Qua, 06/04/2005 - 11:02
Docente do Instituto Politécnico de Bragança, foi um dos fundadores da Associação Sócio-Cultural dos Deficientes de Trás-os-Montes (ASCUDT), à qual presidiu durante nove anos.
Jornal NORDESTE (JN) – Sabemos que a fotografia já foi uma das suas paixões. Fale-nos desses tempos.
José Manuel Rodrigues (JMR) – De facto, a partir dos 16, 17 anos, consegui montar o meu próprio laboratório particular, onde revelava fotos a preto e branco. Para arranjar o primeiro ampliador fui a Andorra e fui mudando de equipamentos ao longo dos tempos, até porque na altura colaborava com o Mensageiro de Bragança na área da reportagem, onde o Marcolino Cepeda também trabalhava. Foi uma experiência gratificante. Reuni cerca de 6 mil negativos e até realizamos dois Salões Nacionais de Arte Fotográfica, em que reunimos em Bragança alguns dos melhores trabalhos do País. Chegou a pensar-se num terceiro, este de carácter Ibérico, mas depois veio o 25 de Abril e as atenções voltaram-se para a política, pelo que os jovens começaram a pôr de lado essas práticas culturais.
JN – Porque é que enveredou pela Filosofia?
JMR – Comecei por trabalhar na Maternidade Júlio Dinis, no Porto, passei pelo Hospital da Misericórdia de Bragança, pelo Hospital Distrital, pela Administração Distrital dos Serviços de Saúde e pela Psiquiatria. Foi assim que fiz o curso de Filosofia como trabalhador-estudante, um pouco na desportiva. Mas, no primeiro semestre apaixonei-me pelo curso. No início recusava-me a comprar livros mas, nos anos seguintes, até já era capaz de almoçar mal para ficar com dinheiro para comprar livros. Esta mudança foi motivada, de facto, pela estrutura do curso.
JN – Em termos de pensamento, os transmontanos estão mais inquietos, ou cada vez mais globalizados e indiferentes?
JMR – Se quer que lhe diga, o que está mal nos transmontanos não nasceu aqui, veio de fora. São essas influências que vão reduzindo a inquietação de pensar. Se virmos um velhote a olhar para uma cascata ou a sentir a brisa da tarde ele tem essa inquietação de pensar, de saber o que o rodeia e tem coisas muito interessantes para nos contar. Isso está-lhes na alma.
Mas nós temos uma influência de massificação que nos advém de uma sistema educativo provavelmente falido e dos mass media que não despertam para essa inquietação de pensar. Quando deixamos de ter crianças curiosas, que têm tudo disponível nas prateleiras dos hipermercados, podemos pôr em risco essa criatividade e, então, perdemos tudo.
JN – De que modo a deficiência visual tem moldado a sua vida?
JMR – Não lamento a minha deficiência, antes pelo contrário, pois ela tem sido um mestre para mim. Nunca que me deixei vencer pela deficiência e tem sido isso que me anima. De facto, para mim, a deficiência tem sido algo que me ensinou muita coisa ao longo da vida e cada vez me está a ensinar mais. Pensei que poderia ajudar outros deficientes como eu, que tiveram uma perda no real, porque ser deficiente não é algo que se possa comunicar às pessoas. Se eu sou cego, outra pessoa pode tentar identificar-se comigo pondo uma venda nos olhos. Mas isso é totalmente diferente, porque essa pessoa sabe que pode tirar a venda a qualquer momento. Nós, quando somos deficientes, assumimos uma perda no real e para sempre. Depois é preciso aceitá-lo, e aprender a viver com aquele problema. Depois de superar isso tudo podemos chegar a um ponto em que essa falta nos pode servir de mestre. O ser humano, às vezes, não é feliz, porque não consegue viver com essa perda, que pode ser muita coisa, até o facto de sabermos que vamos morrer e não somos eternos. No caso da deficiência, estamos perante uma perda antecipada, com a qual é preciso aprender a lidar.
JN – O que se pode fazer para melhorar a vida das pessoas com a deficiência?
JMR – O desenvolvimento tecnológico pode ajudar muito a pessoa com deficiência. Há também uma grande carga negativa inerente à deficiência. Há que reconverter essa força negativa para força positiva. Há pessoas com deficiência que podem acrescentar visões e contributos diferentes à sociedade, que só enriquecem a sua diversidade. Quanto mais uma sociedade integrar a diversidade, mais rica ela é. Iguais e diferentes é a frase que resume tudo.
JN – Sendo professor do ensino superior, o que pensa da passagem do IPB a Universidade?
JMR – Em sou um pouco crítico nessa matéria. Eu entendo que essa é uma questão nominalista, uma questão de nome. O Instituto tem crescido com uma massa crítica interessante, há muita investigação, mas, independentemente de se chamar IPB ou Universidade deve cumprir a missão para que foi criado, que tem a ver com aplicação desse conhecimento todo ao desenvolvimento local, regional e nacional. De resto, abstenho-me de ser mais crítico e prefiro ficar por aqui.
Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda