Aldeias envelhecidas e despovoadas são retrato da realidade demográfica regional

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Ter, 13/04/2021 - 11:12


Nos últimos 60 anos, a região transmontana perdeu cerca de metade da população e o envelhecimento tem-se acentuado. Nas aldeias, os habitantes mais novos têm por vezes mais de 50 anos e a tendência dos territórios deprimidos demograficamente pode demorar mais de quatro décadas a ser contrariada

No mapa do Inverno demográfico a localidade de Cabanas, no concelho de Macedo de Cavaleiros não é caso único, mas com cerca de uma dezena de residentes permanentes é um bom retrato da situação de depressão demográfica do interior Norte e do esvaziamento das aldeias. Noémia Varandas, de 63 anos, é uma das resistentes que há muito tomou a decisão de viver na aldeia. “Nasci aqui e ainda hei-de morrer aqui, digo eu”. Na aldeia dedica-se à agricultura com o marido, mas por algumas temporadas o casal chegou a ir para França para colheitas de pepinos, mas preferiu não emigrar. Recorda que nos tempos de juventude havia “mais gente nova” na aldeia, que nunca foi, no entanto, uma grande povoação. “Agora não, é muito pouquinha, muita gente há no Verão porque os emigrantes só se sentem bem aqui e é para aqui que vêm todos, a não ser este ano por causa da Covid”, afirma. Os dois filhos também emigraram, para Espanha e França. Em Portugal ficou apenas um dos netos que trabalha, no entanto, fora da região e regressa nos fins-de-semana. “Esse ninguém o tira daqui, só mudando-lhe muito a ideia, já esteve na França um ano com um tio, mas voltou”, conta. O neto, tal como os sobrinhos na casa dos 20 anos, são os mais novos da aldeia, mas não lhes vê “futuro nenhum” na aldeia. Lamenta que a aldeia vá perdendo população e não a renove. “Quanto mais gente houvesse na aldeia, melhor era”, admite. Mas “nem aqui nem noutro sítio, até já Macedo é pequeno, o emprego também não há”, que acredita ser o maior problema. “Claro, se houvesse emprego para toda a gente… Aqui não há nada, os ordenados não valem nada e eles fogem todos para os países de fora”.

Cabanas: um retrato de uma região despovoada

Quem resiste dedica-se à agricultura, mas o baixo rendimento da actividade não é muito atractivo. “Os poucos que havia ainda gostariam de cultivar mas para, se calhar, não vender as coisas e ficarem aqui estragadas, é trabalho que as pessoas perdem”, diz. Na localidade no sopé da serra da Nogueira, as principais culturas são castanheiros e batatas. Cabanas pertence à freguesia de Soutelo Mourisco, tal como Vilar D´Ouro e as três juntas têm 31 habitantes. O irmão de Noémia, Baldino Nunes, que se preparava para levar o rebanho para o campo, também reconhece que “aqui as oportunidades são poucas, isto é pequenino também, nem nos lugares grandes há oportunidades, quanto mais aqui”. Sobre o que seria necessário para que mais pessoas se mantivessem na região a resposta vai no mesmo sentido: trabalho. “Eles não têm trabalho aqui, tentam ir embora. As ajudas também são poucas ou nenhumas”. Constata com pena que há cada vez menos pessoas e acredita que “daqui por uns anos não há ninguém”. “Mais de metade das pessoas têm mais de 80 anos, nós e a minha irmã somos os mais novos”, afirma o agricultor na casa dos 50 anos. A vizinha e cunhada de Noémia, Elisa Nunes, vive há cerca de 30 anos na aldeia onde casou. Conta que na altura havia mais gente, porque “em cada família eram muitos”, mas “emigrou praticamente tudo”. “Só ficaram os mais velhotes e nós, um casal ou outro, que nunca saímos daqui”, refere. Na altura havia talvez o dobro da população. “Não eram muitos, muitos porque sempre foi uma aldeia pequena, mas já se nota bem a diferença”. Apesar de ser fácil manter as distâncias na localidade, a pandemia também alterou o dia-a-dia da aldeia. “Antes andávamos sempre juntos praticamente e agora é cada um na sua casa”. Um dos dois filhos trabalha por agora “na agricultura ou nas jeiras que arranja” ainda na aldeia. “Claro que, vivendo aqui, temos pena que fique despovoada. Mas pensamos que possa aumentar, porque muitos da minha idade estão quase a reformar-se”, afirma Noémia. Depois de terem recuperado casas na aldeia, acredita que muitos vizinhos que emigraram ou escolheram outras zonas do país para viver vão passar a morar se não o ano inteiro pelo menos parte do ano na aldeia. É o caso de Domitila Fernandes que esteve emigrada em França e ainda passa lá parte do ano, mas devido à doença do marido a aldeia é agora o local onde estão mais tempo. Com 76 anos, recorda que decidiu emigrar quando tinha 21 anos. Inicialmente o objectivo era ganhar algum dinheiro e depois regressar, mas acabou por casar e ter filhos. “A vida cá estava muito difícil, fui para ajudar os meus pais. A minha ideia era voltar, mas depois as coisas mudaram e fiquei lá”, afirma. Trabalhou numa fábrica de roupa e depois numa pastelaria. “Aqui não havia nenhum trabalho, era só mesmo na terra e não dava, o meu pai tinha 9 filhos” e destes quase todos emigraram para Espanha e França. Domitila explica que como ela já há outros emigrantes que passam parte do ano na aldeia. Olímpio Fernandes e a mulher também deixaram a aldeia há alguns anos para morar no Porto. Depois de recuperarem uma casa voltam frequentemente à aldeia. “Passamos parte do ano cá, isto é um sossego, há boa vizinhança, ainda ficam as chaves nas portas”, afirma. Por causa da pandemia a aldeia passou a ser o refúgio por mais tempo e não faltava nada em Cabanas, além do merceeiro, peixeiro e padeiro ambulantes, recorda que durante o primeiro confinamento mandava vir compras de Macedo de Cavaleiros, a cerca de 20 quilómetros. “Agora já passamos aqui a maior parte do tempo, porque temos uma exploração de castanheiros”, refere. O casal está agora a acabar de reabilitar uma outra casa que quer abrir como alojamento local ainda este ano. “Além de não haver mais nenhum, é para ter aqui outra fonte de receita”, explica. Está a contar que a calma e a paisagem possam atrair visitantes e hóspedes. “Em princípio há interesse, há muita procura por causa da barragem do Azibo e também no tempo da neve. É uma zona muito pacata e sossegada, isto é um paraíso, o ar é puro, quem quiser passar umas férias mesmo férias é aqui”, afirma.

