Ter, 14/11/2023 - 11:02
O médico radiologista de Bragança, que estava acusado de violar duas pacientes, foi condenado a dois anos e oito meses de pena suspensa e obrigado a pagar 5 mil euros a cada queixosa. O julgamento começou no início de Outubro e a leitura da sentença aconteceu na passada na passada quarta-feira, no Tribunal de Bragança. Os factos remontam a 2020 e 2021, quando Telmo Moreno introduziu os dedos no interior das vaginas de duas pacientes, sem qualquer prescrição médica, proferindo palavras como “liberte-se”. Em Fevereiro, o Ministério Público acusou o médico de dois crimes de violação.
Condenação “merecedora”
Uma das vítimas, Roseane Nascimento da Victoria, admitiu que a condenação foi “merecedora”, tendo em conta tudo o que passou. Roseane Victoria entrou no consultório a 10 de Novembro de 2020 com o objectivo de fazer uma mamografia. Mas depois de fazer o exame, Telmo Moreno disse que precisava de fazer um “exame medidor hormonal de intensidade”, colocando várias vezes os dedos no interior da vagina, o chamado “toque”, proferindo expressões como “pode libertar-se”. Três anos depois do que aconteceu, a queixosa disse ter sido feita “justiça”. “Foi roubada a minha paz, a minha credibilidade. Por causa disso as pessoas não acreditavam que o doutor poderia abusar sexualmente, tive pessoas que me apedrejaram a ir para o trabalho, tive problemas familiares em termos de saúde mentais, do meu marido, da minha filha e minha principalmente”, contou. A queixosa disse ainda que esta vitória não é apenas sua, mas de “todas as mulheres”. “Sinto completo alívio”, afirmou.
“As vítimas nunca se sentem vitoriosas”
O outro caso aconteceu a 8 de Fevereiro de 2021, com Ana Costa. A vítima foi à clínica do médico para fazer vários exames, nomeadamente uma ecografia mamária. Ao Jornal Nordeste, contou que foram feitos comentários estranhos e que depois sugeriu fazer o “exame hormonal medidor de intensidade”. A situação acabou por ser idêntica à de Roseane Victoria, com os dedos introduzidos na vagina e com expressões “pode libertar-se”. Apesar de não ter estado presente na leitura da sentença, Ana Costa mostrou-se feliz com a decisão e bastante emocionada. “Estou muito contente, porque é a prova de que vale a pena lutar pelos nossos direitos e que ninguém está acima da lei. Que isto sirva de exemplo a todas as mulheres e homens que passam uma situação idêntica”, disse, acrescentando que “apesar de ter sido condenado, as vítimas nunca se sentem vitoriosas pelo que lhes aconteceu”.
MP pede pena acessória
Uma vez que a condenação foi de dois anos e oito meses, não superior a três anos, Telmo Moreno não ficou impedido de exercer funções. No entanto, o Ministério Público pediu que fosse alterada a medida de coacção, ou seja, passar de termo de identidade e residência, para impedimento de exercer com pessoas do sexo feminino, com execução imediata e durante o período de condenação, os dois anos e oito meses. O advogado de Roseane Victoria, Luís Afonso, disse concordar, tendo em conta “o alarme social que foi criado à volta do processo, a figura do arguido na cidade e no distrito e o pânico que pode lançar esta decisão, em consideração de ser o único médico que faz estes exames na cidade”. Já advogada de Ana Costa, Mariana Roque, considera que a limitação de exercer não deveria ser apenas mulheres, mas com toda a comunidade. “Essa proibição deve- -se alargar a todos os utentes. Deve estar impedido da prática da profissão. Vivendo num meio pequeno, não está assegurada a integridade de um utente que lá vá. Há uma possibilidade de uma reincidência”, frisou. Ainda assim, os advogados salientaram que estão satisfeitos com a condenação e que foi feita justiça.
Médico vai recorrer
O advogado de Telmo Moreno admitiu que foi uma “surpresa” o tribunal ter dado como provados “muito dos factos da acusação”. Por isso, Carlos Moura Alves adiantou que vai recorrer da decisão. “Continuamos a acreditar na inocência do doutor Telmo Moreno em relação a estes factos que lhe eram imputados, estou convicto que será apresentado recurso”, afirmou. Quanto ao pedido do Ministério Público, o advogado disse que “não se justifica e não tem fundamento legal”. Os avogados têm 5 dias para se pronunciarem, desde a leitura do acórdão. O julgamento começou em Outubro. O médico admitiu que fazia o “toque” a várias pacientes. Durante as sessões foram ainda ouvidas testemunhas, entre elas, uma médica radiologista de Lisboa, testemunha do Ministério Público, que referiu que não havia a necessidade, nestes casos concretos, de Telmo Moreno ter introduzido os dedos na vagina. Telmo Moreno tem actualmente 76 anos. Trabalhou no hospital de Bragança entre 1980 e 2009, estando já reformado. No entanto, continuava a exercer no Hospital Privado de Bragança, depois de a sua clínica privada ter sido adquirida por este. Muitos exames complementares são ali realizados, encaminhados pelo Serviço Nacional de Saúde. Em Bragança, é o único local onde podem ser feitos.