Governo quer que distrito retome produção de cereais mas agricultores pedem apoios

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Ter, 04/10/2022 - 10:26


A Estratégia Nacional para a Promoção de Produção de Cereais foi apresentada em Bragança, onde há três décadas se produzia grande parte do cereal consumido no país

O distrito de Bragança foi, em tempos, um grande produtor de cereal no país. Há 30 anos foi o maior produtor de centeio e quarto maior produtor de trigo de Portugal. Os silos da cidade de Bragança chegaram a ter mais de 14 milhões de quilos de cereais. Mas com o passar dos anos, esta cultura deixou de ser rentável e os agricultores começaram a abandonar esta cultura. Actualmente, o país depende 82% de cereal comprado ao estrangeiro, quer isto dizer que se produz apenas 18%. Mas o Ministério da Agricultura, no âmbito da Estratégia Nacional para a Promoção de Produção de Cereais, quer diminuir esta dependência de cereal importado, passando no curto prazo para 28%.

Mas há condições na região?

Aumentar a produção de cereais na região é possível, mas não em quantidades de há três décadas, segundo afirmou o presidente da Associação Nacional De Produtores de Cereais, nas “1º Jornadas de Cereais do Norte”, que aconteceram em Bragança. José Palha explicou que o objectivo é “incentivar os agricultores a voltar a produzir”, visto que entende que “existe procura por parte do consumidor, que está disponível para pagar por esse produto”. “Não iremos nunca voltar aos níveis de produção que tínhamos há 30 anos, mas a acreditamos que em muitos casos em que a opção é não produzir nada ou ter um pastoreio muito extensivo com muito pouco encabeçamento pode ser interessante”, explicou. Mas sem incentivos “satisfatórios” os agricultores não vão voltar a dedicar- -se a esta cultura. Amadeu Fernandes produzia cereal há 30 anos, mas deixou de o fazer porque não era rentável. Agora é produtor pecuário. Mas admite que tem capacidade para voltar a produzir cereais. “É uma questão de fazer contas e ver, porque eu tenho alguns terrenos disponíveis que estou a usar para a produção de animal, mas podia conciliar e dava para fazer produção animal e de cereal”, disse. Contudo, não acredita que os apoios sejam suficientes para incentivar os agricultores. “Eu acho que a região não vai voltar a ter essa dinâmica dos cereais, só se for uma ajuda muito forte e não estou a ver isso. Segundo eu ouvi por aí que eram 100 euros por hectare, é melhor nem falar nisso, porque hoje para fazer uma correcção de PH a um terreno, para a produção ser viável, fica-nos a 400 por hectare, mais as sementes 200 euros, para depois produzir 1500 ou 2000 Kg, tem de haver mais ajuda”, apontou. Luís Afonso, proprietário da Moagem do Loreto, em Bragança, está seguro que “sem estímulos financeiros não há agricultor que bote a charrua ao chão para semear e preparar terras para cereal nesta região”. O empresário diz haver “terra disponível” na região, nomeadamente em Bragança e no Planalto Mirandês, ainda que sejam “menos” que há 30 anos, porque foram “ocupadas por castanheiros”. Para isso, é preciso haver “vontade política” e “abrir os cordões à bolsa”. “Se a União Europeia quer mobilizar os agricultores, nomeadamente de Portugal, tem de pagar e se o dinheiro for compensador, satisfatório ou atraente os agricultores voltam a pegar nessa actividade, o que era óptimo porque foi sempre uma cultura tradicional nesta zona e temos condições nesta região”, frisou. Luís Afonso defende ainda que semear cereais vai trazer vantagens económicas, mas também em termos ambientais. “Há limpeza de terras, combate-se preventivamente os fogos, há grão dos cereais no chão, permite o aumento de fauna cinegética, perdiz, lebre, coelho e as restantes espécies de caça maior. Isso é extremamente importante para a criação de riqueza no território. Temos mais turismo, mais apoio à restauração e, fundamentalmente, mais rendimento ao agricultor desta zona, que tem muito poucas alternativas de rendimento”, referiu. Para o presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa, os apoios anunciados “não são suficientes, da forma como são desenhados neste momento” e sustenta que os agricultores da região devem “reivindicar a criação de ajudas e da construção de uma arquitectura específica para Trás-os-Montes”.

