“Há soutos que davam 10 sacas de castanhas e este ano deram um balde”

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Ter, 22/11/2022 - 15:46


Câmara de Bragança pede ao Governo que apoie os produtores mas os presidentes da Associação Agro-Florestal da Terra Fria Transmontana e do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos dizem que é preciso investir em rega

A campanha de apanha da castanha está já quase no fim e é agora que se percebem os verdadeiros danos. O cenário parecia dramático, mas agora é certo: a quebra é assombrosa. 80% a 90% é, em média, a percentagem de castanha que falta nos soutos. Entre pragas e doenças do castanheiro, produtores e especialistas dizem nunca ter visto um ano tão mau como este.

“Andamos, basicamente, ao rebusco”

hectares de soutos na aldeia do Parâmio, no concelho de Bragança. A maior parte destas árvores são centenárias, por isso, estão em plena produção. Ainda assim, “este ano há uma quebra muito grande”. “Andamos, basicamente, ao rebusco”, disse o produtor, que assume que, ainda que a castanha tenha “bom calibre”, as perdas rondam os 80%. Dizendo que “há um castanheiro ou outro que vai tendo mais castanha”, o produtor, de 66 anos, afirma que ano assim “nunca se viu”. “Há soutos que, em anos normais, davam 10 sacas de castanhas e agora têm um balde”, esclareceu Manuel Fortes. O produtor considera assim que é necessário que algum apoio surja rapidamente. “Há famílias que vivem da produção de castanha e essa é, praticamente, a minha fonte de rendimento. Neste caso, têm que nos dar um apoio a fundo perdido. Penso que a maior parte dos produtores não está interessado em linhas de crédito porque depois é preciso repor o dinheiro”, explicou Manuel Fortes, que disse “hoje não é difícil calcular as perdas porque a castanha é, praticamente, toda facturada”. A castanha está a ser paga, este ano, a um preço mais alto aos produtores. Mas isso pouco adianta... “é uma pescadinha de rabo na boca”. “A cadeia tem três ou quatro intervenientes. Vemos a castanha, por exemplo, a quase sete euros o quilo, no Porto, e nós aqui estamos a vender a dois ou dois e meio”, esclareceu ainda o produtor. Percebendo que não há outra cultura tão rentável como esta no concelho, diz, ainda assim, que “os castanheiros têm os dias contados”. Apesar de ir existindo alguma repovoação, está em crer que chegará a altura em que se vai “desistir” da cultura por causa das alterações climáticas.

Município de Bragança pede medidas urgentes

O município de Bragança acaba de aprovar, por unanimidade, uma tomada de posição face à quebra de produção de castanha na região. Hernâni Dias, presidente da câmara, observando a importância que a fileira da castanha tem para a Terra Fria do Nordeste Transmontano, afirma que o executivo está alarmado perante o cenário de quebra. Assim, decidiu-se propor ao Governo que adopte medidas urgentes de apoio aos produtores, que podem passar, por exemplo, pelo apoio financeiro directo, a título compensatório, tendo por base o diferencial entre a facturação desta campanha e a média aritmética dos três anos anteriores a este. Salientando que “a apanha da castanha não correu da forma como seria desejável” e que “as quebras são enormíssimas”, traduzindo- -se estas em “problemas gravíssimos para os agricultores”, Hernâni Dias não tem dúvidas: “terá o Governo de adoptar medidas para compensar estas perdas”. Uma “proposta” que, caso seja atendida, servirá para que o concelho não fique hipotecado “sob o ponto de vista do “desenvolvimento” e do “dinamismo económico”. As quebras, em grande parte dos soutos, ultrapassam os 80%. Afirmando que este “é um ano trágico”, em termos de perdas de rendimento, para os agricultores, o autarca de Bragança continua a insistir em regadio, que poderá salvar a produção em anos atípicos como o de 2022. No mês de Setembro, Hernâni Dias lamentou ainda não ter tido resposta, por parte do Governo, acerca do financiamento para os três projectos de regadio que pretende implementar no concelho, nomeadamente em Parada, Calvelhe e Rebordãos. O autarca assume que são, cada vez mais, de extrema importância. “Há a necessidade de haver capacidade de poder investir também nos sistemas de rega até para os castanheiros”, vincou. A tomada de posição será enviada ao Presidente da República, ao Primeiro-Ministro, à ministra da Agricultura e Alimentação, bem como à da Coesão Territorial, assim como ao secretário de Estado da Agricultura e à secretária de Estado do Desenvolvimento Regional. A Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, as juntas e uniões de freguesia de Bragança, bem como as associações do sector também receberão a tomada de posição. Neste documento, enviado também a comunicação social, o município de Bragança diz que a castanha representa um volume de negócios estimado em 100 milhões de euros, apenas no que respeita às transações directas, sendo que cerca de 85% da produção nacional tem origem na região.

