A Falar de Coisas

PUB.

Ter, 24/05/2005 - 18:19


Era eu um garoto russo de “mau pelo e mau cabelo” quando ingressei no antigo Liceu Nacional de Bragança, anexo à antiga Sé Catedral.

No mesmo ano e recorro apenas, alguns dos meus condiscípulos, agora médicos, juízes, engenheiros, economistas, etc etc, Fernando Chiote, António Florido, Guilhermino Paz Dias, Edgar Madeira, Augusto Damaceno, António Meireles, António Januário, o “Xixelá”, o Humberto Martins, o Fernando Gomes, o Diogo Fernandes, o Arnaldo Rodrigues, o António Ponte e muitos outros a quem rendo homenagem mas que não nomeio, por já não me recordar dos seus nomes.
Dos professores relembro o Sr. Dr. Rodrigues que leccionava a disciplina de inglês e que ao tempo sofria de evidentes perturbações. Era um douto homem, com uma cultural invulgar e a cabeça cheia de ideias pitorescas. Falava-nos de imensos e variados assuntos dentre eles a ascendência de cada um de nós. Uns descendiam dos lusitanos, outros dos godos, dos árabes, dos vickings, etc, etc, e a mim apodava-me de celta por ter olhos azuis e cabelos loiros. E ia-me dizendo:
- O meninozinho, era assim que nos chamava, deve sentir-se orgulhoso porque era um povo muito inteligente e trabalhador. Olhe que esse jogo que os meninozinhos praticam no recreio, atrás da bola de trapos, já os celtas o jogavam, mas com uma bola de couro de cheia de aparas de madeira, a simbolizar o astro rei.
Não era propriamente um desporto, mas sim um ritual, um hino ao sol, mas, nem por isso, deixava de ser competitivo.
Jogava-se num campo com duas balizas, colocadas uma a este e outra a oeste de acordo com rota do sol. O encontro durava, exactamente, uma tarde, até o astro rei se esconder lá para as bandas do ocaso.
Mesmo já no cristianismo, esse jogo continuou a ser praticado entre todos os descendentes dos povos celtas, uma vez por ano, em homenagem a essa luz criadora que nos dá o calor e a vida. Aliás, é sabido que este povo, sobretudo os do norte da Europa, tinha em tal consideração o sol que até acendiam grandes fogueiras para o ajudarem, em dia escuros de inverno.
Este ritual, despido de qualquer tipo de fanatismo terá sido, ao que tudo indica, a origem do futebol que progressivamente se espalhou por todo o mundo civilizado. Infelizmente, como se vem verificando todos os dias, foi substituído por um festival de agressões físicas, sito apenas as famigeradas e perigosas cotoveladas, desferidas aderede, por obreiros da mesma messe. Insultos de todo o género, gestos grosseiros, um nunca acabar de casos… e mais casos com dirigentes, árbitros e jogadores, enfim, um rol de atitudes que chocam quem se julga ser civilizado.
Eu, pessoalmente, compreendo porque há tanta gente que deixa de frequentar os campos e estádios de futebol! É que, quem gosta deste espectáculo, de certeza que sempre achou que a sua prática não colide, nem é incompatível, com o cinismo, a boa educação e o bom senso.
Afinal, onde para o tão badalado fair-play? Que raio de futebol é este?
O que diriam os celtas se pudessem observá-lo agora?
«Futebol, o que eras e como te puseram!»

António Afonso