Diziam badalados especialistas na matéria, politólogos, analistas ou simples comentadores, sobretudo políticos de profissão a quem o status quo beneficiava, que não era necessária nenhuma revisão constitucional. Eu sempre disse que sim, que era, tantos os escândalos e fracassos de toda a natureza, que ininterruptamente afectavam, e continuam a afectar, o actual Estado republicano, também justamente designado por Terceira República que, como se sabe, foi abusivamente deformada, à nascença, pelo Processo Revolucionário em Curso de má memória, que desencaminhou o golpe militar libertador de Abril de 1974. Factos que os portugueses ainda não esqueceram. Terceira República que foi antecedida por duas outras, como é óbvio, sendo que a Primeira, implantada pela revolução de 5 de Outubro de 1910, durou apenas 16 anos, marcados por constantes convulsões sociais e inúmeros crimes civis e políticos, até terminar, abruptamente, com o golpe de estado de 28 de Maio de 1926, que implantou a Ditadura Militar primeiro, depois Ditadura Nacional e Estado Novo, mais amigavelmente designado como Segunda República, por fim. Convém ainda relembrar que durante a curta vigência da Primeira República foram constituídos sete parlamentos, oito presidentes da República, 45 governos, 40 chefias de governo, duas presidências do Ministério que não chegaram a tomar posse, dois presidentes do Ministério interinos, uma Junta Constitucional e uma Junta Revolucionária, para lá de tudo o mais que os anais registam e seria exaustivo aqui enumerar. Desejável será, portanto, que esta página negra da História Pátria se não repita e que a controversa ética republicana que a inspirou, e que muitos continuam a evocar a despropósito, deixe, definitivamente, de assombrar a Terceira República do presente, que se pretende democraticamente modelar. Para tal, torna-se urgente e necessário não apenas lavar a cara ao regime político vigente, mas cercear-lhe os maus instintos constitucionais, reformando tudo que deve ser reformado, o que implica uma profunda revisão da Constituição em vigor, ainda que não orientada por conveniências partidárias, o que seria lamentável se tal viesse, de novo, a acontecer. Esta é, em mau entender, a lição democrática maior que importa retirar do surpreendente acto eleitoral do passado dia 18 de Maio, no qual o eleitorado, de forma muito clara, condenou o conúbio imoral dos dois partidos que nos últimos 50 anos se revezaram no poder, monopolizaram o Estado em proveito próprio e privilegiaram clientelas e obscuros interesses particulares, com evidentes prejuízos da Nação, como da pior forma o ilustram os indicadores mais significativos, com destaque para os que se referem à pobreza, à justiça social, aos níveis salariais, ao mau funcionamento de serviços públicos fundamentais e aos atrasos de Portugal, generalizados e persistentes, relativamente aos seus parceiros na União Europeia. Urge, por isso, concertar e levar a efeito as reformas indispensáveis, tão profundas e alargadas quanto possível, agora que, para tal, parecem estar reunidas adequadas dinâmicas democráticas e parlamentares, ainda que persistam ameaças de instabilidade política e governativa e, o que é mais grave, predisposições para restabelecer o anterior status quo bipartidário. Reformas que, o ideal será, comecem por banir a hegemonia partidária viciadora da verdade democrática, fonte inesgotável de amiguismos e nepotismos e viveiro de políticos incompetentes e desonestos. Porque os governos, as câmaras municipais e as freguesias não são apêndices partidários, nem os ministros ou os autarcas são eleitos para servir os partidos em que militam e muito menos interesses privados de caciques e quejandos. Assim sendo, grupos espontâneos de cidadãos também devem poder participar, em pleno, na vida política, designadamente concorrendo às eleições legislativas em pé de igualdade com os partidos, não lhes sendo apenas reconhecido o direito de se manifestarem nas ruas quando a miséria aperta ou o escândalo rebenta. Reformas que estabeleçam o eficaz combate à corrupção, que garantam a real justiça e paz social, que apurem o Sistema Nacional de Justiça e a Administração Pública, que ponham termo à promiscuidade dos poderes constitucionais e uma nova lei eleitoral que, de uma vez por todas, prestigie e consagre a democracia. Sem esquecer a Regionalização que, a acontecer, deverá garantir maior equidade e eficiência no investimento público e no desenvolvimento do todo nacional, começando por uma indispensável revisão do medieval Ordenamento do Território em vigor. Oxalá que os políticos a quem os resultados eleitorais sorriram, e não só, demonstrem ter suficiente patriotismo e civismo para tal e capacidade bastante para gerar os indispensáveis consensos democráticos.