Ter, 27/06/2023 - 11:41
Arrancou com greves e serviços mínimos decretados. Ao longo da semana realizou-se ainda, no que toca a este ano de escolaridade, o exame de História A. Vários outros exames decorreram, respeitantes ao 11º ano, nomeadamente Italiano, Mandarim, Geografia A, História da Cultura e das Artes, Biologia e Geologia, Francês, Espanhol, Economia A e Alemão. Depois de um ano marcado por greves e manifestações dos professores, sendo que vários alunos acabaram por perder aulas, terá o protesto dos docentes contribuído para os jovens estudantes chegarem às provas sem a preparação que acreditavam ser a adequada? Os alunos são claros a responder: não. Em Bragança as greves não puseram assim tanto, ou até mesmo nada, as aprendizagens em causa, uma vez que aos professores pouco faltaram às aulas por causa dos protestos.
Não são as greves que prejudicam os alunos, é a falta de professores
Na opinião de Rui Feliciano, professor no Agrupamento de Escolas de Mirandela, ex- -dirigente sindical do STOP (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação), integrando vários grupos de professores que se foram e vão manifestando, no contexto das políticas educativas do Ministério da Educação, os alunos não foram prejudicados com as greves. O problema é outro. Ou seja, o estado em que a escola publica se encontra. “Os alunos não foram prejudicados pelas greves”. Segundo referiu, “é claro que, uma greve ou outra pode prejudicar pontualmente”, mas, até “conforme o Sr. Ministro da Educação disse, as greves atingiram 1% da classe docente”. Assim, Rui Feliciano diz que não se tente mascarar a questão. “Não vamos arranjar desculpas e tapar o sol com a peneira. Na verdade, temos um problema em Portugal, que se chama aprendizagens essenciais e tudo passa por aí”, vincou o docente de Mirandela. Para Rui Feliciano há um caminho longo a trilhar mas começar até podia ser simples: bastaria que todos dessem as mãos, se deixassem as ”politiquices e sindicalismos”, olhando para o projecto educação, a médio/longo prazo, e avaliar-se o que está bem, “porque nem tudo está mal”, mas “alterar o que não está bem”. Caso isto não aconteça, acredita que teremos “cada vez mais desigualdades”, bastando ver a procura que as pessoas fazem para “colocar os filhos no ensino privado”, onde não há necessidade, segundo disse, de “aprendizagens essenciais, Projecto Maia ou o PIICIE”. A qualidade das aprendizagens, que “não tem nada a ver com as perturbações que houve nas escolas”, até porque “a maior parte dos alunos em Trás-os-Montes praticamente não perdeu aulas”, tem a ver com a falta de professores. “Sou professor e sou pai de filhos que ainda estão em idade escolar. Tenho uma filha no 8º ano e outra no 7º. Estiveram, as duas, vários períodos de tempo, sem alguns professores. E isto não foi por causa de greves, foi por causa de falta de professores. Eles não existem”, esclareceu Rui Feliciano, acrescentando que “alguns dos professores que ainda vieram acabaram por ir embora por causa das condições que lhe foram oferecidas”.
Jovens concorrem “para o que dá e não para o que querem”
Para Rui Feliciano é preciso falar “seriamente” dos currículos, porque “estão completamente desfasados”. Dizendo ter colegas que são professores universitários e que estão a ter “graves problemas com as bases estruturais que os alunos trazem”, considerou que “este plano de aprendizagens, que é o limiar da aprendizagem, vai criar problemas graves na progressão dos alunos quando chegarem ao ensino superior”. Aliás, já está, então, a criar. Questionado sobre se os jovens que estão a terminar o ensino secundário, ou em vias disso, se sentem motivados em prosseguir estudos superiores, assim como preparados, Rui Feliciano, pelo que diz que vê, não considera que estejam. Nem motivados nem preparados. Para este professor “baixou-se a exigência” e ao fazê-lo “os jovens têm dificuldade em obter resultados que os possam levar a uma visão maior da escola e a uma visão de futuro”. Ou seja, “os jovens, neste momento, concorrem para o que dá e não para o que querem”. Assim, sobre esta matéria, considera que “tem de se olhar para o ensino superior e criar uma ideia de desafio enorme para que os jovens lutem para que digam ‘este é o meu objectivo e vou dar tudo por tudo, de mãos dadas com os professores, com a direcção da escola, com as autarquias, para o conseguir’. Não é ‘o meu objectivo é o que for’”, esclareceu, assumindo que o “grande problema na escola pública é “estimular os alunos e levá-los a um desafio maior”.
