Bombeiro voluntário: espírito de missão mas também crescimento pessoal

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Qua, 06/10/2021 - 11:00


Maria José João tem 21 anos e é das bombeiras voluntárias mais novas da Associação Humanitária de Bragança. Já João Alves faz parte da corporação há 19 anos. O testemunho de dois bombeiros que querem ajudar os outros e aprender mais com aqueles que os rodeiam

A farda já é conhecida e são poucos os que não identificam um bombeiro. Não só pelo traje, mas também pelo espírito. Mas afinal, o que é ser bombeiro voluntário? É dar sem receber nada em troca? É estar à disposição da sociedade? Ou é ajudar os outros? Para os que têm alma e coração de bombeiro é muito mais que isso. Maria José João tem apenas 21 anos e a sua profissão nada tem a ver com prestar serviço à comunidade. Lida com números diariamente, mas é nos tempos livres que se sente mais útil. Ser bombeira voluntária era algo que já queria há algum tempo, pela “curiosidade” e pela “experiência” que isso acarreta. Mas foi a pensar nas pessoas que decidiu ser bombeira voluntária da corporação de Bragança. Por enquanto é ainda “estagiária”, já que tem um ano de formação pela frente, mas nem por isso deixa de ir para o terreno para perceber como as coisas funcionam. “Já me deixaram ir para um incêndio urbano, mas fiquei só a ver, mas nos INEM, serviços de emergência, eu já posso participar um bocado, ajudá-los, perceber os procedimentos”, contou. Apesar de estar há quase dois anos na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Bragança, a pandemia afastou-a do quartel e só agora está a dar continuidade à formação. Contudo, o pouco tempo de serviço, já a fez perceber o que mais a fascina. “O que gosto mais é de serviços de emergência, porque saímos daqui e nunca sabemos o que esperar. Às vezes temos uma informação e chegamos ao terreno e é uma coisa completamente diferente. Temos que estar preparados para tudo e eu gosto bastante disso”, referiu. A jovem voluntária acredita que aquilo que está aprender não é útil apenas em serviço, mas também no dia-a-dia, não fosse já ter utilizado os conhecimentos, que adquiriu nos bombeiros, para ajudar o irmão. “As formações que temos aqui são importantes para todas as pessoas. Há coisas que eu já usei fora do meu horário. Por exemplo o meu irmão desmaiou e eu pensei ‘nos bombeiros aprendi que devia fazer este procedimento’ e então antes de chegar lá o INEM eu já estava a ajudá-lo para o tentar estabilizar”. Mas enganam-se aqueles que pensam que ser bombeiro é apenas dar, porque a verdade é que muitas vezes saem mais ricos do que quando entram. E Maria José João é a prova disso. “Além de aprender, ajuda-me a crescer, porque quando venho para aqui, sei que vou fazer uma coisa interessante, sei que vou ajudar alguém. Sei que venho gastar o meu tempo de forma útil. Sinto-me bem e é uma sensação boa quando saio daqui a pensar que ajudei pessoas, ‘eu estava lá, eu dei o meu melhor, eu conseguir fazer isto’. É óptimo”, salientou, acrescentando que ser bombeiro influência na forma como se “vê o mundo” e na “maneira de estar” na vida. A segunda família: é assim que apelidam à equipa com quem trabalham ou prestam voluntariado. Não só pelo tempo passado juntos, mas também pela ligação e pelos ensinamentos, já que é uma corrente de transmissão de conhecimentos. E quem o diz é Maria José João, que se deixa admirar pela forma de trabalhar de cada um e pelos conselhos que lhe são dados. E do outro lado da corrente, está quem tem mais experiência. É o caso de João Alves de 51 anos e que é bombeiro voluntário de Bragança há 19. Foi em 2003, num dos anos com grandes incêndios, que decidiu que devia ajudar os outros e disponibilizar o seu tempo livre para “melhorar a sociedade”. A influência de um amigo também o ajudou a tomar a decisão, mas o gosto que tem pelos bombeiros fizeram-no ficar ano após ano e agora já conta quase duas décadas na corporação. “Como gostei tanto acabei por ficar até hoje. Uma das causas que me fez vir para os bombeiros foi achar que devemos proteger a nossa floresta o mais possível”, referiu. Pode-se dizer