdendo as suas “funções”, o agricultor assumiu que “os apoios são poucos e chegam tarde”. “O minsitério tem uma série de milhões para distribuir e os agricultores estão a passar mal”. O horticultor, floricultor e criador de gado diz que “a vida vai piorando cada vez mais” e que agora, com desagrado, vê o ministério “enfraquecido”, o que leva a toda esta série de “problemas”, que resultam no “empobrecimento” dos agricultores.
CAP suporta as dores dos agricultores
A manifestação em Mirandela, em que os protestantes se reuniram junto ao recinto onde decorre a feira semanal para rumarem depois até à sede da DRAP Norte, acompanhados por mais de centena e meia de tractores, foi convocada pela Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP). Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da estrutura, no que as direcções regionais diz respeito, deixou no ar a questão que a todos perturba: “se elas já são a descentralização das medidas centrais, porquê agora concentrá-las nas CCDR’s, que, no fundo, são aglutinadoras de medidas administrativas?”. Considerou assim que, “a agricultura é uma actividade económica, que tem particularidades especificas, portanto, tem que ter uma estrutura especializada”. A verdade é que ela existe. Assim, não se compreende o porquê de a “desmanchar”. Tal como os agricultores, não se ficou por aqui no que respeita a reclamações. Falou ainda do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum. Lembrou então que se criou um programa específico, o PEPAC, “com medidas que ainda não têm regulamentos” e que, “provavelmente, a conjugação errada desses mecanismos vai fazer descer os rendimentos dos agricultores face ao passado”. O facto de, neste momento, não existir sequer secretário de Estado da Agricultura, após a brigantina Carla Alves se ter demitido do cargo, há três semanas, também é um problema que, agora, assombra os agricultores. O que Eduardo Oliveira e Sousa não sabia era que no dia a seguir à manifestação o Governo iria actualizar a sua orgânica sem secretaria de Estado da Agricultura.
Extinção da secretaria e das DRAP: “é tudo falso”
O Governo publicou, na sexta-feira, em Diário da República, um decreto de lei sobre alterações à orgânica do executivo onde desaparece a referência à secretaria de Estado da Agricultura. Ainda assim, em conferência de imprensa, assumiu-se que se trata apenas de uma formalidade e que o decreto “não extingue” a secretaria de Estado. Segundo André Moz Caldas, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a orgânica do Governo é apenas uma “fotografia” do momento e pode ser alterada a todo o instante. Ou seja, um novo titular para a pasta será escolhido. A deputada socialista, eleita por Bragança, Berta Nunes, já esclareceu, sobre esta matéria que, “não se confirma, tal como o comunicado do Governo diz, que haja extinção da secretaria de Estado”. Afirmou ainda que “há pessoas que estão a aproveitar pequenos factos para criar confusão” e que isso mesmo se reflecte noutros temas, como é o caso de em Mirandela se ter falado da extinção da DRAP e que de os agricultores deixariam de ter acesso aos serviços. “É tudo falso”, rematou.