Distrito desconfina mas Miranda do Douro ficou para trás

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Ter, 04/05/2021 - 10:13


As fronteiras terrestres entre Portugal e Espanha voltaram a abrir no sábado, depois de terem sido encerradas em Janeiro

Esta foi uma das medidas tomadas na quarta fase de desconfinamento, que estava previsto começar a vigorar ontem, segunda-feira, mas que foi antecipada para o fim-de-semana. O concelho de Miranda do Douro, ao contrário dos restantes 11 do distrito, não avançou para esta última etapa de desconfinamento, já que ultrapassou o limite de 120 casos por cem mil habitantes, em 14 dias. Os mirandeses continuam assim sujeitos às medidas que tinham desde o dia 19 de Abril. Nesta situação, além de Miranda estão outros dois concelhos no país, Paredes e Valongo, e neles permite-se a abertura de todas as lojas e centros comerciais, restaurantes, cafés e pastelarias até às 22h30, nos dias de semana, mas apenas até às 13h durante o fimde-semana. Os concelhos que avançaram para a quarta fase de desconfinamento estão numa situação de maior alívio, até porque uma das maiores diferenças é que a restauração e o comércio, ao fim-de-semana, já não estão obrigados a encerrar as portas às 13h00. As lojas e centros comerciais vão poder estar abertos até às 21h00 durante a semana e até às 19h00 aos fins-de-semana e feriados. Já os cafés, pastelarias e restaurantes vão passar a poder estar abertos até às 22h30m, com máximo de seis pessoas por mesa no interior e de dez na esplanada. Os espectáculos culturais também se podem realizar até às 22h30m. Casamentos e baptizados podem ter lotação de 50 por cento, ao contrário de quem ficou para trás, que tem os eventos reduzidos a 25 por cento na lotação. Os ginásios, nos concelhos em que se seguiu em frente, também podem voltar a realizar aulas de grupo. E ainda no que toca ao desporto, as modalidades desportivas vão poder voltar todas a cumprir-se.

Fim-de-semana desanimador para Miranda do Douro

Sábado e domingo voltou a ouvir-se falar espanhol pelas ruas de Miranda do Douro. Os espanhóis voltaram a passar a fronteira para visitar a cidade, onde compram e comem. Os vizinhos espanhóis representam a maior fatia dos visitantes e consumidores, mas, para os empresários, foi um sentimento desolador não se ter as portas abertas aos espaços para os receber. Esta obrigatoriedade de, ao fim-de-semana, encerrar ao começo da tarde é, sobretudo, um murro no estômago para quem gere restaurantes. Fechando portas às 13h00m lá se foi o lucro com os jantares e mal dá sequer para almoçar, até porque os grandes clientes têm hábito de comer mais tarde que os portugueses. Dora Dias é proprietária do restaurante O Mirandês e passou parte da manhã de sábado à porta do espaço, na ânsia de ver os espanhóis entrar. “Este fim-de-semana seria uma lufada de ar fresco para a economia local, mas com esta situação Miranda sofre”, começou por dizer. A abertura de fronteiras vêa como uma espécie de “presente envenenado”, já que não há grande tempo para atender os vizinhos, que agora retornam. A proprietária do restaurante contou que, ao longo da semana passada, foi contactada por vários espanhóis, que lhe perguntaram a que horas encerraria. Com a resposta já meia certa naquela altura, apesar de certezas ainda não haver, Dora Dias recebeu vários nãos. “Pedimos que viessem o mais cedo possível, mas, muita gente nos disse que, assim sendo, preferiam ir noutra altura”, assinalou. A empresária, que garante que “sem os espanhóis, Miranda desce a pique”, lamenta que no fim-de-semana pouco ou nada desse para aproveitar, espera que o próximo seja diferente e que o Governo permita que o concelho siga, finalmente, em frente. Os cafés também não estão a viver grandes dias. Raul Silva é proprietário de um na parte velha da cidade, o Arcadia. Apesar de não ser “justo” fechar tão cedo, diz que “é preciso compreender que a situação não está normalizada”. Assim, acredita que o mais sensato é “esperar” algum tempo, esperando que seja só mais uma semana. “Abrir as fronteiras, as pessoas virem e não estarmos abertos também não é nada bom, mas temos que aceitar”, rematou ainda, frisando que “o modelo de contagem não está bem feito”. Paloma Sanchez também tem um café. É espanhola e está em Miranda a fazer vida há vários anos. Conhecendo os espanhóis como conhece, não tem dúvidas: a cozinha do café nem vale a pena abrir. Ali serve pequenas refeições à moda de Espanha, mas pouco serve estar a sujar loiça. “Os espanhóis costumam almoçar tarde e nós temos que fechar às 13h, que é quando eles começam a vir. Até que nos deixem fazer o trabalho normal não começamos a trabalhar”, assinalou. As vozes de protesto também se fazem ouvir entre os comerciantes, já que têm o mesmo horário para cumprir. Abrir fronteiras “é uma esperança”, mas trabalhar só de manhã, para José Mesquita, “é triste”. Tem uma loja de malhas e está com receio do que será o futuro até porque “Miranda não vive só de espanhóis mas sim de todos quantos passam por aquela fronteira” e “é preciso perceber com que predisposição estas pessoas vêm para comprar e sequer se vêm como antes vinham”. Isabel Ramos, que trabalha num loja de confecções, há cinco anos, tem o mesmo sentimento. “colocamos muitas coisas que temos para vender cá forma mas nem vale a pena porque dali a bocadinho temos que recolher tudo. É muito pouco tempo, quase não dá para fazer negócio”. Assinalando que quase nem compensa estar de portas abertas nesta circunstancias também acredita ser injusto que Miranda esteja a passar por esta situação por causa de meia dúzia de casos em Palaçoulo.

