Confederação Nacional de Agricultura exige que Governo declare situação de seca na região

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Ter, 16/05/2023 - 09:45


Parte do território está em seca moderada mas ficou para trás

O Ministério da Agricultura e da Alimentação reconheceu, na semana passada, a situação de seca severa e extrema em cerca de 40% do território nacional e, por isso, aprovou medidas de combate à seca e de apoio ao investimento nas explorações agrícolas. Contudo, a região fica de fora desse panorama de ajuda. E a verdade é que neste território, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), não há nenhum ponto nem em seca severa nem extrema. Apenas moderada. Ainda assim, há concelhos a ser ajudados e que estão em situação idêntica à da região.

O fenómeno climático adverso de seca severa ou extrema é reconhecido, segundo um despacho assinado pela Ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, nos distritos de Évora, Beja, Faro, Portalegre, Santarém e Setúbal, mas nem todos estes estão nessa situação. Assim sendo, não se compreende porque é que o distrito fica de fora da ajuda, já que uma grande parte dos concelhos de Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela, bem como uma pequena percentagem do de Vimioso, estão em seca moderada. O mesmo acontece, por exemplo, com Castelo Branco. O distrito tem parte do território em seca moderada mas não integra a lista do Governo.

O distrito não foi incluído numa declaração que permite a aplicação de um conjunto de medidas como o pastoreio em áreas de pousio antes de 31 de Julho, flexibilização da alimentação dos animais em Modo de Produção Biológica, alargamento do intervalo entre partos e a percentagem máxima de novilhas na intervenção PEPAC de pagamento à vaca em aleitamento. 

“Também no âmbito do Pedido Único, passa a ser possível que as terras em pousio sejam pastoreadas ou utilizadas para colheita, com excepção do milho, soja ou talhadia de curta rotação, e que, nas várias intervenções que preveem o encabeçamento mínimo de 0,2 Cabeças normais/ha, seja permitido o valor de 0,1 CN/ha de superfície forrageira”, lê-se ainda no despacho do Governo.

Este documento destaca ainda as “diversas medidas” disponibilizadas em 2022, no âmbito do PDR 2020, para “apoio ao investimento” nas explorações agrícolas. “A sua execução decorre em 2023 e 2024, garantindo reflexos no aumento da resiliência ao fenómeno da seca”, lembrando, por exemplo, o Governo, do apoio para construção de charcas, para reforço da eficiência no uso de recursos/agricultura de precisão, para instalação de culturas permanentes tradicionais e para instalação de painéis fotovoltaicos, num montante disponibilizado que ronda os 160 milhões de euros.

A adopção deste conjunto de medidas está agora dependente da “luz verde” de Bruxelas.

 

Da mais “elementar justiça” integrar território na declaração

Quem não compreende em que se baseou o ministério para criar esta declaração, deixando de fora Trás-os-Montes, é o dirigente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA). Vítor Rodrigues disse que era da “mais elementar justiça” e seria também “urgente” que se estendesse a declaração aos territórios transmontanos, de forma a “mitigar” os danos, que “já são irreversíveis”. “O ideal era dar algum alívio aos agricultores, através das medidas que é possível pedir a Bruxelas e de subsídios, que podem fazer com que a situação possa ser menos grave e desesperada”, esclareceu.

Vítor Rodrigues esteve, na semana passada em Mogadouro, para uma visita a explorações agrícolas naquele concelho, percebendo os “danos já visíveis provocados pela seca”. Esclareceu assim que a confederação veio “constatar” uma situação que já lhes fora relatada e pensam ser “extensível a toda a região de Trás-os-Montes”, em particular ao Planalto Mirandês. “Apesar de o território não estar, oficialmente, em situação de seca severa ou extrema, o IPMA tem divulgado que há um teor de água no solo extramente baixo e já se verificam os efeitos nefastos dessa situação, nomeadamente nas searas, que não cresceram e que, algumas, não vão ser cortadas, outras vão ser dadas para pastoreio para gado”, afirmou o dirigente da CNA, que considera, por isso, que o território tem que ser visto da mesma forma que os outros pelo Ministério da Agricultura.

A falta de pasto, com vários lameiros “ressequidos”, é alarmante, já que é o segundo ano de seca e, por isso, “as pessoas já não têm reservas”. “Espanha também está nesta situação e não tem palha para vender aos portugueses, deste lado, tal como no ano passado”, rematou Vítor Rodrigues, que disse que “há um certo pânico por parte dos criadores de animais” porque “as suas alternativas estão a esvair-se”.

O dirigente da CNA esclareceu ainda que um outro dirigente, na semana passada, expôs situações semelhantes a esta à Ministra da Agricultura e Alimentação e que a sua resposta “foi zero”. Ainda assim, o que Vítor Rodrigues ouviu em Mogadouro servirá para juntar a mais testemunhos e cenários, de forma a poder perspectivar outro tipo de iniciativas de “maior força” para se “resolver o problema”.

Refira-se que, segundo o dirigente, no Planalto Mirandês, “a situação mais desesperante é a dos animais, pastos e forragens” porque “já não há nada a fazer”. “Mesmo que agora chovesse, de forma regular, durante alguns dias, essa chuva só iria ser benéfica para as culturas permanentes”, explicou, dizendo, ainda assim, que, quanto a essas culturas, a que inspira mais cuidado será a do olival.

 

Muitos criadores optam por vender animais

Carlos Lopes, dirigente da Associação para o Desenvolvimento Agrícola e Rural das Arribas do Douro (ADARAD), também está receoso com o cenário que já tem à frente.

A entidade tem cerca de mil associados, entre criadores de animais e agricultores com culturas permanentes, como olival, amendoal e pistacho, de Mogadouro, Vimioso e Miranda do Douro, e não há muitos que estejam em bons lençóis. “Os agricultores estão com um dilema: não sabem o que fazer. Não vão ter forragens, a produção vai ser muito reduzida”, assinalou, dizendo ainda que “há muitos criadores a desistir da actividade ou a vender os animais” porque “não há comida para lhes dar” nem “grandes perspectivas de onde a arranjar”.

O ano passado foi “dramático”, de seca extrema, mas havia algumas reservas, no que às forragens diz respeito. “Este ano perspectivava-se que houvesse forragens, mas isso não aconteceu. Por isso, este ano é pior que o passado”, sublinhou.

Carlos Lopes, que também é agricultor, dedicando-se ao olival, vinha e amendoal, lamenta que o único apoio que o ministério dá ao agricultor seja “aquilo que vem da Comunidade Europeia”. “Do Orçamento do Estado não sai um cêntimo para o agricultor. Essa é a verdade. A única coisa que recebemos são as ajudas da PAC, que lhe temos direito, por lei”, esclareceu.

Perante o despacho do Ministério da Agricultura, que esquece Trás-os-Montes, o dirigente da ADARAD considerou que os apoios, sejam eles quais forem, não estão a ser muito bem distribuídos. “O distrito de Bragança está em seca como está o Sul do Alentejo e ficámos de fora de apoios que possam vir a ser concedidos pelo ministério ou pela própria Comunidade Europeia. Claro que estamos preocupados”, terminou, rematando que “uns são filhos e outros enteados”.

Jornalista: 
Carina Alves