Apoios para produção de cereais

No âmbito da Estratégia Nacional para a Promoção de Produção de Cereais, vão ser criados apoios específicos para incentivar os agricultores a voltarem-se para esta cultura disponibilizados a partir do próximo ano. O montante indicativo por hectare é de 104 euros, e no caso, da aveia, centeio ou triticale, terão de ter uma produtividade mínima de 0,75 toneladas por hectare, já quanto à cevada e trigo é estabelecida uma produtividade de pelo menos 1,5 toneladas hectare. Quem produzir 7 toneladas de milho para grão por hectare terá um apoio de 200 euros por hectare. Os produtores podem receber este apoio se a comercialização for através de Organização de Produtores reconhecida. Haverá também apoios do PEPAC para os Agrupamentos e Organizações de Produtores, calculado em função do respectivo Valor de Produção Comercializada, até ao limite de 10%, contribuindo para os custos que as organizações têm quando se constituem, durante um período de 5 anos, que podem ir até aos 100 mil euros por ano O coordenador do Grupo de Trabalho do Gabinete de Planeamento e Política, criado para promover a produção de cereais em Portugal, Luís Souto Barreiros, explica que agora haver esta ajuda específica para o cereal, um apoio por hectare de cereal cultivado, com produtividades mínimas, “é o ponto que diferencia face ao passado, o apoio directo aos agricultores que queiram produzir cereais”. O responsável frisou que estes novos subsídios se juntam a muitos dos apoios que já existem e “que agora vão ser adaptados para produzir cereais”, desde “apoios desligados da produção, o antigo regime de pagamento base, a ajuda redistributiva, os eco-regimes e as medidas ago-ambientais”. Quanto às críticas de que o valor será baixo para convencer os agricultores a apostar nesta cultura, Luís Souto Barreiros sustenta que “a diversidade de ajudas é grande e os agricultores podem acumular um conjunto de apoios”. “Este é um apoio especial, deve ser visto como um extra”, mas sustenta que este tipo de apoio foi calculado mesmo para dar esse estímulo à produção de cereais. Além disso argumenta que as ajudas são um extra, mas o principal será a valorização da produção que poderão conseguir através de uma produção organizada. “Vão ter que através da organização conseguir outros ganhos, nomeadamente de eficiência, maior produtividade e de melhor preço se começarem a produzir, de uma forma organizada, os produtos que a indústria e a distribuição querem”, referiu. Para Luís Souto Barreiros, em Trás-os-Montes deve apostar-se em culturas que são mais relevantes do que noutras regiões, como trigo barbela e o centeio, que tem um peso importante, já que “76% da produção nacional de centeio é produzido em Trás-os-Montes”. Para os agricultores ganharem mais “têm de produzir o que o mercado quer e não só o barato, têm que produzir com valor, cada um terá de fazer o que sabe melhor e que é mais adequado a cada região, se Trás-os-Montes produz bem centeio deverá produzir ainda melhor e com mais valor” assim como o trigo barbela “que também tem de passar por um processo de melhoramento e estabilização para poder ocupar o espaço que há no mercado”. A directora Regional de Agricultura e Pescas do Norte, Carla Alves, também sublinha que é importante estimular a produção de cereais, mas sobretudo tendo em conta as tendências de mercado, direccionando o cultivo para cereais mais tradicionais, como o trigo barbela e o centeio, pelas suas especificidades e características e porque são esses os dois que o mercado tem capacidade de absorver. Apesar de diminuir a dependência externa de cereais, um problema sublinhado pela guerra na Ucrânia, ser o objectivo do ministério, Carla Alves também reconhece que não “vamos ter as produções que já houve neste território”, já que a maioria dos terrenos estão hoje com culturas permanentes, de vinha, castanheiro, olival e amendoal. Garantiu também que não se pretende com esta estratégia substituir estas culturas ou arrancar produções permanentes, mas sim “direcionar a produção de cereais para solos que estão hoje abandonados e sem qualquer actividade agrícola”. A directora da DRAPN salientou ainda que é necessário ajudar os produtores técnica e cientificamente. Neste aspecto, o Pólo de Inovação Agrícola de Mirandela, um local onde haverá experimentação in situ para muitos dos cereais que se pretende voltar a produzir. “O pólo de Mirandela, com uma área de 70 hectares, pode ser um local de experimentação, como já foi há muitos anos, porque precisaremos de ter um catálogo de variedades, anualmente, trabalhadas quer pela comunidade científica quer pela indústria. O presidente da CAP entende que para a cultura de cereais voltar a ter algum peso na região, é necessário que os agricultores tenham água disponível e tem também de haver dimensão e novas tecnologias, porque fazer “agricultura hoje não é a mesma coisa que há 30 ou 40 anos”, porque se “Trás-os-Montes toda a vida foi uma área de produção de cereais”, acredita que “a agricultura do passado não é viável nos tempos de hoje”. “Temos de ter uma agricultura mais modernizada, com novas tecnologias, novas variedades, com Os agricultores têm de produzir o que o mercado quer e não só o barato, cada um terá de fazer o que sabe melhor e o que é mais adequado a cada região. Se Trásos-Montes produz bem centeio deverá produzir melhor e com mais valor”. Luís Souto Barreiros Não iremos nunca voltar aos níveis de produção que tínhamos há 30 anos, mas acreditamos que em muitos casos em que a opção é não produzir nada ou ter um pastoreio muito extensivo com pouco encabeçamento pode ser interessante”. José Palha O pólo de Mirandela, com 70 hectares, pode ser um local de experimentação, como já foi há muitos anos, porque precisaremos de ter um catálogo de variedades, anualmente, trabalhadas quer pela comunidade científica quer pela indústria”. Carla Alves Se a União Europeia quer mobilizar os agricultores, nomeadamente de Portugal, tem de pagar e se o dinheiro for compensador, satisfatório ou atraente os agricultores voltam a pegar nessa actividade, o que era óptimo”. Luís Afonso Temos de ter uma agricultura mais modernizada, com novas tecnologias, novas variedades, com criação e agregação de valor à produção para poder viabilizar economicamente esse crescimento de produção de cereais”. Eduardo de Oliveira e Sousa criação e agregação de valor à produção para poder viabilizar economicamente esse crescimento de produção de cereais e isso obriga a um esforço hercúleo nesta região que é criar dimensão ao nível das propriedades, os agricultores têm de se juntar, têm de permitir que haja agricultores que utilizem parcelas de outros, fazer rotações com outras culturas e introduzir regadio, sementeira directa e agricultura de precisão”, defende Eduardo de Oliveira e Sousa. O representante dos agricultores argumentou ainda que seria “bom que Trás- -os-Montes crie uma espécie de marca para os cereais”, à semelhança do que aconteceu no Alentejo.

Jornalista: 
Olga Telo Cordeiro/Ângela Pais