que tem dois amores: ensinar e ajudar. É professor em Vinhais, mas nem por isso considera que a sua profissão é uma linha distinta do voluntarismo. “É um complemento. O ser professor é uma vocação, é algo de que eu gosto e que me faz sentir bem junto dos alunos, tenho uma função mais pedagógica. Aqui tenho uma função mais activa, onde a acção está sempre presente e depois também tem a adrenalina”, explicou. Admite também já ter passado por momentos menos bons, até porque tal como as rosas têm espinhos, também ser bombeiro obriga a enfrentar uma realidade da qual nem sempre se está próximo. “Uma vez fui socorrer uns ocupantes de um veículo que tinha tido um acidente e eram dois jovens, um casal espanhol, e já tinham falecido e custou-me imenso constatar esta realidade. Foi a primeira vez que assisti”, contou. Ainda que a experiência lhe tenha ensinando a “relativizar casos extremos” e a manter-se distante, é nesses momentos que muitas vezes reflecte sobre o “valor da vida”. “Nós somos treinados para manter alguma distância e frieza, o problema é que por mais que façamos para manter esse distanciamento há sempre um lado emotivo que nos leva a pensar que podíamos ser nós, ou um familiar nosso. Isso também é bom para nós percebemos o valor da vida humana. Ser bombeiro é humanizar-nos”, destacou. Por isso, João Alves já está a incentivar o filho para que também ele se junte à corporação, visto que considera que é importante que os jovens passem pela experiência de ser bombeiro, porque é uma “óptima escola de vida”, já que aprendem valores, como a liderança e a trabalhar em equipa. E pode-se dizer que a corporação dos Bombeiros de Bragança tem uma família grande, já que conta com 56 pessoas efectivas, 96 voluntários formados e 12 em formação. Mas de acordo com o Segundo Comandante, não é suficiente. Muitos jovens até têm procurado ser bombeiros voluntários, mas pouco tempo depois acabam por deixar a equipa, porque saem do concelho em busca de um futuro melhor. “Ultimamente o que se tem passado é que não temos conseguido fixar pessoas no quadro de voluntários. Não percebemos porquê, deve ser um problema estrutural. O concelho está a perder população”, referiu Carlos Martins. O Segundo Comandante referiu ainda que formam as pessoas, mas que passado “um ano ou dois acabam por ir à procura de emprego e não seguem a carreira de bombeiro voluntário”. “Começa a não haver jovens e acaba por ser frustrante para nós, porque todos os anos formamos 25 estagiários e não vemos o número do quadro a aumentar como nós pretendemos”, disse. Para ser bombeiro voluntário basta ter entre 17 a 45 anos. Durante um ano passam por uma formação, que mais do que teórica é também prática. Primeiramente é ensinado “socorrismo, salvamento e desencarceramento” e depois a formação pode ser alargada a “incêndios urbanos e florestais”, “organização”, entre outras. O voluntariado é prestado ao fim-de- -semana, em horário pós-laboral, durante 24 horas, uma vez por mês. “O nosso grosso de bombeiros voluntários são estudantes do Instituto Politécnico de Bragança, inclusive pessoas de São Tomé, Cabo Verde e que estão cá e cumprem todas as escalas, mas depois acabam o curso e voltam para as suas terras”, referiu. Durante o mês de Outubro, os Bombeiros de Bragança vão ainda visitar escolas e estar próximos dos caloiros que chegaram agora ao IPB para atrair jovens voluntários. Depois da formação completa, podem ainda fazer parte do corpo efectivo dos bombeiros. “Nós temos um grande serviço, que é o transporte de doentes, que tem vindo a crescer. Também temos um serviço que nos ocupa muita gente que é a hemodiálise e é preciso contratar motoristas para conduzir as ambulâncias. No mês passado abrimos um concurso para cinco motoristas, ficaram duas vagas por preencher, ou seja, concorreram três pessoas. Essas três pessoas são dos quadros dos bombeiros voluntários. Abrimos cinco vagas para uma equipa de intervenção permanente e foram completas e abrimos duas vagas para operador de central e foram completas. Só no mês passado abrimos 12 postos de trabalho”, concluiu Carlos Martins.

Jornalista: 
Ângela Pais