class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-node page-node- page-node-196096 node-type-editorial">

            

PUB.

O desafio da denúncia

Qua, 03/12/2025 - 15:11


Há datas que chegam como um sino que dobra por todos, lembrando-nos que a violência que se oculta por trás de portas fechadas não é um sopro distante, mas um fenómeno que atravessa silenciosamente a nossa comunidade. O Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, celebrado há poucos dias, não é apenas um marco no calendário, é uma convocatória moral. Uma exigência de lucidez. Um apelo à responsabilidade coletiva.

Os números recentemente divulgados pela GNR revelam, mais uma vez, uma ferida aberta. Desde janeiro, mais de dez mil crimes de violência doméstica foram registados no país, e deles resultaram treze vidas interrompidas, onze mulheres, dois homens. Treze destinos quebrados onde deveria ter havido refúgio, cuidado, amor. Cada um desses números é um rosto, uma história, uma ausência que se prolonga. E, mesmo assim, ano após ano, repetem-se as estatísticas como um lamento que ainda não aprendemos a calar.

Bragança surge entre os distritos com menos denúncias. Mas será este silêncio um sinal de tranquilidade ou, antes, de medo? Será um reflexo de menor violência ou um eco abafado de vítimas que não encontram ainda a força, o apoio ou as condições para se fazerem ouvir? Na violência doméstica, o silêncio nunca é uma garantia. Muitas vezes é, ele próprio, sintoma do problema. A violência nasce nas sombras e alimenta-se delas, foge ao olhar do vizinho, disfarça-se no quotidiano, esconde-se no pudor das palavras não ditas.

É por isso que este dia, e todos os que lhe seguem, deve servir para nos interrogarmos enquanto comunidade. Que espaços criamos para que as vítimas falem? Que caminhos abrimos para que as denúncias não sejam um salto no escuro, mas um passo seguro? Que redes humanas somos capazes de tecer para que nenhuma mulher, nenhum homem, nenhuma criança, se sinta abandonado dentro do próprio lar?

As autoridades recordam que a violência doméstica é crime público. Mas, mais do que uma definição legal, este estatuto é um princípio ético, o de que todos somos responsáveis. Denunciar não é intromissão, é proteção. É o gesto cívico que impede que o medo se torne destino, que a dor se perpetue, que o ciclo se repita.

E, ainda assim, para lá das estatísticas, importa lembrar a dimensão humana. A violência doméstica não é apenas o golpe, o insulto, a ameaça. É a erosão lenta da dignidade, a solidão imposta, o silêncio como prisão. Combatê-la exige firmeza, mas também ternura, exige políticas públicas eficazes, mas também um tecido social atento, exige leis, mas sobretudo coragem.

Que a semana passada não seja apenas memória assinalada, mas ponto de partida. Que em Bragança, e em todos os lugares, cada denúncia seja um caminho de libertação, cada gesto de apoio uma promessa de futuro, cada vida salva um triunfo coletivo. Porque a violência começa no íntimo, mas a paz constrói-se em comunidade. E é nela que reside a nossa força maior.

Carina Alves, Diretora de Informação.