Agricultores transmontanos em protesto fecharam fronteira de Bemposta

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Ter, 06/02/2024 - 11:13


Centenas de agricultores estiveram reunidos em Mogadouro, na semana passada, exigindo a valorização do sector e dizendo que não se sentem bem representados

Cerca de 200 agricultores transmontanos protestaram, na quinta-feira, em Mogadouro, contra o atraso no pagamento de subsídios e os cortes nos mesmos. Os agricultores pedem a valorização imediata do sector. Esta concentração, que começou bem cedo, cerca das sete da manhã, e só terminou ao fim do dia, chegando a cortar, ao trânsito, a fronteira, em Bemposta, foi uma das várias que aconteceu por todo o país, de Norte a Sul, para se mostrar a revolta e o descontentamento para com o Governo central, alertando para as dificuldades crescentes na actividade. Este protesto, que, em Mogadouro, foi organizado por agricultores, serviu para se exigir o pagamento atempado dos apoios do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, a abertura dos projectos de jovens agricultores, parados desde Março de 2022, o regresso do gasóleo agrícola ao preço, por litro, de 50 cêntimos, entre várias outras reclamações. A concentração aconteceu um dia depois de o Governo anunciar um pacote financeiro, de mais de 400 milhões de euros, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum. Em Mogadouro, os agricultores estiveram cerca de uma hora e meia no parque das feiras e depois fizeram uma marcha lenta, pela vila, reunindo largas dezenas de tractores, carrinhas e máquinas agrícolas. O grupo partiu depois do nó de acesso ao IC 5, em Mogadouro, rumo à fronteira de Bemposta, que esteve fechada várias horas.

Agricultura ao abandono

Dário Mendes, um dos agricultores que convocou e organizou esta concentração em Mogadouro, que se iniciou no Parque de Feiras e Exposições, assumiu ao Jornal Nordeste que como “o sector agrícola está ao abandono, pelos sucessivos governos”, nada mais restava fazer se não mostrar o que se sente. Segundo esclareceu, “esta última situação do não pagamento a tempo e horas das ajudas e o corte das mesmas” obrigou os agricultores a “tomar esta medida”, porque “não se aguenta mais”. “Os factores de produção são elevadíssimos e os nossos produtos são cada vez mais baratos”, rematou ainda Dário Mendes. Conforme relatou Dário Mendes, que diz que “a agricultura está ao abandono”, sobretudo em Trás- -os-Montes, “há agricultores que estão a desistir a toda a hora e têm vindo a desistir cada vez mais”.

Demasiada burocracia

Orlando Fernandes, com 50 anos e natural de Mogadouro, foi um dos agricultores que se juntou ao protesto. Tem amendoeiras, nogueiras e oliveiras, assim como alguma floresta, e diz que era necessário mostrar o “descontentamento” em relação às medidas adoptadas pelo Ministério da Agricultura. O agricultor queixou-se ainda de que “a política das ajudas, os subsídios, é o que está pior”. “São muito burocráticos e o acesso aos projectos de investimento também o são”, referiu, dizendo que o ideal era que tudo isto fosse “mais simplificado, sobretudo para os pequenos agricultores”. Orlando Fernandes, que não faz da agricultura o ganha-pão, diz que não se está nisto para “ganhar dinheiro”. “Estamos nisto porque herdámos as terras dos nossos pais e avós e queremos mantê-las”, acrescentou, dizendo que deverá ser o último da família a fazê-lo pois os filhos “não querem saber”. O desamor pelo sector, tanto dos filhos deste agricultor como dos outros jovens, surge porque “não se está nisto para ganhar dinheiro”. “Vendo o que produzo às cooperativas, mas já não tenho lucros como noutros tempos. Tínhamos as ajudas dos subsídios, que era o que nos garantia alguma estabilidade, mas que agora estão ameaçados”, terminou.

“O produto não é valorizado”

Luís Moura, também de Mogadouro, com 63 anos, é “agricultor em part time”. Tem amendoal e olival só que… “Lucros? Muito poucos”. Juntou-se ao protesto porque diz que “é preciso investir muito para ter lucros e é preciso, sobretudo, ter apoios, coisa que não tem vindo a acontecer”. Este agricultor considera que “o produto não é valorizado”, ainda por cima depois de todos os “investimentos” que se fizeram. Mas este não é o único problema. “O escoamento do produto também não é algo fácil”, rematou, dizendo que o mais revoltante é os apoios virem “tarde”. “No acto das candidaturas falam em verbas, mas depois não são pagas e quando são é tarde. São promessas vãs por parte do poder central”, lamentou, dizendo que, se o Governo investisse no sector, Portugal era um país muito forte no sector e havia muita gente que conseguia viver apenas dela, mas também era preciso haver a garantia do escoamento do produto.

Deixar a agricultura e fazer o quê?

José Ramos, igualmente de Mogadouro, tem 63 anos. É agricultor “desde sempre”. Não tem dúvidas de que isto, “da maneira que está”, “não dá para aguentar”. “Temos que parar todos”, rematou. Este agricultor tem amendoeiras e oliveiras. É ainda criador, tem vacas de leite. Já teve muitas, mas “não dá mais”. “A ministra da Agricultura veio anunciar 500 milhões, mas foi uma jogada porque sabia que ia haver estes protestos. Ela já se vai embora e ainda bem”, contou, dizendo que os agricultores “não estão bem representados”. Fazendo disto vida, desde tenra idade, confessa que já pensou em desistir mas, aos 63 anos, “ia fazer, depois, o quê?” “Os lucros são poucos, vamos pagando as despesas e mais nada”, terminou.

Jornalista: 
Carina Alves