Encontrar vaga nas creches do distrito é como “acertar no euromilhões”

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Ter, 15/06/2021 - 13:05


As listas de espera e a falta de creches é uma realidade no distrito de Bragança

a. São muitas as famílias que têm que esperar meses, ou até um ano, para encontrar uma vaga na creche. Rui Sousa tem um filho com cerca de dois meses, mas ainda nem tinha nascido e já procurava creche para o bebé. Em Novembro do ano passado foi alertado para a possibilidade de não conseguir arranjar creche e, por isso, decidiu começar a procurar instituições em Bragança. “Na altura perguntaram- -me para quando é que seria e eu disse que só iria nascer em Abril e responderam-me que só a partir de Setembro é que tinha vaga”, contou. Uma situação que obrigou a que Rui Sousa e a companheira tirassem toda a licença de maternidade e ainda semanas de férias para conseguirem ficar com o bebé. “Isto obriga os pais a fazerem uma ginástica tremenda, porque há muitos pais, que até por motivos económicos, não querem tirar os cinco meses da baixa para poderem receber a 100%”, disse. Visitou três creches e inscreveu o filho em duas, numa delas conseguiu a vaga. Espera que esteja garantida, mas tem um amigo em que a situação já é diferente. “As pessoas que me aconselharam a arranjar vaga cedo, prendeu- -se com o facto de uma dessas pessoas ainda nem ter o filho na creche e para guardar vaga já estar a pagar. Dois meses antes de o filho entrar já está a pagar para poder guardar a vaga”. É em Bragança, na capital de distrito, que a situação é mais grave e um dos exemplos é a Cáritas. Tem o equivalente a duas creches, uma vez que tem duas salas por cada faixa etária, num total de 76 crianças, 69 com acordos de cooperação com a Segurança Social. Segundo a directora da instituição, a lista de espera ultrapassa as cinquenta crianças. “Eu abri um formulário no nosso site para inscrição, em Março, e tenho 34 inscrições submetidas, destas 34 vão entrar 2 crianças, que já têm irmãos a frequentar a instituição”, explicou Cristina Figueiredo. Encontrar uma vaga a meio do ano ou depois do berçário torna-se impossível, uma vez que os bebés que entram com apenas alguns meses de vida têm tendência a continuar na creche, nos anos seguintes. “Temos tido desde Março uma afluência de inscrições, porque a situação pandémica está a melhorar e querem começar o próximo ano lectivo já na creche, o que se torna impossível encontrar uma vaga nesta altura”, referiu, salientando que, neste momento, já está aceitar inscrições para Setembro de 2022. Planear um filho é também planear a creche. Tendo em conta esta realidade, os pais são obrigados a inscreverem os bebés, enquanto ainda estão na barriga da mãe. “Neste momento, pela realidade que conheço também de outras instituições, encontrar uma vaga para creche é quase como acertar no euro milhões”, afirmou. Esta situação tem sido reportada à Segurança Social, que muitas vezes é quem pede às instituições para arranjarem vagas. “Mesmo a própria Segurança Social liga- -me para ver se eu consigo uma vaga e eu só respondo que eles têm perfeita noção de que não temos vagas”, afirmou Cristina Figueiredo, explicando que há condições para ter mais uma sala na instituição e assim abrir mais vagas, mas a Segurança Social não faz mais acordos de cooperação, o que se torna insustentável economicamente para a Cáritas suportar os vencimentos que isso implicaria. “Estamos a falar de mais uma educadora e uma auxiliar, são mais dois vencimentos. Será que as mensalidades de dez crianças ou treze numa sala pagam dois vencimentos? Não pagam”. Outro dos problemas está também na qualidade do serviço prestado, já que os recursos humanos exigidos pela lei parecem não ser suficientes para cuidar de tanta criança, segundo a directora da Cáritas. “É humanamente impossível fazer um bom trabalho, prestar cuidados que são tão delicados a crianças tão pequenas, duas pessoas conseguirem fazer esse trabalho na perfeição. Nós cumprimos o mapa de pessoal, mas temos mais recursos afectos às salas”, disse. Mas a dificuldade em arranjar creche pode ser um entrave à fixação de pessoas? Cristina Figueiredo entende que sim. “Eu todos os dias recebo pessoas a perguntar se temos vagas, pessoas que vêm até de outras cidades e que se querem mudar