Autarcas dizem que Plano de Recuperação e Resiliência é uma “mão cheia de nada”

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Qua, 03/03/2021 - 12:10


A Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes (CIM-TTM) considera que este Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não atende às necessidades e pretensões desta região.

Os autarcas dizem mesmo que é “um atentado à capacidade de resiliência deste território do interior” e que hipoteca o desenvolvimento e futuro dos nove concelhos. Segundo o presidente da CIM, Artur Nunes, “mais uma vez, perdeu-se uma oportunidade de investimento para o nosso território” e vê “uma mão cheia de nada”. O também presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro diz que o mapa de investimentos “é um vazio em termos de propostas para Trás-os-Montes”. “Um plano que se pretende que seja para o futuro, que revitalize a economia e dê resiliência para o futuro, não tem nada ou tem muito pouco”, critica, dizendo que ficaram de fora as promessas em relação a um plano de desenvolvimento para o interior, para a interioridade e para ter Espanha como visão de crescimento da região fronteiriça bem como as propostas feitas pelos autarcas. Das propostas de investimento para a região, apenas a ligação a Vinhais e à Puebla de Sanabria estão incluídas. A CIM lamenta que não tenham sido tidos em conta projectos como a estrada de Vimioso ou a conclusão do IC5. “Vemos uma ligação de Vinhais a Bragança que parece de muito pouco investimento e a ligação de Bragança à Puebla em que não sabemos qual o ponto de situação”. Também na ferrovia não há qualquer investimento previsto para a região do Trás-os-Montes, sendo Bragança e Vila Real as únicas capitais de distrito do país sem acesso. Outro projecto em falta é a criação de um aeroporto regional em Bragança e a reabilitação do Complexo Agro-Industrial do Cachão. Os investimentos em falta foram integrados pela CIM numa proposta de alteração ao plano também apelidado de “bazuca”, que esteve em consulta pública até ao dia 1 de Março.

Autarcas dizem que “bazuca” está direccionada para o litoral

O autarca de Vimioso diz que o Plano de Recuperação e Resiliência foi recebido pela região como um “verdadeiro murro no estômago”. Num fórum da Rádio Brigantia sobre a “bazuca” europeia, Jorge Fidalgo disse não compreender que a ligação de Vimioso a Bragança e à auto- -estrada não esteja incluída nos investimentos previstos para os próximos cinco anos. O presidente espera que se tenha tratado de um esquecimento, porque a obra até já tem o projecto, que custou 350 mil euros, praticamente concluído. “É particularmente incompreensível que não esteja incluída a ligação de Vimioso para Bragança. Do que se trata é uma ponte e dos respectivos acessos, entre Vimioso e Carção, que são cerca de três quilómetros, absolutamente fundamental para ligar o concelho de Vimioso à auto-estrada”, salientou, relembrando que a ligação “é estrutural para o distrito” e “não serve apenas Vimioso”, o que é visível pela “quantidade de ambulâncias de Freixo, Mogadouro e Miranda do Douro que passam diariamente” naquela via. Outro dos projectos deixados de fora é a revitalização do Complexo Agro-industrial do Cachão, nos concelhos de Mirandela e Vila Flor. O autarca deste último concelho, Fernando Barros, afirma que contava com a inclusão do investimento no plano para os próximos cinco anos. “Estamos preocupados e estávamos à espera que estivesse incluído”, afirmou. No entanto, considera que poderá haver outras formas de obter financiamento “Há áreas, relativamente às empresas e a outras actividades, a que ainda nos podemos candidatar”, afirmou. O presidente do município de Vila Flor entende que “o interior está a concorrer com o litoral e fica sempre prejudicado” e acredita que deve haver uma gestão regional deste dinheiro europeu para a recuperação da crise provocada pela covid-19. “Defendemos que haja uma gestão regional, primeiro do Norte, através das CCDR, e das próprias comunidades intermunicipais”, afirmou, sustando ainda que “devia haver programas específicos para o interior”. Segundo a presidente da Câmara Municipal de Mirandela, Júlia Rodrigues, é notório o centralismo na distribuição do investimento. “Apesar da descentralização de competências, o Estado centralizou tudo o que são investimentos estruturantes e a execução do próprio plano. Não sabemos ainda como é que o Estado central, que fica com o grande bolo do investimento público, vai depois operacionalizar com as autarquias”, referiu. A autarca salientou ainda que “a nível das empresas o investimento é menor do que o esperado”.

Uma “desilusão” para o autarca de Bragança

As expectativas eram elevadas no que toca à recuperação do interior, mas rapidamente “se transformaram em desilusão”. O presidente da Câmara Municipal de Bragança afirmou que este modelo de desenvolvimento “não serve” e não promove “o equilíbrio territorial”. Se com a “bazuca” se esperava que o aeródromo de Bragança passasse a aeroporto regional e que Bragança tivesse um acesso à ferrovia, também estas pretensão caem por terra. “A gestão [do plano] é tremendamente centralizada, os fundos praticamente têm o problema de litoralização que temos vindo assistir, ou seja, os grandes investimentos, todos eles, são feitos numa pequena faixa do país próximo do litoral”, salientou Hernâni Dias. Segundo o autarca não faz sentido que o primeiro- -ministro diga que é preciso valorizar o interior, quando na prática, quando tem um “instrumento que lhe permitiria fazer daquilo que se pretende de um país equilibrado”, isso não acontece e todo o dinheiro é utilizado para “acentuar a litoralização” e continuar a “esquecer o interior”. Ainda assim, Hernâni Dias tem “esperança” de que haja vontade de contemplar os projectos da região.

