Aumento brusco dos preços dos produtos agrícolas põe em causa actividade dos pequenos agricultores

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Ter, 30/11/2021 - 11:03


O aumento dos preços dos produtos agrícolas começa a trazer implicações aos pequenos agricultores da região

o. Alguns já estão a deixar de produzir determinados produtos, porque o preço dos adubos quase triplicou. É o caso de Joaquim Pereira, da localidade de França, concelho de Bragança. O agricultor tem uma criação de gado e costuma plantar batatas, feijões e cereais, como milho e centeio. No entanto, este ano, devido ao preço dos adubos ter duplicado, diz que semear cereais está fora de questão. “Eu deixei de comprar [adubo]. Este ano não compro nada. Já nem semeio o cereal. Não compensa”, afirmou, salientou que esperava um aumento dos preços, mas não “tão grande”. “Isto está um balúrdio”, lamentou o agricultor, com 75 anos e cultiva desde que se lembra. Também David Pires, de Gondesende, no concelho de Bragança, se queixa do mesmo. É agricultor e tem vacas e vitelos, que depois vende para carne. Actualmente, ao preço que a carne é vendida e ao custo dos cereais admite que não compensa ter animais. “O quilo da carne é pago entre 4 euros e 4,5 euros, que quase o mesmo preço de há 30 anos, mas a saca da ração custa 11 euros e só tem 25 kg”, referiu o produtor, dizendo que os subsídios não dão para “nada”. Já chegou a ter mais de 20 vacas, agora tem metade, porque dão “prejuízo”. “Nos animais, principalmente, estamos a ter prejuízo”, afirmou, salientando que o preço da carne deveria estar mais alto para compensar os gastos. David Pires tem também soutos e nesta altura já vendeu praticamente todas as castanhas. A pouca quantidade trouxe benefícios, visto que o fruto foi pago a mais 50 cêntimos que o ano passado. “A única coisa que tem mantido a agricultura a funcionar na nossa zona é produção das castanhas, mas depois com as outras coisas, dá-se cabo do dinheiro da produção das castanhas. Esse é que é o problema”, disse. Para além dos cereais, o agricultor queixou-se também do preço dos adubos e do combustível. Segundo Carlos Gonçalves, administrativo da Casa Agrícola, em Bragança, o ano passado, o “adubo 20,5” custava ao consumidor 8 euros, actualmente é comprado pela loja a 16 euros +IVA, o que significa que será vendido ao cliente a “20 e tal euros”. “O adubo para aí há três meses que começou a subir. Neste momento em relação ao ano passado, o preço de venda ao público triplicou”, afirmou. Mas não é só no adubo que se verifica este aumento significativo. Nas rações o cenário repete-se. Para além de o preço aumentar “10 cêntimos hoje, 10 cêntimos amanhã”, Carlos Gonçalves referiu que as sacas também diminuíram o peso. “Já nem sequer recebemos sacas de 30 kg, já vêm a 25 Kg, mas posso dizer que os 25 kg estão mais caros do que se vendia os de 30 no início do ano. Subidas na ordem dos 30%”, explicou. Os vendedores têm se apercebido das queixas dos clientes e até da redução das compras. Na Casa Agrícola alguns clientes que habitualmente compravam “uma palete ou duas de adubo, neste momento dizem que não vão comprar”. “Vão gastar uma fortuna numa palete de adubo em que depois se calhar o retorno para o agricultor vai ser igual ao do ano passado. Vai ter o triplo da despesa e a mesma receita. Não compensa nada”, disse Carlos Gonçalves. No Sittio, uma loja que também vende produtos agrícolas em Bragança, a situação é idêntica. Segundo o director, a actualização da tabela de preços tem sido “quase semanal” desde Agosto, o que tem levado os clientes a comprar menos. “Aquilo que temos notado e segundo o que as pessoas dizem quando vêm à loja é que este ano, se calhar, algumas pessoas vão deixar de aplicar, porque não podem pagar, porque não há essa inflação no preço do produto deles”, referiu Pedro Murçós. Para o responsável, a subida dos preços dos produtos agrícolas, nomeadamente dos adubos, deve-se também ao aumento do preço dos combustíveis. “Há alguns produtos, como os adubos, em que a transformação é feita nas fábricas com o gás natural. O grupo Yara, que é talvez o segundo maior grupo económico a nível mundial na produção de amoníaco, fechou já duas fábricas quebrando a sua produção em 40%, o que significa que vai haver menos produção de adubos azotados, aqueles que as pessoas conhecem como o nitro 27 ou 20,5”, explicou, acrescentando que esta é uma das razões pelas quais o preços dos adubos subiram “300%”. A falta de cereais deve-se ao aumento do seu preço, mas Pedro Murçós considera que é altura dos agricultores da região voltarem a produzir.

Governante acredita que não vai ter impacto na produção

Confrontado com a situação, o secretário de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural considera que o aumento do preço dos produtos não vai ter “um impacto grande na produção”, nomeadamente do azeite. Rui Martinho disse acreditar que esta é uma “situação temporária”, relacionada com o aumento do preço dos combustíveis e que estão já a “monitorizar a situação”. “Nós estamos convencidos que esta é uma excepção e que dentro de alguns meses virá para uma situação mais normal”, afirmou. O governante entende que não haverá quebra na produção, mas sim que os produtos finais serão vendidos depois também mais caros. “Não temos dúvidas de que se a situação se prolongar muito esse acréscimo de custo tinha que ser repercutido ao nível do preço dos produtos finais”, referiu. Já quanto à possibilidade de aumentar os subsídios dos agricultores, visto que também estão a ter mais gastos, Rui Martinho explicou que “os subsídios são feitos no quadro dos instrumentos comunitários e estão definidos, mas neste momento esse instrumento está a ser redefinido e é aí que as coisas têm que ser vistas”. No entanto, não descartou a possibilidade de haver um aumento dos apoios. “Existe a possibilidade de no quadro do pré PAC de rever os níveis de subsídios que estão feitos e é isso que, neste momento, está em cima da mesa, está em consulta pública e vamos esperar o resultado dessa consulta pública para ver o que poderemos fazer”, frisou. Também a directora regional de Agricultura e Pescas do Norte considera que não haverá uma quebra na produção dos pequenos agricultores, mas sim um aumento do preço dos produtos vendidos ao consumidor. “Embora haja o apoio ao gasóleo verde, os valores dispararam e quer os combustíveis, quer os outros factores de produção têm estado a subir os preços e isto certamente que se irá reflectir no consumidor. O consumidor começará a pagar mais caro estes produtos, como a carne, os ovos e o leite”, disse Carla Alves. A nova PAC, Política Agrícola Comum, para o período entre 2023 e 2027, está agora em consulta pública até 6 de Dezembro. Carla Alves deixou a garantia que o novo quadro comunitário trará benefícios para os agricultores transmontanos. “O novo quadro comunitário vai ser muito mais vocacionado para o apoio à pequena agricultura, aos territórios vulneráveis”, explicou, acrescentando que “há aqui regiões no país que claramente têm subidas de apoios, que é Trás-os-Montes e a Beira Interior”.

Jornalista: 
Ângela Pais