“Encontrámos uma situação difícil, preocupante e bastantes surpresas”

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Ter, 23/11/2021 - 11:47


Nuno Ferreira, de 40 anos, é o novo presidente da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta. O socialista sucede a Maria do Céu Quintas, que governou o concelho nos últimos oito anos. Já a tinha defrontado nas eleições de 2017, mas perdeu, tendo aceitado, à época, o cargo de vereador da oposição. Agora, mais precisamente em Setembro, os freixenistas deram-lhe a vitória. Passado pouco mais de um mês da tomada de posse, Nuno Ferreira falou ao Jornal Nordeste sobre o estado em que encontrou a “casa”. Garante que vai resolver os problemas que herdou e assume que quer colocar o concelho na senda do desenvolvimento

Em que situação lhe foi entregue a câmara? Pelo que divulgou aos freixenistas, num documento acerca da situação da autarquia à data da tomada de posse, 13 de Outubro, a câmara tinha um saldo de 15 mil euros. Como é que se pagam os encargos mensais que existem só com este valor?

Quando chegámos à autarquia, efectivamente, o que estava nos cofres eram 15 mil euros, depois caiu o FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro) e claro que o valor subiu. Mas isto foi o que nos foi transmitido pela contabilidade. Não inventamos números. A título de exemplo, estivemos nas diversas tomadas de posse nas juntas de freguesia e a Junta de Freguesia de Ligares tinha, quando se tomou posse, 70 mil euros. Há juntas que têm mais dinheiro que a câmara municipal. Encontrámos uma situação difícil, preocupante e bastantes surpresas. Depois de 30 dias de governação, elaborámos um documento para informar a nossa população acerca da situação em que encontrámos a câmara e é com esse preceito que queremos trabalhar, dando a saber o que acontece. Se queremos que o município vá adiante temos que dar o exemplo e esse exemplo parte do executivo. Queremos pôr Freixo num patamar, a nível nacional, de excelência. Não vamos chorar sobre aquilo que encontrámos. Temos demasiadas adversidades para serem ultraEntrevista a Nuno Ferreira, presidente da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta passadas mas iremos transformá-las em oportunidades. Gostaríamos de ter encontrado uma situação estável à data da tomada de posse, mas não é o caso. Encontrámos uma situação com muita falta de transparência. Deparámo- -nos com situações tão inusitadas como dever quase 100 mil euros às bombas de gasolina da vila. Mais inusitado é termos uma dívida para com uma firma de advogados no valor de 600 mil euros. Freixo não tem nenhum processo judicial de grande envergadura para se gastar este dinheiro. Agora, temos estes problemas por diante, temos que os resolver. Já encetámos as negociações para começar a saldar as dívidas. Fizemos também um levantamento exaustivo sobre quantos prestadores de serviços estavam aqui a trabalhar. Identificámos 93 pessoas a recibos verdes. É uma factura mensal de mais de 70 mil euros. É incomportável para uma câmara desta dimensão. Só a despesa com o pessoal são mais de três milhões de euros. Não podemos ter quase 200 funcionários nos quadros e outros 100 a recibos verdes. Estava a pôr-se em causa o vencimento dos funcionários da câmara e até tivemos que alterar uma rubrica para poder pagar o vencimento do mês de Novembro porque não havia dinheiro na conta, na rubrica alocada para pagamento de vencimentos.

Como se arruma uma casa que se encontra assim?

Vai ser um trabalho difícil mas será prazeroso. Como já disse, na adversidade temos que ver a oportunidade. Neste momento, estamos focados em três pontos-chave: levantamento de toda a realidade de dívida existente, aquilo que iremos negociar e que é possível negociar e, por fim, estabelecer um plano de financiamento, quer a curto, médio e longo prazo, para a pagar. Há negociações difíceis. Algumas já começámos, como é o caso das dívidas à Águas do Interior Norte, cerca de 177 mil euros, à sociedade de advogados e às bombas de gasolina. Queremos ter credibilidade junto da banca e dos credores. Pretendemos, num futuro próximo, pagar, no máximo entre 30 a 60 dias e não como acontecia, pagar a mais de um ano. Acho que temos que ter a noção que não podemos dar um passo maior que a perna. Vamos elaborar um orçamento, até ao final do ano, composto pelas premissas que este executivo pretende realizar em 2022. Uma situação como esta leva-se com seriedade e transparência. Não podemos governar uma câmara com o desgoverno que havia. Queremos dar condições de trabalho aos funcionários da câmara e aos próprios prestadores de serviços. Queremos contratos escritos e que se saiba quem faz o quê. Nós tínhamos situações como a de uma técnica de higiene e segurança no trabalho que estava alocada ao gabinete de contabilidade. Eu quero que os funcionários da câmara voltem a ter orgulho de aqui trabalhar. Temos que pôr a equipa a remar para o mesmo lado. É assim que queremos trabalhar e se vai arrumar a casa. Temos que saber onde vamos alocar o dinheiro, renegociar as dívidas e, acima de tudo, chamar aqui quem devemos dinheiro, mostrando a realidade. Mas posso ainda dizer que tivemos a amável surpresa de, à data de 30 de Junho, a dívida total do município era de 12 milhões de euros. Agora estamos a fazer o levantamento, para perceber na realidade de quanto é. Sabíamos ainda, para já, que a dívida a curto e médio prazo a fornecedores era de um milhão e trezentos mil euros, mas tivemos mais uma surpresa... afinal ascende a mais de dois milhões de euros. Isto é gravíssimo e mostra bem o desgoverno que ia na parte financeira desta autarquia. A título de exemplo, só em avenças com publicidade, havia aqui contratos feitos de boca, não havia nada escrito, que perfaziam um total de mais de 22 mil euros por ano.