“Copo meio vazio e copo meio cheio”

Apesar de Vinhais ver finalmente uma das suas lutas chegar ao fim com a ligação Vinhais-Bragança, o plano não contempla a ligação Macedo de Cavaleiros-Vinhais-Gudinha. O autarca de Vinhais, Luís Fernandes, considera esta última ligação fundamental para o concelho, para o região e até para o país, uma vez que irá ligar à estação do AVE na Gudinha e será uma porta aberta para a Europa. “Iremos continuar a lutar para que esta ligação, quer neste plano, quer noutra forma, seja financiada. Ainda por cima estamos a falar de uma ligação em que há o compromisso assinado pela junta da Galiza em que, se o Governo espanhol não fizer a ligação da fronteira à Gudinha, a própria junta da Galiza assume os encargos financeiros desta ligação”, destacou o presidente de Vinhais, acrescentando que não vai desistir de “fazer perceber a importância que essa ligação tem para o país”, esclarece Luís Fernandes. Tal como Vinhais, também o município de Macedo de Cavaleiros viu de fora da “bazuca” a ligação à Gudinha. “Se pensarmos que será a uma plataforma logística regional de grandeza europeia, isto seria mais uma porta para incentivar as exportações, incentivar a economia transfronteiriça e obviamente desenvolver a região transmontana”, referiu o presidente macedense, Benjamim Rodrigues. Também para o presidente do município de Alfândega da Fé, esta era uma oportunidade de “ouro” para os transmontanos, para “inverter” aquilo a que têm sito “vetados nas últimas décadas”. “Claramente que neste plano a região foi esquecida e ficou para trás relativamente ao país. É irónico sermos esquecidos num plano de resiliência. Devíamos ser premiados sobre tudo o que estamos a fazer em prol do nosso território”, afirmou Eduardo Tavares.

“Oportunidade única” perdida

Também a Comunidade Intermunicipal do Douro não se mostrou satisfeita com o Plano de Recuperação e Resiliência. Esta CIM tem reivindicado a linha do Douro, o IC26, o Douro Inland Waterway e a conclusão do IP2. Nenhuma destas propostas está contemplada no PRR. O vice-presidente da CIM douro e também autarca de Torre de Moncorvo entende que a “bazuca” seria a “última oportunidade para inverter este ciclo demográfico negativo” em que vivem. “Eu tenho a certeza de que este plano é um plano de tirar muita areia para os olhos”, afirmou Nuno Gonçalves, destacando que o PRR pode tornar-se um “flop” e “condenará inevitavelmente o interior à morte”. Quanto ao desenvolvimento da ferrovia, que é uma das propostas do Plano de Recuperação e Resiliência, o vice-presidente da CIM Douro critica que este investimento é apenas para os metros de Lisboa, Porto e Loures. “Quem ouvir, ouve que é para a ferrovia e os crédulos acreditam que será também para a ferrovia do Douro”. O presidente da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães também se juntou ao coro de protestos. Olhando para o plano com “preocupação e desilusão”, vincou que a expectativa, ao longo dos anos, seria de que “os investimentos promovidos no interior funcionariam para inverter esta tendência que tanto nos penaliza e que nos tem levado à actual situação de despovoamento”. O que acabou, para já, por não se verificar.

Secretária de Estado da Valorização do Interior olha para o PRR com ânimo

Questionada sobre se terão os transmontanos que se conformar que mais uma vez a região fica de fora do investimento, a secretária de Estado da Valorização do Interior disse discordar veemente dessa leitura. “Quero dizer que o PRR é um instrumento que estará no terreno simultaneamente com outros programas. Não o devemos analisar de forma isolada, porque há investimentos que têm cabimento em outros programas, nomeadamente no Portugal 2020 e 2030, como é o caso de tudo que está relacionado com o Parque Natural de Montesinho, Cachão e Lagos do Sabor”, esclareceu Isabel Ferreira. A governante, olha com agrado para o investimento em rodovia, nomeadamente para as ligações transfronteiriças, sendo que foram contempladas duas da região num plano que contempla apenas cinco. Ainda assim, Isabel Ferreira disse que “o PRR é muito mais que do que a componente de infraestruturas e não são de todo as estas que vão servir o propósito de um plano que prevê recuperar de uma crise pandémica” Quanto à ferrovia, a secretária de Estado considera que esta exclusão não será determinante para o afastamento de empresas da região. “Não é o único instrumento que está disponível para a atracção e fixação de empresas, mas acho muito importante que a região de Trás-os-Montes lute por essa condição”, terminou.

Deputados inconformados

Os deputados eleitos por Bragança também se manifestaram sobre o Plano de Recuperação e Resiliência. Isabel Lopes, deputada do PSD, considera que “ignorar” o legado da crise e a coesão territorial, neste contexto, “é no mínimo bizarro”. Para a deputada, o PRR “deveria consubstanciar instrumentos de reequilíbrio e ordenamento do território”, mas “na verdade, e ao contrariado daquilo que foi apregoado pelo Governo, pouco ou nada contribuirá para a tão necessária coesão territorial”. Segundo Isabel Lopes corre-se assim o “risco” de deixar passar mais uma oportunidade para “transformar” Portugal. O deputado do PS, Jorge Gomes, eleito por Bragança, também se manifestou. Da mesma cor que o Governo, assume “preocupação” na exclusão do distrito, em matéria de ferrovia. “Como bragançano, que vivi ainda nos tempos em que havia caminho-de- -ferro, vejo isto com algum lamento, até porque o nosso Governo sempre se tem comprometido a valorizar o interior e acabar um pouco com as assimetrias que existem, fazendo de Portugal um país todo à mesma velocidade”, lembrou o deputado. O PRR esteve em consulta pública até ao dia 1 de Março e prevê um total investimento de cerca de 14 mil milhões de euros para recuperar Portugal.

Jornalista: 
Ângela Pais/Carina Alves/Olga T. Cordeiro