Reversão da situação pode demorar meio século

O abandono, desertificação populacional e falta de jovens são sintomas de uma depressão demográfica que é um cenário predominante nas aldeias trasmontanas. É o resultado de anos de uma conjugação de factores: “declínio da fecundidade, aumento da esperança média de vida e emigração, territórios onde não nascem crianças, onde os jovens saem e onde os que ficam estão cada vez mais velhos e a viver mais anos”, afirma o especialista em demografia Paulo Machado. O resultado deste tríplice de condição são “índices de envelhecimento que são brutais”. Além de um diagnóstico duro, o docente universitário, sociólogo e vice-presidente da Associação Portuguesa de Demografia (APD) tem uma visão pouco optimista da evolução populacional. “Nas condições actuais, como opções de desenvolvimento de fixação de população, incentivos à natalidade, muito dificilmente conseguiremos reverter esta situação”. Para o especialista, em demografia “o futuro já aconteceu”, isto porque “há tendências irreversíveis, como a do envelhecimento, que tem uma irreversibilidade a um horizonte na ordem dos 40 a 50 anos”, tal como acontece com a perda de população. “Só em situações muito excepcionais é que alteraríamos esta dinâmica”, frisa. “Com as políticas que hoje temos e com as que não temos e que poderíamos imaginar ter, não estou a ver que consigamos reverter a situação muito rapidamente, em duas ou três décadas, para algumas das comunidades isso já será muito tarde”, referiu. Sobre as condições para reverter ou estancar a situação diz que é uma pergunta de difícil resposta. “Sabemos que desde há vários anos, mais de uma década, os municípios têm investido em criar condições para que a natalidade aumente, como incentivos às famílias, bem como incentivos fiscais, mas quando analisamos os resultados deste esforço, são modestos, para não dizer que são nulos. Esse esforço público não se tem traduzido numa resposta das populações, nomeadamente no que respeita à alteração do seu comportamento procriador”, explica. “A solução estaria numa espécie de sobressalto cívico, levando as pessoas a reconhecer que os seus territórios tenderão a desaparecer, em termos de ocupação humana”, concretiza. O sociólogo reforça que estamos “perante uma equação para a qual não temos resposta, os poderes públicos não têm tido resposta” e “colectivamente também não tem havido essa resposta”. A diminuição populacional é um fenómeno europeu e nacional, mas há uma tendência histórica no interior para a descapitalização populacional e há mesmo já alguns lugares em que a população desapareceu e restam apenas ruínas. “Podemos pensar que se podem revitalizar com turismo, mas a verdade é que o turismo traz alguma gente, mas fixa muito pouca”, sustenta, por que acredita que “o turismo não é a panaceia que irá resolver os problemas demográficos do país”, e pode mesmo criar problemas económicos, já que “muitas actividades regionais ficam descapitalizadas e tornam-se inviáveis, como a agricultura”. A tendência de escolha dos territórios deprimidos – porque cria situações negativas para a economia e para as comunidades – que se verificou durante a pandemia foi apenas uma gota de água numa terra árida. “Analisei o mercado imobiliário e houve um aumento do número de pessoas que foi para o campo e saiu da cidade, mas esses valores são totalmente inexpressivos para alterar o que quer que seja, no que respeita à situação actual, estamos a falar de uns milhares de pessoas no conjunto de 10,3 milhões de habitantes”, referiu. Para que este número de novos rurais seja mais significativo é necessário haver “acessibilidade, que não é ó relativa aos transportes, mas também aos recursos digitais”, como “boa rede de telemóvel e net com velocidade”, assim como locais onde possam comprar o que precisam. “Esta capacidade está instalada em meio urbano, mas nestas regiões de interior está por instalar, se é que alguma vez é possível instalá-la”, conferindo uma cobertura total do território. Alguns novos habitantes podem ter uma instalação passageira. “Até pode ser que se fixem, no sentido de ficar com uma segunda habitação, mas muito dificilmente mudarão de armas e bagagens para essas aldeias em permanência”, o que seria, isso sim, um factor importante para contribuir para o desenvolvimento local. Outra das formas de contrariar a perda de população é recorrer à imigração, o que “levanta outros problemas”, como saber se as comunidades locais aceitariam que a população começasse a ser maioritariamente estrangeira. “Se há comunidades em que isso não levantará grandes problemas, noutras poderá criar situações sociais complicadas de rejeição e xenofobia”, afirmou.

