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Agricultores num “beco sem saída” com atraso de pagamento de apoios à produção biológica

Ter, 26/09/2023 - 11:04


Pagamento de apoios vai atrasar-se alguns meses e deixa os agricultores desesperados

Vão ser pagas, este ano, mais tarde do que o habitual as ajudas aos agricultores, sendo que os pagamentos, no que toca à agricultura biológica, vão estender-se até Junho de 2024. O anúncio foi feito, na semana passada, pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP). A primeira tranche de apoios é, normalmente, paga até dia 31 de Outubro e a segunda até ao último dia de Dezembro. Contudo, desta vez a primeira tranche será paga com um mês de atraso e a segunda já no próximo ano. A Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (CONFAGRI) pronunciou- -se dizendo ver “com extrema preocupação” o calendário de pagamentos, confirmado pelo IFAP, já que os agricultores estão em “maus lençóis”, sobretudo depois de, este ano, terem visto as suas produções, nomeadamente de amêndoa, maçã e azeitona, sofrerem graves quebras, devido ao granizo e chuva intensa, tal como aconteceu, na região, no fim de Maio, no começo de Junho e agora, mais recentemente. Esta parece ser mais uma machadada na agricultura, deixando vários agricultores desiludidos, possivelmente, cada vez mais convictos de que abandonar o sector será o melhor remédio.

Empresários podem abandonar agricultura biológica

Aristides Cadavez tem quase 30 hectares de olival na aldeia de Vale de Telhas, no concelho de Mirandela. Diz ter sido apanhado de surpresa quando soube que o pagamento do apoio só poderia chegar em Julho do próximo ano e admite que pode comprometer a tesouraria da empresa. “Eu estaria em Dezembro com 15 ou 20 mil euros a mais ou, pelo menos, para fazer face às despesas e desta forma tenho sete ou oito mil, o que pode comprometer a colheita da azeitona que será em Novembro e Dezembro e futuramente as adubações, nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março, que estaria a contar com esse valor, que não tenho, só vem depois em Julho”, referiu. Uma notícia que não é “boa nem coisa que o pareça”, visto que em causa poderão estar alguns milhares de euros, que poderiam ser utilizados para pagamento de gasóleo agrícola, mão-de-obra ou até manutenção dos solos. O agricultor deixou a agricultura integrada e passou a biológica, porque queria fazer uma “experiência”, mas, reconhece que não é tão barata como se pensa. Acredita que muitos agricultores decidiram entrar neste ramo, porque os subsídios são mais altos, no entanto, “há outras situações em que essa diferença do subsídio não é compensador, tendo em conta a manutenção do solo, na forma como temos que tratar o olival”. Por isso, considera que a agricultura biológica “não é o caminho” e acaba por ser uma “ilusão”, ponderando mesmo terminar com este tipo de produção. “Por aquilo que eu já tenho constatado acho que não vou continuar a biológica. Se calhar para o próximo ano vou ponderar os custos e os proveitos e acho que não me vale a pena estar na biológica”, afirmou. Para Aristides Cadavez, a agricultura, em Portugal, anda “muito à deriva”. “O Ministério da Agricultura não liga muito, não se preocupa muito com a agricultura em si, por sua vez, como o agricultor é pacífico, não se manifesta, não faz barulho tudo o que eles decidem, nós calámo-nos se aceitamos, por isso é que o Governo nos vai adoçando a boca de vez em quando com uma coisa qualquer”, criticou. O anúncio do IFAP também não agradou ao agricultor Cristophe Monteiro. Tem 14 hectares de amendoal e um hectare de mirtilos, biológicos, na aldeia de Vale Torno, no concelho de Vila Flor. Nunca utilizou herbicidas, mesmo quando fazia produção integrada, por isso decidiu avançar para a produção biológica. No entanto, diz que “não compensa”. “Eu acredito que se houvesse mais informação e se os agricultores soubessem o custo de produção do que é estar em biológico, acho que grande parte das pessoas não iam aceitar, porque os adubos são muito mais caros, é uma diferença abismal, vivemos num período em que com as condições meteorológicas, não é por apostar no biológico que vão salvaguardar o que quer que seja”, vincou. Considera que o apoio do Governo é uma mais-valia até porque esteve dois consecutivos sem ter qualquer produção e “zero” rentabilidade. Espera que seja pago o quanto antes, porque caso contrário terá “repercussões enormes” e será “difícil” para os agricultores aguentar as explorações. “Estar a prolongar a data dos apoios acho que é um absurdo autêntico e toda a gente sabe que, com o mau tempo, foi tudo à vida”, frisou. No entanto, salienta que os apoios não são “lucrativos” e que tem muito do seu dinheiro investido. “Saber que um hectare leva, por exemplo, mil quilos de adubo, ao preço a que estão os adubos, ao preço a que está o gasóleo agrícola, a mão-de-obra que não a há e após ver esses critérios todos, percebe-se que não são lucrativos os apoios agrícolas”, afirmou.