“Pequena vingança de Lisboa”

César João, presidente da Associação Comercial e Industrial de Miranda do Douro, mostra-se perfeitamente solidário com quem sofre com as regras e diz que a situação é “desalento”. “Depois de três meses de espera pela abertura da fronteira, quando ela finalmente abre, mando-nos fechar a porta... parece uma pequena vingança de Lisboa para com os mirandeses”, assinalou, frisando que espera que “a situação se inverta rapidamente”. Além das regras que ditaram um fim-de-semana desastroso, César João teme que muitos estabelecimentos encerrem de vez. “Tem havido alguns apoios, que de forma nenhuma chegam para suportar a estrutura de custos das empresas. Há estabelecimentos que estão fechados e que não sabemos se vão abrir. É expectável que haja alguns, na área da restauração e comércio, que não voltem a abrir”, explicou. Para o presidente da associação também as regras que colocaram Miranda nestes termos “não servem”. “A taxa de incidência de casos era medida em 14 dias e foi descido para sete. Reconheceu-se que algo estava errado. Tem que haver um controlo ainda maior a nível temporal. Não se pode parar um concelho por causa de casos de há duas semanas”, terminou César João.

Autarca quer revisão da fórmula de risco

O presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro contesta mais uma vez a fórmula de cálculo de risco de contágio e pede que seja revista. Artur Nunes diz que o travão no desconfinamento aplicado no concelho é injusto. “A avaliação foi feita com base em números de cerca de seis pessoas [infectadas]. Todo o concelho fica prejudicado, acho que não é justa esta avaliação que é feita e esta medição. Mas estamos a falar de uma fórmula que prejudica claramente os pequenos municípios”, refere. O autarca já transmitiu ao governo a insatisfação com a situação e pediu mesmo que a fórmula seja reavaliada, até porque as fronteiras já reabriram. “Se por um lado não passamos à fase seguinte, por outro abrem-se as fronteiras. É esta avaliação que deveria ser feita, libertar-nos para passar à fase seguinte. É isso que estamos a pedir ao governo, que reflita e liberte Miranda para a nova fase”, referiu. Miranda do Douro foi um dos oito concelhos impedidos de avançar para a quarta fase de desconfinamento. A situação vai ser reavaliada ainda esta semana pelo Governo.

Jornalista: 
Carina Alves/Olga Telo Cordeiro