class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-node page-node- page-node-196064 node-type-editorial">

            

O último berço de Portugal

Ter, 28/10/2025 - 09:20


Há números que falam mais do que longos discursos. Quatrocentos e vinte bebés nasceram em Bragança entre janeiro e setembro deste ano. Quatrocentas e vinte novas vidas num distrito inteiro. É o número mais baixo de Portugal. E, mais uma vez, o último lugar. Os dados, revelados pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, são mais do que uma estatística. Isto é um espelho inquietante da realidade demográfica que se abate sobre o interior do país.

Bragança envelhece a um ritmo que o tempo parece não conseguir travar. As aldeias esvaziam-se, as escolas encerram, as casas ficam de portas fechadas e as ruas cada vez mais silenciosas. As maternidades transformaram-se em memórias e as famílias jovens partem em busca de oportunidades que o território insiste em negar-lhes. A cada ano, o mapa da natalidade repete-se, Lisboa, Porto e Setúbal concentram os maiores números de nascimentos. Bragança, Portalegre e Guarda fecham a lista. É o retrato de um país que cresce de forma desigual e que aceita, com preocupante resignação, o desaparecimento lento das suas margens.

Mas o que significa, verdadeiramente, este silêncio de berços? Significa que o interior está a perder o seu futuro. Que o tecido social e económico se desfaz, porque sem jovens não há renovação, não há trabalho, não há inovação, não há esperança. Significa também que o investimento feito em infraestruturas, em coesão territorial e em políticas de desenvolvimento está a ser vencido por uma realidade mais forte, a falta de pessoas. Um concelho pode ter estradas e serviços públicos modernizados, mas se não tiver gente, se não houver quem ali viva, ame e sonhe, o progresso não passa de fachada.

A natalidade não é apenas uma questão privada ou afetiva, é um problema estrutural de sustentabilidade. Quando um distrito inteiro vê nascer cerca de quinhentos bebés num ano, a pergunta que se impõe é dura, mas inevitável, que futuro resta a uma terra onde já quase não há crianças? O envelhecimento da população compromete o futuro da economia local, sobrecarrega os serviços sociais e ameaça a vitalidade cultural de uma região que sempre viveu da proximidade e da entreajuda.

É urgente repensar o país para além do litoral. De nada serve falar de coesão se o interior continuar a ser tratado como território de exceção, onde os serviços rareiam, o emprego é escasso e a mobilidade uma miragem. Precisamos de políticas consistentes, de incentivos à fixação de jovens e famílias, de condições para que nascer e crescer em Bragança não seja um ato de resistência, mas uma escolha natural e possível. É necessário valorizar o que o interior tem de único, a qualidade de vida, a segurança, o património, a natureza, e transformá-lo em verdadeiro motor de atração.

Cada nascimento em Bragança é, hoje, um gesto de esperança contra a corrente. Mas a esperança, por si só, não chega. É preciso vontade política, visão e coragem para inverter a tendência de um país que se esqueceu do seu coração interior.

Porque um território onde já quase não se ouvem choros de bebés é um território que, pouco a pouco, deixa de ter voz. E quando o silêncio se instala, é a própria identidade que começa a desaparecer.

 

Carina Alves, Diretora de Informação.