Ter, 22/03/2005 - 15:08
Jornal Nordeste (JN) – Como era a aldeia de Varge nos tempos da sua meninice?
António Tiza (AT) – Tenho recordações muito bonitas da aldeia, mas a partir dos 10-11 anos tive de me deslocar para o Seminário, onde as condições de vida não eram muito atraentes para uma criança ou um jovem. Foi uma mudança muito radical para uma criança como eu, que praticamente não tinha saído da aldeia, a não ser quando vinha a Bragança de vez em quando.
Numa vida da aldeia com total liberdade, de andar pelos campos, jogar à bola ou à pedrada e nadar no rio, passar para uma instituição austera em que tudo era rígido e controlado, é uma mudança muito drástica. Só passando por isso é que se consegue entender.
Entrei no seminário por vontade própria, influenciado pelo pároco de Varge, que na altura era o padre Francisco Vale. Via o exemplo daquele homem e fiquei motivado para fazer aquilo que ele fazia.
JN – De que modo o facto de nascer nesta terra o marcou?
AT – Sem desprestígio para os habitantes de outras regiões do País, penso que o transmontano é uma pessoa íntegra no seu modo de pensar e, sobretudo, de agir. Age em concordância com aquilo que pensa e com sinceridade. Foi isso que herdei e que me faz ser aquilo que sou, tal como acontece com os nossos conterrâneos, embora haja sempre alguns que se desviam desta linha, muito ou pouco, como em tudo na vida.
JN – Tem desenvolvido uma actividade profissional multifacetada. Como foi a sua passagem pela Região de Turismo?
AT – Diz bem, foi uma passagem, um mandato de quatro anos. Em termos de valorização pessoal e de contactos estabelecidos com pessoas e instituições ao mais alto nível foi bastante enriquecedor. Ao nível do trabalho desenvolvido, devo dizer que não me senti totalmente realizado, porque queremos sempre mais. Há coisas que quis fazer e não consegui por limitações de vária ordem, mas também houve muitos projectos que consegui concretizar e com sucesso.
Sem falsa modéstia posso dizer que o saldo é positivo.
JN – O facto de ter nascido em Varge levou-o a interessar-se pela Etnografia?
AT – Talvez. Nasci numa região culturalmente rica, que é a Lombada. Mas não só. Fora da Lombada há muitas terras onde as tradições estão vivas. No Planalto Mirandês, Em Vinhais, Macedo de Cavaleiros e Mirandela há aldeias que conservam características culturais muito autênticas. Foi isso que me levou a aprofundar o meu conhecimento sobre essas tradições, fazendo o registo dos usos e costumes que podem perder-se. É preciso fazê-lo, seja em papel, suporte digital ou audiovisual.
JN – O que distingue os rituais de Inverno realizados nas diversas localidades do distrito?
AT – Não é fácil explicar isso em poucas palavras. Há um trabalho muito grande que os etnólogos, os antropólogos e os sociólogos têm de fazer, no sentido de saber quais as funções que estes rituais têm nas comunidades rurais. Eu lancei várias hipóteses no livro Inverno Mágico, mas são apenas hipóteses de estudo e de trabalho, mais ou menos fundadas, que podem e devem ser aprofundadas.
JN – Que balanço faz da Bienal da Máscara que decorreu em Bragança?
AT – É uma iniciativa digna de mérito, porque vem chamar a atenção para um elemento que é muito nosso e que deve ser valorizado até do ponto de vista económico. O elemento máscara é fundamental para a caracterização da cultura da nossa região. Portanto é importante que a Bienal continue e alargue os seus horizontes.
JN – Como professor que é, pergunto-lhe se concorda com a passagem do IPB a Universidade?
AT – Concordo que haja Universidade, mas penso que o IPB tem o seu lugar, porque já está cá. A formação de técnicos superiores é fundamental para o desenvolvimento da região, mas isso não invalida que, ao mesmo tempo, Bragança tenha a sua Universidade com cursos adequados ao Nordeste Transmontano e à realidade do País. Seriam duas realidades a coexistirem e a contribuírem para o desenvolvimento da região. Se não for isso, já pouco temos em termos de serviços. É fundamental que Bragança tenha uma Universidade para se afirmar como cidade voltada para a Ciência e para a Cultura.
JN – Bragança está no bom caminho em direcção ao futuro ou ainda há muito para fazer?
AT – Está no caminho, mas há muito que fazer no domínio do ensino superior, da valorização dos produtos tradicionais, como é o caso da castanha e do azeite. Há que agarrar em tudo isto e não podemos estar à espera que seja o Governo a fazer tudo.
Era para pôr a funcionar estas pequenas coisas que devia existir um governo regional. Trás-os-Montes deveria avançar para uma região, com os responsáveis regionais e os cidadãos a trabalhar nesse trabalho de valorização.
JN – Deduzo, por isso, que não concorda com as Comunidades Urbanas?
AT – As Comunidades Urbanas fizeram precisamente o contrário daquilo que se pretendia com a Regionalização. As Com Urb´s conseguiram desunir Trás-os-Montes e Alto Douro, conseguiram pôr os autarcas do Norte contra os autarcas do Sul. Se já somos tão poucos, para quê dividir, tornando a região mais fraca? Devemos é juntarmo-nos para ganhar mais força, que aquilo que nos falta.
Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda