Entrevista ao novo director do Estabelecimento Prisional de Bragança

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Ter, 13/12/2022 - 11:12


“Colocar mais reclusos a trabalhar nas instituições e nas empresas de Bragança é um dos desafios que gostaria de levar avante"

Nuno Pires é o novo director do Estabelecimento Prisional de Bragança, que tem mais de 80 reclusos. Há 38 anos que trabalha na instituição. Começou como docente de Educação de Adultos, mais tarde passou a ser técnico e há nove anos que era o adjunto substituto do director da prisão. No dia 1 de Dezembro assumiu um novo desafio para os próximos três anos, substituindo Paula Sobral que esteve no cargo apenas seis meses

 

Depois de quase 40 anos ligados ao Estabelecimento Prisional de Bragança, como é que é agora estar à frente desta instituição?

Não vejo isto como uma tarefa fácil, mas de qualquer maneira, penso que é o culminar de uma carreira de docente, carreira técnica superior e uma carreira de adjunto substituto do director que acaba por reconhecer o mérito do que foi feito, da minha intervenção, quer a nível interno no estabelecimento prisional, quer da relação do estabelecimento com o exterior, sobretudo nas dinâmicas de ocupação dos reclusos no âmbito do regime aberto.

 

Acredita que toda a sua experiência é uma mais-valia para assumir este cargo?

Naturalmente sim. Eu não assumiria um cargo se não tivesse um conhecimento profundo da instituição que me incumbiram de dirigir. Qualquer dirigente deve ter um conhecimento profundo de organização, do contexto, dos objectivos, dos fundamentos do organismo que dirige, no sentido de tentar promover dinâmicas que potenciem todo o trabalho que leve aos objectivos principais, nomeadamente o tratamento penitenciário com humanidade, com harmonia, alegria e promover o bem-estar dos reclusos, porque uma sociedade que não trate bem os seus reclusos não tem a melhor referência.

 

E que desafios vê agora que está à frente da instituição?

Gostava de dar continuidade a um trabalho que fiz, no sentido de promover a humanização da comunidade prisional, ver no recluso um cidadão que apenas está privado do direito da liberdade. Só com humanismo, com uma certa cultura do bem-estar do outro é que nós conseguimos levar por diante um trabalho que permita desenvolver actividades no sentido de o recluso se sinta o mais satisfeito possível, promova a sua valorização pessoal, escolar e profissional e possa depois, com a devida sustentabilidade e orientação, incluir-se na sociedade de forma a que não volte a reincidir.

 

A reinserção tem aqui um papel importante… alguns dos reclusos também fazem trabalhos…

Nós temos actualmente mais de 30 reclusos a trabalhar, temos uma boa percentagem. Tem sido o objectivo do estabelecimento prisional de Bragança estar na vanguarda da ocupação dos reclusos em termos laborais, em termos educativos, em termos de formação profissional. Esse é também um dos desafios que gostaria de levar por diante, no sentido de colocar mais reclusos a trabalhar nas instituições e nas empresas de Bragança ou da região, para que no futuro, quando voltarem para a sociedade, possam continuar a trabalhar, tendo o hábito de trabalho ter sido dinamizado enquanto estavam no estabelecimento prisional a cumprir pena.

Aqui em Bragança há uma cultura de ocupação do reclusos, quer em instituições públicas, quer em privadas, no sentido de que eles possam trabalhar, valorizarem-se socialmente e também contribuir para os seus rendimentos pessoais e familiares.

 

O que falta aqui no estabelecimento prisional? A falta de guardas prisionais também é problema?

Naturalmente que os recursos humanos são sempre um problema em qualquer instituição. Nós tentamos realizar um bom trabalho com o corpo da guarda prisional que temos, naturalmente que se tivéssemos mais meia dúzia de elementos, seria melhor. Mas tenho que reconhecer que esta corporação está a fazer um trabalho de entrega à causa e faz o possível dentro dos constrangimentos que temos.

Em termos de funcionamento normal não põe em causa nenhum serviço. Às vezes temos é problemas relacionados com o transporte. Precisamos de uma viatura celular nova, temos uma já muito antiga, a direcção-geral faz o que pode, mas esse é um dos nossos problemas.

Por outro lado, em termos de instalações precisamos de um telhado novo, que é urgente, precisamos de uma portaria nova. Estes dois projectos estão a ser analisados pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e estou certo que terá boa vontade de vir a resolver estes problemas. Estamos no cume do país, no nordeste do país, tantas vezes desfavorecido a outros níveis e esperemos que a nível prisional isso não aconteça.