2022 já não será sequer um ano médio

A entrar no último terço da campanha, Abel Pereira, presidente da Arborea - Associação Agro-Florestal da Terra Fria Transmontana, confirma que “há locais em que as quebras são acentuadas e não há, este ano, recuperação”, falando de soutos tradicionais e no que toca à variedade longal. A perda “acentuada” é de 80% e de 90% nos soutos onde ainda o fruto não caiu. Nos locais onde ainda há alguma produção considerável a quebra é de, pelo menos, 50%, segundo avançou ainda. Avançando que, em termos de quebra de produção, “este é um dos anos piores de sempre”, embora os preços não sejam “maus”, Abel Pereira esclareceu que “há lugares onde o cenário é desolador mas há soutos em que a situação já melhorou e ainda se pode apanhar alguma coisa”. Ainda que os preços até agora tenham sido mais “simpáticos”, só isto não chega para equilibrar as contas de quem produz. “Vamos lá ver se os preços ainda sobem mais”, vincou o presidente da ARBOREA, que disse ainda ter “esperança” porque “até ao lavar dos cestos é vindima” mas algo é certo: “2022 já não será sequer um ano médio, em termos finais”. Quanto a apoios, observando o que a câmara de Bragança pede ao Governo, abel Pereira considera que a medida, se fosse atendida, “eventualmente” resolveria alguma coisa. Bem, mas no que toca a preocupações, não é só o que acaba de acontecer que assusta o presidente da ARBOREA. Abel Pereira olha para as coisas já a longo prazo e teme que anos como este se repitam. “O ano de 2017 também foi dramático mas a produção era mais considerável. Passaram apenas cinco anos. A experiência diz-nos que não há anos iguais mas a tipicidade pode-nos trazer mais anos idênticos a 2022”, explicou, afirmando que “estes factores levam- -nos a pensar em muitas coisas”. E continuando a falar de alterações climáticas, o ciclo da castanha aumentou duas semanas mas agora voltou a atrasar cerca de duas a três semanas. Significa isto que “estamos perante ciclos cada vez menos previsíveis”. Sendo esta uma cultura basicamente de sequeiro e de montanha, é nos soutos tradicionais que mais problemas se notam, adiantou ainda Abel Pereira, que afirma que “estamos obrigados a repensar cada vez mais toda esta estrutura”. Regar é essencial, observando as coisas como elas estão. Mas, em anos de seca extrema, também não há água para o fazer. Quer isto dizer que a própria estrutura de recursos hídricos terá que ser repensada. “É preciso trabalhar a parte da investigação, como alternativas a nível de fertilizações, que possam, eventualmente, mitigar isso”, terminou, dizendo que “se perdermos a paisagem também estamos a perder a guerra contra as alterações climáticas”.

Anos de pouca produção vão “suceder mais vezes”

Albino Bento, presidente do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos (CNCFS), que, com 58 anos, diz que não se recorda de um “ano tão mau” como este, explicou que em zonas de altitude mais baixa as quebras de produção ultrapassam os 80%. A excepção, nestes soutos mais baixos, vai para aqueles que têm uma exposição norte ou que estão localizados numa zona um pouco mais fria. Em zonas de altitude, acima dos 750 metros, com mais humidade no Verão, há mais produção, dependendo da variedade. O docente do Instituto Politécnico de Bragança também diz que a questão se resolveria com apoio aos agricultores. Ainda assim, “só minimiza o problema, este ano, um pouquinho”. Assim, a questão que se põe, sobretudo para zonas mais quentes e secas, é que, “em termos futuros, isto vai suceder mais vezes”. Apesar de já termos tido verões muito quentes e secos, como tinha chovido na Primavera, havia água no solo, conseguindo o castanheiro captar alguma água. Isto resultava em castanha com um calibre mais pequeno. Anos como este, de extrema seca, sendo que não havia água no solo, porque os últimos anos também não foram de grande precipitação, podem resultar em quebras como esta. Assim, mais que apoios financeiros, admite que é preciso pensar a longo prazo. “Temos que começar a pensar seriamente em água para o castanheiro. É uma árvore que não precisa de muita água mas necessita- -a em momentos precisos, mais para o fim de Agosto. Em anos como este até a precisa mais cedo”, esclareceu Albino Bento, que diz que secas como a de 2022 se resolveriam se houvesse capacidade para regar, seria assim suficiente para aumentar a produção e o calibre. Assumindo que não há nenhuma praga ou doença que, no passado, tenha causado uma redução de produção deste género, o presidente do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos assume que “a frequência destas situações pode vir a agravar-se” e, por isso, “é preciso seriamente em rega”. “Criarmos algumas zonas de captação podia resolver o problema de falta de água, no Verão, em algumas aldeias. Água essa que podia ser aproveitada para regar”, terminou.

Jornalista: 
Carina Alves