Disse que iria pedir uma auditoria às contas. Como está esse processo?

Eu disse que iria pedir uma auditoria e realmente é o que vamos fazer. Estamos, neste momento, internamente, a recolher todos os elementos. Havia um gabinete de auditoria neste município que estava encostado. Pusemo-lo a trabalhar connosco. Assim, agora está a ser levada a cabo uma auditoria interna, por parte deste gabinete. Quando este trabalho estiver concluído, iremos levar a reunião de câmara e à assembleia municipal a proposta, para ser votada.

Já admitiu que, consigo no comando, Freixo iria entrar na rota do desenvolvimento. Isso passa pelo quê e como se chega lá? Que mudanças são necessárias?

Freixo é um diamante em bruto por lapidar. Temos que nos concentrar em dois factores: agricultura e turismo. Parte-se para o desenvolvimento e progresso aliando estes dois sectores. É necessário dar a conhecer a quem nos visita o que de melhor temos para oferecer. Fazemos parte do Douro, temos vinhos excelência, paisagens únicas, história... Posso desde já dizer que estamos a trabalhar em conseguir fazer uma geminação com Nagasaki, no Japão. Também vamos reunir com a embaixada da China que, até ao final do ano, também prevemos reunir para falar sobre a rota da seda. Ainda no que toca ao turismo, posso também dizer que nos vamos candidatar aos caminhos de Santiago. Outra das coisas que já fizemos foi, na semana passada, reunir com a empresa Scenic Tours, que tem navios de luxo, que param em Barca d’Alva. Os turistas seguem para Salamanca mas queremos captá-los. Em vez de irem só para Espanha passam também em Freixo. Iremos ainda reunir com a Cruise Europe e com todas as embarcações que ali param. É um turismo sénior que nos interessa, que tem dinheiro. Nós temos produtos de qualidade, experiências únicas e visitas ímpares. Temos o Museu da Seda e do Território, a nossa igreja, a torre heptagonal, o castelo, cuja obra de requalificação já mudámos, a Congida, a Rota dos Miradouros, Penedo Durão, temos certames, que vão começar também a acontecer nas nossas freguesias, que precisam ser dinamizadas, já que uma das nossas premissas é ir a cada uma delas uma vez por mês. É assim que vamos desenvolver e progredir. É assim que as pessoas terão vontade de aqui vir.

Falando de turismo, aparentemente a seda de Freixo não está certificada. O que é nos consegue dizer sobre isso?

Para quem me antecedeu, que propagava tanto a seda e que fazia mil e uma coisas, qual não é a nossa surpresa quando vemos que a seda afinal não estava certificada. Nós queremos divulgar a seda ao máximo, por isso é que queremos reunir com a Embaixada da China. Não queremos pedir nada, apenas mostrar o que temos para oferecer, estabelecer parcerias. É assim que queremos valorizá- -la e criar canais de divulgação para o mundo. A seda será uma forte aposta deste executivo. Já deslocámos até mesmo as tecedeiras e tudo que é inerente à seda para o edifício principal do museu. Vamos também substituir a informação que lá existe, que já estava degradada, e colocá-la em inglês, além de português.

Disse, ao longo da sua campanha, que queria aqui implementar o ensino secundário profissional. Como está esse processo?