Urgência de promover práticas agrícolas mais sustentáveis

Perante o actual cenário dos atrasos nos pagamentos de ajudas aos agricultores, os produtores em regime biológico, como Francisco Rocha Pires, médico e proprietário de 70 hectares de olival em Mirandela, estão a sentir os impactos mais intensamente. Em entrevista a este jornal, Rocha Pires partilhou a sua experiência e as preocupações com a situação actual, começando por alertar para as drásticas quedas na produção que a sua propriedade enfrentou nos últimos anos. Em contraste com as 80 toneladas de azeitona produzidas há dois anos, no ano passado, a produção desceu para apenas 7 toneladas, sendo considerada “uma diferença abismal”. Além disso, em dez hectares de amendoal que detém, sofreu uma queda de 90% na produção no mesmo período. “O facto de ter havido aquelas temperaturas terríveis durante o ano passado, como a seca, fez com que as oliveiras tenham sofrido muito e, portanto, a oliveira só produz azeitona nos ramos do segundo ano. Os ramos deste ano não tiveram qualidade para produzir azeitona e vamos ter uma quebra de produção ainda maior. O facto de não usarmos produtos químicos não nos permite produzir tanto e fazer face a esses problemas”, adiantou. Perante este cenário, o agricultor expressou a sua preocupação com a “aparente insensibilidade do Ministério da Agricultura em relação às dificuldades enfrentadas pelos agricultores”. “Nós aderimos à agricultura biológica porque consideramos que isso é futuro. Mas, para lhe dar um exemplo, o Ministério da Agricultura respondeu- -nos com uma redução em 40% no subsídio que há para o uso eficiente da água”, explicou. Apesar dos desafios, o médico acredita firmemente que “a agricultura biológica é a solução para o futuro”, argumentando que a agricultura convencional, que depende fortemente de fertilizantes, está a causar impactos adversos ao meio ambiente e que “é necessário adoptar um paradigma diferente”. “A situação actual dos agricultores em Portugal, especialmente aqueles que se dedicam à agricultura biológica, é preocupante. Os atrasos nos pagamentos de subsídios, os desafios climáticos e os aumentos nos custos de produção estão a colocar em risco a sustentabilidade de muitas propriedades agrícolas”, explicou. O testemunho de Rocha Pires destaca a urgência de apoiar os agricultores e promover práticas agrícolas mais sustentáveis para enfrentar os desafios futuros. “Cálculo que todos os outros agricultores também estarão com dificuldades financeiras porque com o aumento do preço dos factores de produção, como o gasóleo agrícola, os adubos, fertilizantes, e todas essas coisas e sem os apoios devidos não podemos olhar apenas para a urgência de promover práticas agrícolas mais sustentáveis”, rematou. No entanto, apesar de todos os problemas associados a esta prática agrícola, o médico não considera desistir da agricultura biológica por considerar “ser o futuro” perante um cenário associado ao uso de fertilizantes que não se revela favorável para a saúde e bem-estar.

