Laboratório de Mirandela falsificava análises de água destinada ao consumo humano

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Ter, 28/11/2023 - 11:25


Operação Gota d’água: laboratório falsificaria procedimentos de amostragem e análises relativas ao controlo de águas de consumo humano, contratadas pelas entidades gestoras, nomeadamente câmaras municipais, entidades intermunicipais ou outras

Um laboratório situado no Cachão, no concelho de Mirandela, não efectuava a recolha de amostras de água, adulterava a recolha ou fazia a recolha e falsificava os resultados para, com isso, obter ganhos económicos, favorecendo clientes de entidades públicas ou privadas. 20 pessoas foram, por isso, detidas, na semana passada, pela Polícia Judiciária (PJ) - mas o processo ficou depois com 19 arguidos detidos, e várias outras foram constituídas arguidas, no âmbito de um inquérito, titulado pelo Ministério Público, sendo que as 60 buscas domiciliárias e não domiciliárias, visaram diversos particulares, empresas e entidades públicas de diversos distritos de Bragança, Vila Real, Aveiro, Braga, Coimbra, Guarda, Lisboa, Porto e Viseu. Em causa está a prática de crimes de abuso de poder, falsidade informática, falsificação de documento agravado, associação criminosa, prevaricação, propagação de doença e falsificação de receituário. Segundo a PJ, a investigação tem por objecto a actividade fraudulenta do laboratório, que será responsável pela colheita e análise de águas destinadas a consumo humano, águas residuais, águas balneares, piscinas, captações, ribeiras, furos, poços e outras. Alegadamente, o laboratório procedia à falsificação de todos os procedimentos de amostragem e análises relativas ao controlo de águas de consumo humano, contratadas pelas entidades gestoras, nomeadamente câmaras municipais, entidades intermunicipais ou outras, em que foi concessionado aquele serviço público. Tudo isto aconteceria em concordância com alguns dos funcionários, dirigentes e eleitos locais destas entidades. No distrito de Bragança, houve buscas, por parte das autoridades, em Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Vila Flor, Alfândega da Fé, Mogadouro e Miranda do Douro. No caso de Alfândega da Fé, o presidente, Eduardo Tavares, disse que na origem das buscas esteve uma “queixa anónima”. “Houve buscas em casa de um funcionário e no seu local de trabalho. Estamos completamente tranquilos. Acreditamos nos nossos serviços e funcionários. Creio que isto se trata de uma queixa infundada, mas temos que respeitar o trabalho da polícia e acreditar na presunção de inocência das pessoas”, rematou o autarca. Já no que toca a Vila Flor, em comunicado, o município fez saber que tem “consciência” das restrições e limitações processuais decorrentes da fase de inquérito em que se encontram os autos e, por isso, não tem informações acerca do objecto do processo. “O município de Vila Flor encara com naturalidade este tipo de procedimentos por parte das entidades judiciais, estando a colaborar com os inspectores da PJ em todas as suas solicitações para o esclarecimento dos factos, sejam eles quais forem, e para o apuramento integral da verdade material”, lê-se ainda. No que toca a Macedo de Cavaleiros, “como é seu apanágio”, a autarquia e o seu executivo municipal “manifestaram total disponibilidade para colaborar com as autoridades, em todas as matérias que sejam entendidas como necessárias para apuramento dos factos”. Também em comunicado lê-se ainda que, “face às restrições processuais decorrentes da fase de inquérito que se encontra em curso, o executivo municipal não tem esclarecimentos adicionais a prestar”. No entanto, a autarquia desmente que haja algum funcionário da autarquia detido, confirmando apenas que houve uma pessoa inquirida, mas que terá regressado a casa com normalidade. Ao que se conseguiu apurar, para além de altos quadros dirigentes e funcionários do laboratório, um vereador do executivo municipal de Vila Flor e quatro funcionários municipais que trabalham no sector das águas nas autarquias de Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Vila Flor e Alfândega da Fé, estarão entre as 20 pessoas detidas. No caso do vereador da Câmara de Vila Flor, segundo o Jornal de Notícias, será suspeito de três crimes de falsificação e um de prevaricação. A directora do laboratório é suspeita de falsificar cerca de 400 recolhas. Foi indiciada pelo Ministério Público de 396 crimes de falsificação informática. Quanto aos funcionários dos municípios de Mirandela, Alfândega da Fé e Vila Flor, que também foram detidos no âmbito desta operação, não são ainda conhecidos os crimes pelos quais estão indiciados. Entretanto, os detidos já foram presentes a primeiro interrogatório. O Tribunal de Instrução Criminal do Porto determinou na sexta-feira à noite “a imediata libertação de 17 dos 19 arguidos detidos”. É o que refere um comunicado assinado pela juíza presidente da Comarca do Porto. As medidas e coacção já foram ontem conhcidas. Segundo avançou o Jornal de Notícias, o vereador da câmara de Vila Flor, Luís Policarpo, mantém-se em funções, mas fica impedido de contactar com funcionários da área das águas desta autarquia, enquanto continuam a decorrer as investigações, adianta. Já a directora do Laboratório Regional de Trás-os- -Montes ficou com obrigação de permanência na habitação com pulseira electrónica. Já uma analista que também aguardava decisão sob detenção foi ser libertada. A leitura do despacho que determinou as medidas de coacção foi realizada com a presença de todos os arguidos sujeitos a primeiro interrogatório judicial. Para os outros 17 arguidos detidos foram determinadas medidas de coacção de proibição de contactos, suspensão das funções e proibição de frequentar instalações ligadas ao controlo da qualidade de água para consumo e de águas residuais.

Saúde pública em perigo

Segundo a PJ, “a falsificação visava reduzir os custos do laboratório, colocando em causa a confiança e fiabilidade dos resultados das análises e, consequentemente, a qualidade da água ingerida pelas comunidades”. À margem dos esclarecimentos adicionais sobre a Operação Gota D’água, o coordenador do Departamento de Investigação Criminal de Vila Real, António Trogano, explicou que esta esta prática constituía “perigo” para as populações uma vez que “o modus operandi verificado consistia na recolha ou ausência da recolha ou então na recolha e adulteração da recolha ou então mesmo na falsificação dos próprios resultados obtidos”. António Trogano deu um exemplo. Uma piscina funciona com água de qualidade. Se não a tiver, tem que encerrar. Mas, se o responsável não tiver interesse em que esta encerre, iria solicitar que as amostras estejam conforme o exigido. A água não tinha “cabal monitorização e acompanhamento da qualidade que devia ter”, mas ainda não há relatos de pessoas que sofreram de algum tipo de doença pelo seu consumo. A investigação começou, há vários meses, após algumas denúncias que davam conta de má qualidade da água fornecida por algumas autarquias. Os 20 detidos, com idades entre os 25 e 61 anos, são dirigentes e funcionários do laboratório, bem como funcionários e eleitos locais nas entidades gestoras das águas, designadamente câmaras ou empresas municipais criadas para o efeito. Após a operação, depois de o laboratório que lhe presta serviço estar envolvido nesta investigação, a Águas do Interior Norte (AdIN) veio garantir a água que distribui é de “qualidade e segurança”. Em comunicado, afiançou que mais de 90% da água que distribui é fornecida pela Águas do Norte, uma “empresa referencial do sector”, que cumpre “todos os parâmetros de qualidade e segurança a que a legislação obriga”. Ainda de acordo com informações recolhidas pelo JN, há intercepções telefónicas explícitas em que vários arguidos discutem o facto dos resultados das análises de água de depósitos de água pública apresentarem níveis de impurezas acima do limite legal.

Jornalista: 
Carina Alves