Esta será já uma realidade em 2022. Esse processo está a ser negociado com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) de Vila Real. Serão três ou quatro áreas que aqui se implementarão, de acordo com as características de Freixo, nomeadamente agricultura, turismo, sector vinícola, cozinha, entre outros. Já tivemos uma reunião com o director-adjunto do IEFP de Vila Real e ficou já acordado que, a partir de Janeiro, iremos dar nota disso, da abertura de cursos. Todos os alunos que vierem para aqui estudar serão pagos. Mesmo os que se deslocam de fora, de outros concelhos, terão direito, além da habitação, a esse mesmo dinheiro. Vamos aliar dois preceitos fundamentais: conseguir que os nossos alunos fiquem em Freixo de Espada à Cinta, onde vão ter oportunidades credíveis e viáveis, e aqueles que queiram ingressar no ensino superior vão poder ter aqui oportunidade de o fazer.

Também manifestou intenção de retirar o município da empresa Águas do Interior Norte. Porquê?

Assumi, sem nenhum pudor, que queremos sair da Águas do Interior Norte (AdIN) e queremos sair por vários motivos. Os benefícios para a população de Freixo, desde que entrámos na AdIN, foram zero. As facturas são muito mais elevadas. Uma factura que antigamente custava 20 ou 30 euros agora custa 80, 90 ou 100. É incompreensível. Além disso, à entrada do município na AdIN, havia uma componente que ditava que a empresa teria que aqui fazer investimentos, durante cinco anos, em cerca de 2,3 milhões de euros. Aquilo que agora sabemos é que, nos primeiros dois anos que já passaram, nada foi investido. Além de não terem sido investidos os cerca de 700 mil euros que correspondiam a esse período de tempo, também não foram construídas as ETAR’s previstas para Mazouco e para Poiares. Neste momento, já reunimos com o presidente do conselho geral da AdIN. Transmitimos as nossas preocupações e começámos a encetar as negociações para a nossa saída da empresa. Isto é uma decisão política e responsável que irá ser tomada. Não vamos sair da AdIN já amanhã, isso posso garantir, porque estamos num processo negocial e temos que perceber quais são os custos que teremos que assumir com a saída e quais as vantagens de saída. Temos que saber, acima de tudo, que as vantagens serão imensas desde que se defenda a população e que não se voltem a pagar facturas exorbitantes. Vamos participar, em Dezembro, numa reunião de assembleia geral da AdIN onde iremos falar disto. Quem me elegeu foi a população e não a AdIN. Não estou aqui por interesses pessoais estabelecidos no passado. Também quero dizer que quem criou este problema das águas não foi apenas a empresa. Foi a minha antecessora que, nos dois anteriores mandatos, deixou de cobrar, durante algum tempo, a água aos munícipes. Com essa atitude, antes da entrada na AdIN, uns pagavam e outros não. Sabemos que, com isto, estão mais de 300 mil euros para receber de água. E não, não vai ser fácil recebê-los. Sabemos ainda que, num primeiro momento, Freixo de Espada à Cinta tinha 3% do capital da empresa e entrou com 14 mil euros e algumas infraestruturas. Num segundo momento passou a ter 6% e agora vai voltar a ter 3. Andamos aqui a brincar às percentagens por erros criados no passado. É um processo que está a lesar o município. A partir do momento que tocam nos nossos munícipes, quem sai lesado é também o município.

O que será feito no campo da saúde, sendo que, em campanha, prometeu que se iria bater pelo alargamento do horário de atendimento do centro de saúde?

Essa questão já começou a ser tratada. Antes da campanha reunimos com o presidente da Unidade Local de Saúde (ULS) do Nordeste, que nos mostrou abertura para o fazer. Pretendemos alargar por mais duas horas, o horário da consulta aberta ao público. Ou seja, até à meia noite. Temos que ter a noção que o concelho está longe dos hospitais centrais do distrito. Estamos a cerca de uma hora de Mirandela, mais de uma hora de Macedo de Cavaleiros e a uma hora e quarenta e cinco minutos de Bragança e de Vila Real, já fora do nosso distrito. Já reunimos novamente, na semana passada, com a direcção da ULS do Nordeste. Queremos reunir, no futuro, com o secretário de Estado da Saúde para manifestar essa mesma preocupação, porque o Governo tem que ter um papel fundamental na defesa da sua população no que à saúde concerne. Temos outros acordos a estabelecer com a ULS do Nordeste. Brevemente, até ao final do ano ou começo do próximo, iremos estabelecer uma linha telefónica de atendimento e triagem para os nossos munícipes. Também temos pensado, e vamos acordar isto com a ULS do Nordeste, a quem o propusemos já, reactivar a sala de fisioterapia no centro de saúde. Terá que ser um protocolo a estabelecer também com a Santa Casa da Misericórdia de Freixo, que tem excelentes profissionais na área da fisioterapia. Desta forma, os nossos munícipes deixarão de ter que se deslocar a Mogadouro, Macedo, Bragança ou Mirandela. Jamais teremos pena de investir dinheiro na saúde e na educação.

Jornalista: 
Carina Alves