O telhado é importantíssimo na climatização do interior do edifício prisional que não tem aquecimento central e que também já deveria ter. É uma promessa, entendo que os serviços centrais também tenham dificuldades, mas a verdade é que nós temos aqui um clima especial, temos uma comunidade prisional com alguns idosos e com problemas de saúde e as temperaturas negativas também se reflectem na sua qualidade de vida e bem-estar. Vamos desenrascando com aquecedores, vamos tentando aquecer o ambiente, em termos de climatização e afectos.

Quanto à portaria, o projecto já está feito, já temos indicação que isso está andar. Nós não termos portaria, temos ali um contentor que faz de portaria, mas era importante ter uma portaria com a dignidade que o estabelecimento, a cidade e o distrito merecem, porque isto não se trata de uma instituição que vive isolada.

A nível de tratamento penitenciário não tenho dúvida que somos um dos estabelecimentos prisionais do país com mais proximidade nesse domínio.

 

E o que os torna tão diferentes nesse sentido?

Nós aqui somos como uma família. Dificilmente há um recluso que nos peça uma coisa, que nós possamos fazer, que não seja feita no mais curto prazo. Nós tentamos resolver sempre, ao nível dos técnicos da educação, do pessoal da secretaria e da direcção. Fazemos o que podemos para que o recluso se sinta incluído no seio da comunidade prisional e se sinta tratado com dignidade e humanismo.

 

Agora que está neste cargo, o que sente que é mais difícil?

Tenho poucos dias disto, mas sei que é substancialmente diferente. O director tem mais responsabilidades, tem que estar atento a tudo, tem que responder com eficácia às solicitações, aos problemas, tentar mover uma equipa e ter uma gestão partilhada. Só o conhecimento que eu tenho da instituição me dá a sustentabilidade de conseguir resolver com eficácia os desafios que se deparam.

Não quero deixar de expessar a minha admiração pela directora que me antecedeu. Além do trabalho positivo que desenvolveu ao nível institucional em Bragança, conseguiu gerar dinâmicas internas e externas geradoras de harmonia e empatia.

 

Já falou de obras importantes para o estabelecimento, já falou também na necessidade de uma viatura, mas há alguma dinâmica que queira alterar no estabelecimento prisional?

Aquilo que se pode fazer é sempre em conjugação com os serviços centrais.

Além da educação escolar, que vai desde o primeiro ciclo ao décimo segundo ano, temos todos os graus de ensino aqui no estabelecimento, temos a actividade desportiva também, temos um polidesportivo feito recentemente, pequeno mas que já dá para participar várias modalidades.

Temos um clube de música com a escola Abade de Baçal e estamos agora a desenvolver um projecto na área musical com o conservatório. Vamos levar avante esses dois projectos, mas também gostaria de retomar actividades, que houve em tempos, na área do artesanato, por parte dos reclusos. Chegámos a participar em diversas exposições no país, como por exemplo na Bienal de Vila Nova de Cerveira, com os trabalhos dos nossos reclusos.

Também apostar na ocupação dos reclusos, quer interna, quer externa e sobretudo na valorização pessoal, escolar, que é muito importante, na valorização profissional, através de cursos de formação e depois na valorização cultural, através de actividades feitas na nossa biblioteca, que agora tem instalações novas.

 

Há muitos reclusos que aumentam a sua escolaridade na prisão de Bragança?

Sim, muitos. Até alguns conseguiram fazer aqui o décimo segundo ano. Nós apostamos na escola, como veículo importante para conseguir mais-valias para cada recluso. nós incentivamos a que quem não tenha habilitações e as queiras fazer, que aproveite, com condições dignas. Temos duas salas de aulas equipadas, temos a biblioteca, temos material escolar e professores em colaboração com a escola Abade de Baçal.

Também temos uma colaboração muito importante com o Centro protocolar de Justiça que faz aqui formação. Cerca de 20 reclusos, há quatro anos, tiveram a oportunidade de frequentar um curso de manobrador de máquinas agrícolas e de aplicação de fitofármacos. Se não tivesse sido o estabelecimento prisional de Bragança não tinham feito este curso nem teriam carta de tractor para quando saissem daqui. Gostava de voltar a repetir o curso e sei que há 15 reclusos que gostavam de o fazer. O curso só foi possível porque uma empresa nos emprestou um tractor e o presidente da junta de Donai nos emprestou as alfaias.

A câmara municipal também nos ajuda bastante. E queria também dizer à câmara que construa um abrigo do lado de fora das instalações prisionais para as visitas que vêm de vários pontos do distrito e do Norte do país visitarem os seus reclusos familiares e estão muitas vezes à chuva, ao frio, ao sol e se sentam até muitas vezes nos passeios.

 

Jornalista: 
Ângela Pais