Professores não motivam alunos
João Fernandes é aluno do 11º ano do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, em Bragança. Na quarta-feira da semana passada foi testar os conhecimentos que tem no que toca a Biologia e Geologia. A prova não correu nada mal por dois motivos: estudar e ter um professor que pouco ou nada faltou, ao longo do ano lectivo. O exame “foi mediano”, em termos de dificuldade. “Não foi de nível complicado. Estudei e consegui manter uma boa performance”, admitiu o jovem estudante. No que toca a esta disciplina, o aluno brigantino diz que “as greves não comprometeram o exame” porque “foram faltas ocasionais”. “Não foi nada de especial”, explicou, dizendo que isto vale para todos os professores que teve ao longo do ano lectivo. Ainda assim, João Fernandes, não se sentindo prejudicado com as greves, diz ter ideia de que com os restantes alunos, pelo menos com alguns, o cenário não é igual. “Tenho noção que para alguns colegas meus foi complicado. As faltas interferiram com a aprendizagem e pode reflectir-se nos exames”, esclareceu, dizendo que, de qualquer forma, o sucesso nas provas depende mais dos próprios estudantes que dos professores. “É preciso estudar”, afirmou. Questionado sobre o estado da escola pública, sendo que os professores tanto têm dito que está decadente, e se acredita que os alunos saem dela bem preparados para o futuro e para seguir estudos superiores, disse concordar com a “luta dos professores”, mas referiu que “não fazem um bom trabalho” no que toca a motivação os jovens em estudar mais. “Ainda assim, temos que continuar”, explicou.
Exames mais fáceis por causa da pandemia e das greves
Para Telma Correia, também ela aluna do 11º ano do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, que fez, igualmente, exame de Biologia e Geologia, a prova não apresentou dificuldade alguma. Apesar de dizer que as greves dos professores naquela escola foram “insignificantes”, tem ideia de que os exames estarão mais fáceis por causa deste ano lectivo marcado por manifestações e faltas. “Fiz vários exames e considero que o do ano passado foi mais difícil do que o de este ano. Acho que foi mais fácil por causa das greves e da pandemia”, vincou a aluna. Devido a tudo o que se passou ao longo do ano lectivo, tendo em conta que, num passado muito recente, também houve a questão da pandemia, a aluna acredita que se está a criar “um certo facilitismo”. “Acho que é injusto. Agora há questões opcionais e isso facilita muito em relação aos outros anos”, vincou ainda sobre o exame de Biologia e Geologia, sendo que muitos colegas que menos estudaram podem ter uma nota bastante semelhante à que esta conta ter. Ainda assim, acreditando que, em Bragança, as aprendizagens não ficaram, praticamente, nada comprometidas pelas faltas dos docentes, admitiu que a físico-química teve “dificuldades em certas matérias”, porque o professor foi faltando, algumas vezes, e, por isso, não restou outra alternativa que não procurar ajuda. “Tive que entrar em explicações devido a essas greves que o meu professor fazia”, esclareceu, dizendo entender a “luta” dos professores, mas admitindo que essas manifestações acabam por, de alguma forma, “prejudicar”. Para Telma Correia a escola pública “está bem”, mas há algo que falha. Sem saber que curso escolher, quando tiver de decidir que rumo seguirá na universidade, a aluna diz que “é aqui, neste tipo de acompanhamento, que a escola falha, um pouco”. “Podiam ajudar-nos um bocadinho”, esclareceu.
Exames com adaptações pelo cenário que se vive
A aluna Telma Correia fala de um “facilitismo” que se criou, nos exames, por causa de tudo o que se passou, primeiro com a pandemia e agora com as greves. Questionado sobre o facto de os alunos terem provas possivelmente cada vez mais fáceis, Carlos Fernandes, director do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, que recorda que “os exames nacionais ainda continuam com as adaptações que não eram visíveis nos tempos pré-pandémicos, com algumas respostas obrigatórias mas outras facultativas”, respondeu dizendo que “na administração, não se devem tecer grandes comentários em relação àquilo que está a ser implementado”. Ainda assim, afirmando que há normativos a cumprir, frisou que “o paradigma de avaliação mudou, com estas questões das aprendizagens essenciais”, mas que, “realmente, quando se aplica este novo paradigma, os alunos queixam-se” porque se “privilegia” mais a avaliação formativa e contínua. Esclareceu ainda que o que se verifica no terreno é que “as aprendizagens essenciais e aquilo que é transmitido durante o ano lectivo depois não é devidamente avaliado nos exames nacionais”.
Pandemia afectou aprendizagens mas recuperou-se o que havia para recuperar
No âmbito das greves e protestos ao longo do ano lectivo, Carlos Fernandes confirma o que os alunos dizem, no que toca às poucas faltas dos professores. “Com toda a exactidão, as greves, na Emídio Garcia, não afectaram rigorosamente nada os alunos porque elas foram pontuais. Os professores que fazem parte do quadro do agrupamento, praticamente, não faltaram por greve”, esclareceu o director, que disse que “as aprendizagens foram postas em causa pelos anos pandémicos”. Sobre esta matéria, o que a pandemia provocou, Carlos Fernandes disse que “as escolas adoptaram estratégias para tentar recuperar ao máximo as aprendizagens e foi isso mesmo que se fez”. Na perspectiva do director “não houve problemas de maior” porque “as aprendizagens foram recuperadas com os meios que as escolas dispunham”. Confirmando que “os planos foram mesmo implementados”, Carlos Fernandes esclareceu que houve um reforço de aulas, de preparação para exames. “Os professores preocuparam- -se sempre em voltar àquelas aprendizagens que achavam que não estavam tão bem consolidadas”, esclareceu, dizendo que “o sucesso será depois confirmado”, mas, para já, “o sucesso, em termos de avaliação interno, houve-o” porque “as taxas de sucesso mantiveram-se nos níveis que a escola tinha perspectivado para o final do ano e, realmente, os alunos conseguiram, da forma adequada, acabar os seus anos lectivos”.