Envelhecimento é regra nos concelhos transmontanos

O município de Vinhais é o mais envelhecido do distrito, com 42% da população acima dos 65 anos. Em 7746 habitantes, 3268 são idosos. Para o autarca Luís Fernandes, a tendência explica- -se com a falta de investimento e valorização por parte do poder central nestas regiões. “tem de haver uma aposta diferente no sentido de fixar população mais jovem, que é obrigada a procurar oportunidades noutros locais”. Admite que o despovoamento é uma preocupação e acredita que tem de “haver medidas concretas por parte do poder central e uma aposta significativa nas regiões do interior”, para que as perdas não aumentem. A estratégia deveria passar por “incentivos sérios que levem os mais jovens a fixarem-se, criação de novas oportunidades ou benefícios fiscais para que as pessoas fiquem aqui” ou criar novas valências a nível do ensino para que possam prosseguir os estudos na região, bem como apostar em proporcionar condições como a cobertura da rede 5G, para favorecer o teletrabalho. Por outro lado, entende que estes números mostram que há uma boa qualidade de vida no interior, porque “as pessoas conseguem viver mais tempo nestas regiões”. Alfândega da Fé também se destaca no índice de envelhecimento com 39,6% de idosos, bem como Torre de Moncorvo com 36,28% dos habitantes com mais de 65 anos, já o menos envelhecido é Macedo de Cavaleiros, no entanto, os idosos representam 26,10% da população. Vimioso, com 4023 habitantes, é o segundo concelho menos populoso do distrito, a seguir a Freixo de Espada à Cinta. O presidente do município Jorge Fidalgo, acredita que a situação de perda populacional pode ser contrariada, “embora seja um processo lento e que pode demorar alguns anos”. O autarca frisa que os dois concelhos menos populosos do distrito são exatamente aqueles que não têm ensino secundário, “um serviço público fundamental que é a escolaridade obrigatória, o que é muito revelador”. Acredita que este é um dos processos. “Quando é o próprio Estado central o primeiro a abandonar os territórios e a não lhe oferecer os serviços básicos e elementares, um deles a educação, é evidente que é muito difícil fixar aqui população que quando tem de prever e orientar o futuro escolar dos seus filhos, quando atingem o secundário muitos abandonam o concelho e seguem os filhos”, sublinha. Além desta questão, defende que “tem de haver uma articulação muito forte entre o poder local e central, entre autarquia e governo”, como medidas a nível de impostos, majorações significativas a nível de projectos nos apoios a fundos comunitários e acessibilidades, não só rodoviárias, mas também a nível das telecomunicações.

Jornalista: 
Olga Telo Cordeiro