CAP critica PEPAC

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) diz não estar surpreendida com o anúncio do atraso dos pagamentos. O presidente, Álvaro Moura, adiantou que já têm vindo avisar o Ministério da Agricultora que isto podia acontecer, se não fosse tomada nenhuma medida. Ainda assim, mostrou-se “preocupado” com a situação, uma vez que há apoios que vão ser pagos apenas no próximo ano e considera que isso é “um prejuízo muito grande para os agricultores, que podia ter sido evitado”. O presidente da CAP considera que este atraso se deve ao PEPAC, Plano Estratégico para Nova Política Comum, não ter sido “bem delineado”, visto que não se está “adaptado à realidade portuguesa”, embora a confederação tenha feito várias propostas, que acabaram rejeitadas pelo Governo. “Somos o país da União Europeia com mais medidas específicas de todos os 27 países. Não faz sentido inventar dezenas e dezenas de medidas específicas que depois não se conseguem implementar, não se conseguem controlar, que implicam uma carga burocrática muito mais complicada. Tivemos agricultores que, 10 dias antes de terminar o prazo para a apresentação das candidaturas, nos perguntavam como se fazia a apresentação de um determinado perdido e nós perguntávamos ao Ministério da Agricultura e o mesmo não sabia responder”, criticou Álvaro Moura. A CAP já tinha emitido um comunicado a mostrar a sua posição de desagrado face ao atraso dos pagamentos dos subsídios e quer acreditar que esta situação não se volta a repetir.

Mais uma “machadada na agricultura”

Ao Jornal Nordeste, o vice-presidente da Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes (CIM TTM), que agrega nove concelhos do distrito, Bragança, Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Alfândega da Fé, Mogadouro, Vinhais, Vimioso e Vila Flor, revelou estar profundamente descontente com o facto de estas ajudas chegarem tão atrasadas, sendo que o Ministério da Agricultura “motivou”, até mesmo, os agricultores a aderir à agricultura biológica. Por isso, “isto não faz sentido”. O também presidente da câmara de Vila Flor, Pedro Lima, assume que os agricultores estão a chegar a um “beco sem saída”. “Vemos de uma forma muito negativa o modo com a agricultura está a ser olhada e tratada mais concretamente em Trás-os-Montes”, afiançou o vice-presidente da CIM-TTM, que sublinhou que já não se trata de revolta, por parte dos agricultores, mas sim de “gritos de revolta e de desespero”. “O agricultor do Nordeste, para além de ser uma pessoa já com alguma idade, está a ver-se num beco sem saída. Depois daquilo que naturalmente acontece, como as intempéries e a seca, aquilo que depende do Governo tinha de estar prontamente à disposição dos agricultores”, acrescentou ainda. E segundo Pedro Lima, os atrasos não ficam por aqui. “Todas as outras ajudas, nomeadamente, as que são destinados a zonas desfavorecidas, onde o Nordeste se enquadra, que deveriam também ser atribuídas aos agricultores em Outubro, serão dadas em Novembro. Estamos com um atraso a todos os níveis. Após dois anos de seca, de intempéries e do aumento dos factores de produção, os agricultores estão a ser completamente desprezados”, garantiu o vice-presidente da comunidade intermunicipal. Para Pedro Lima, que lamenta que em Portugal, muitas vezes, haja atrasos no pagamento de apoios e de subsídios, ajudas sem as quais o sector não desenvolve, tal como nos Estados Unidos da América, França, Alemanha e Bélgica, esta “é mais uma machadada” no sector. “Segundo as últimas estatísticas, o rendimento do agricultor nacional, de uma forma geral, diminuiu cerca de 12% no último ano”, frisou, recordando que, na região, a agricultura é muito envelhecida e não se vê nenhuma medida “forte o suficiente” para motivar a instalação de jovens agricultores. Bem pelo contrário. Na região, apenas 4% dos agricultores têm idade inferior a 40 anos.

Jornalista: 
Carina Alves/Ângela Pais/Daniela Parente