para cá e não encontram creche”. Em Mirandela, como já é de esperar, também não há vagas. Vejamos o caso da Santa Casa da Misericórdia, que tem duas creches, a Miminho, com 88 crianças, e a Arco-Íris, com 54. “Para este ano não há vagas. No infantário Arco-íris, para o próximo ano lectivo, depois de completar a creche, depois de esgotar a capacidade, temos até ao momento dois bebés em lista de espera, 4 bebés de um ano e na sala de dois anos, neste momento não há lista de espera. No infantário Miminho temos um bebé em lista de espera, 9 crianças de um ano e 8 crianças de dois anos”, avançou o provedor, Adérito Gomes. Segundo o responsável por esta instituição, a lista de espera está relacionada com “crianças de idade mais baixa” e para o ano pode até aumentar. “A lista de espera mantém-se constante de ano para ano, mas eu acho sinceramente que para o ano vai ser maior, porque no infantário Arco-íris não há crianças de dois anos em lista de espera o que eu acho estranho e ainda vão aparecer”, referiu. Para o provedor, este não é um problema local, mas nacional, que estará relacionado com o facto de a creche não ser ensino público. Um problema que pode mesmo traduzir-se num “drama social e familiar”. “Os pais mostram o seu desalento e preocupação. Porque quando a mãe chega ao fim da licença de maternidade e não tem onde deixar a criança, é um drama familiar, um drama social, porque só tem uma opção, que é desistir do emprego”, disse. Mas quando a questão é se há a possibilidade de aumentar as infra-estruturas, a baixa natalidade na região fala mais alto. Segundo Adérito Gomes, apesar de esta ser uma realidade que se arrasta há anos, o facto de não haver garantias de que no próximo ano haverá procura, põe de parte a intenção de aumentar as instalações. Já nos concelhos com menos densidade populacional, como é o caso de Vinhais, nem sempre há listas de espera, mas nem por isso ficam por preencher todas as vagas. Segundo o provedor da Misericórdia, a creche tem capacidade para 40 crianças e as vagas para o próximo ano já estão preenchidas. Quer isto dizer, que se entretanto nascer um novo bebé no concelho, ficará em lista de espera. António Rodrigues considera que neste concelho ainda há muitas famílias a recorrer ao método tradicional: deixar os filhos com avós ou familiares. “De há 10 anos a esta parte, deixou de haver lista de espera. Agora há 20 anos havia uma lista de espera bastante grande. Nós não tínhamos capacidade para dar resposta a todos”, concluiu. Já na Misericórdia de Alfândega da Fé, que tem capacidade para 41 crianças, 33 em acordos de cooperação com a Segurança Social, também há crianças em lista de espera. Neste momento há cinco crianças que aguardam vaga e que só entraram no próximo ano lectivo, que começa em Setembro. A inscrição já foi feita há pelo menos dois meses e a ter que esperar até Setembro são pelo menos cinco meses de espera. Segundo o provedor, Carlos Pousado, as vagas para o novo ano lectivo também já estão todas preenchidas, apesar das inscrições ainda estarem abertas. “Não está ninguém em espera para o próximo ano lectivo, mas como podem fazer a inscrição até ao final do corrente mês, podem ainda surgir mais pedidos. Se surgir mais algum pedido não temos capacidade de resposta”, afirmou, acrescentando que se está a tentar encontrar uma solução em articulação com a câmara municipal e junto da segurança social, na eventualidade de surgir algum pedido para o qual não tenham resposta. Quanto à possibilidade de aumentar as instalações, Carlos Pousado disse que as obras não dão uma “resposta imediata” e as famílias “precisam também dessa resposta imediata quando surge essa necessidade”. “Teríamos que avaliar também outras vertentes, nomeadamente a financeira. Mas há a incerteza dos nascimentos, o que pode implicar até nem ocupar as actuais salas a 100%, em momentos posteriores, como já aconteceu no passado”, concluiu. O Jornal Nordeste contactou a delegação distrital da Segurança Social, que se mostrou disponível para fornecer o número total das vagas e listas de espera no distrito, mas devido à falta de aprovação da direcção nacional não foi possível obter qualquer informação. Também o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social foi contactado e também não respondeu.

Jornalista: 
Ângela Pais