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IR À LÃ…

A nossa democracia foi fundada por um grupo de políticos que se assumiram tal qual eram, de forma genuína e transparente, assumindo-se frontalmente fossem ou não beneficiados por tal atitude. Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e Álvaro Cunhal retiraram daí as consequências devidas recolhendo os créditos e assumindo as penalizações. Com o decorrer do tempo foi emergindo uma nova casta de dirigentes que, pretendendo imitar figuras relevantes do passado, em vez de se mostrarem tal, como na verdade são, querem fazer- -nos crer serem de forma bem diversa e, contrariando o rifão apregoado por Sérgio Godinho (“pode alguém ser quem não é?”), assumiram a liderança dos destinos lusitanos, assumindo um a reencarnação do mais longevo Primeiro Ministro e garantindo o outro que, com ele, acabavam as táticas políticas… fazendo disso a sua tática. E foi aqui que chegámos, há pouco mais de um ano: Um espera ser derrubado, querendo fazer crer o contrário, e o outro querendo que aquele caísse, ao mesmo tempo que o ia segurando, esperando que “mesmo assim” caísse por si, no tempo mais propício. Quando um pretenso escândalo rebentou, o primeiro julgou ter chegado o “evento redentor” que, se bem trabalhado, o iria colocar no altar sacrificial de onde surgiria mártir e redentor, e tratou de ir alimentando a novela, deixando sair a conta-gotas, todas as explicações que o conservassem à tona da legalidade mas sem dizer nada que o fizesse afundar. O segundo, pelo seu lado, convinha-lhe mantê-lo a flutuar, mas inquinando as águas ao ponto de, não o afogando, o ir sufocando, pouco a pouco para que se afogasse apesar das boias que, paulatinamente lhe lançava. A evolução da titularidade da Spinumviva ia servindo ambos os lados de uma equação de desfecho incerto. A sofreguidão do Chega e a impaciência do PC martirizando Montenegro, conferia a Pedro Nuno o papel de salva- -vidas, sem, contudo, se assumir como plataforma segura, recolhendo proveito da arriscada decisão governamental que podendo render proveitos no curto-prazo era insustentável durante um período mais longo. Enquanto o chefe do governo ia capitalizando no papel de vítima, sonhando com o aparecimento de um novo Hermínio Martinho mais interessado em ir cuidar das vacas do que em aturar as longas disputas parlamentares, o chefe da oposição começava a desenhar a ratoeira para onde o iria encurralar, preparando uma proveitosa CPI que ocupasse e desgastasse o seu oponente, enquanto ele brilhava na condução de gloriosos e publicitados Estados Gerais. Que melhor tática que aquela que dispensava outras para quem jurava nenhuma ser aceitável? Porém, na tentativa de ser ainda mais convincente no apego aos princípios, em detrimento dos tacticismos, o socialista fez a afirmação letal: a não aprovação das moções de censura derivava diretamente do mesmo propósito que o impeliria a rejeitar qualquer moção de confiança que, segundo todas as suas conjeturas, obviamente, o Governo não se atreveria a apresentar… Só que, encurralado e sem outra saída, foi isso mesmo que aconteceu! O resto foi teatro. A pretensa negociação foi só para gravar imagens para uso futuro e empurrar o curso dos acontecimentos na direção pretendida. Mas, Pedro Nuno não pode queixar-se de nada nem de ninguém. Teve na sua mão, até ao último instante, o controlo total da situação. Não precisava sequer de confiar no Governo: bastava abster-se na moção nesta e manter a CPI…

José Mário Leite