Ter, 11/03/2025 - 10:30
“Vinhais é uma terra dos diabos” e, faça sol ou faça chuva, eles saem à rua para cumprir mais uma tradição. No passado sábado, o distrito estava sob aviso amarelo devido ao mau tempo, mas a chuva deu tréguas para que as mais de mil pessoas com um fato de diabo pudessem sentir o caminho do inferno. Há 11 anos que o município de Vinhais organiza os “Mil Diabos à Solta”, uma iniciativa que procura encenar uma tradição bastante antiga. O diabo e a morte saiam à rua para capturar as raparigas e castigá-las. Isto tornou-se num evento com espetáculos de luz, som, teatro e dança e que atrai visitantes de todos os cantos do país e até de Espanha. O pequeno Lourenço tem 7 anos e não quis faltar a mais uma edição. Vive no Porto, mas a sua avó está em Vinhais. A desculpa perfeita para não faltar. “Gosto muito do desfile. Gosto mais das máscaras, que são assustadoras”, disse, também ele com o fato de diabo vestido. O pai de Lourenço, Miguel Rodrigues, é natural do Porto e mesmo assim prefere os Mil Diabos ao São João. “Sou do Porto, mas atualmente é mais importante esta festa do que o São João. Vivo isto, se calhar, mais do que uma pessoa natural de Vinhais. Sou muito ligado a tradições e é importante mantê-las”, frisou. Este ano o espetáculo começou no adro da Igreja de São Francisco, com muito fogo e teatro. Depois, os diabos soltaram-se para capturar as raparigas que estavam nas varandas e um grande boneco que simbolizava a morte era empurrado pelas raízes. A aluna Andreia Fernandes ajudou na construção do boneco, explicando que começaram por construir a estrutura, feita em papelão e jornais, que depois é pintada. Todo este processo demorou cerca de três meses. Além dos trabalhos manuais, também participou no desfile, sendo uma das raparigas que representava as “raízes da morte”. “Vamos ter de sofrer e gritar, meter medo às pessoas”, contou. Já o jovem Guilherme Garcia, de 17 anos, sentiu na pele, pela primeira vez, o que é ser diabo. Empurrava o carro de bois onde eram colocadas as raparigas capturadas das varandas ao longo do desfile. “Penso que deviam manter a tradição durante muitos anos, porque demonstra Vinhais e é um evento que junta muita gente”, frisou. Em cima do carro de bois estava ainda o “Diabo de Vinhais”. Era ele quem comandava todos os diabos e contribuiu para toda a mística associada à tradição. O papel é representado pelo ator Silvano Magalhães desde a primeira edição. “Nunca deixa de ser um ritual e torna-se muito sério quando temos milhares de pessoas todas viradas para o mesmo, a evocar o mesmo e a gritar pelo mesmo e torna-se uma energia, um microcosmos muito especial e muito interessante”, referiu. Caroline Santiago é brasileira e está a estudar apenas há três semanas no politécnico de Bragança. Mal ficou a saber da festividade e que havia autocarro para poder ir até Vinhais, não perdeu a oportunidade de ficar a conhecer a tradição, bem distinta das que se vivem no Brasil. “Acho bastante animado. Gosto da ideia dos diabos, do oculto, das criaturas, acho que é uma descoberta”, disse. As moças foram capturadas ao longo da vila, que em cada canto tinha um espetáculo cénico. O desfile terminou com a queima da morte e “quem para o rosto da morte olhou, por mais um ano a afastou”. Este ano, mais uma vez, o aluguer dos fatos de diabo esgotou. Segundo o vereador do município de Vinhais, Artur Marques, foram alugados cerca de “700” disfarces e, tendo em conta, o crescimento do evento, para o ano terão de “comprar mais”. “A tradição tem vindo a crescer e a procura deste tipo de atividades identitárias e genuínas do território faz com que o evento cresça”, sublinhou. Nem a chuva, nem o frio impediu que o desfile acontecesse. A adesão foi crescendo e milhares de pessoas encheram as ruas de Vinhais. Depois, a festa continuou ao longo da noite, com os Galandum Galundaina e DJ’s.