Por uma reforma radical do regime político vigente

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Deixemos, por agora, os “political shows” que um tal Trump persiste em dar na emblemática Sala Oval até que se clarifique, de uma vez por todas, de que artista se trata, se de um malabarista, de um engolidor de espadas, de um domador de feras ou de um trampolineiro, que é o mais certo. A democracia, genericamente aqui citada, enfrenta problemas preocupantes em todos os países em que foi instaurada, a bem ou a mal, da melhor ou da pior forma. Em Portugal, como se sabe, foi implantada a mal, por um golpe de estado militar e não da melhor forma porque teve que enfrentar, logo à nascença, um processo revolucionário injustificado, que forçou a instauração, felizmente sem sucesso, de um sistema ditatorial bem pior do que o anterior, desde logo porque exibia no seu cadastro o massacre de milhões de seres humanos. Sistema vulgarmente designado por comunismo, que acabaria por se esboroar em todos os países em que vigorava, decorridas escassas décadas desde a sua instauração, com fragoroso estrondo no caso do sinistro império conhecido por União Soviética. Voltando a Portugal: a democracia, que havia sido implantada a mal, também o não foi da melhor forma, porque a Assembleia Constituinte eleita para redigir e instituir a Lei Fundamental do novo regime democrático, esteve sequestrada durante 36 horas, para lá do clima de insurreição geral reinante. Episódio antidemocrático que gravosamente condicionou o espírito e a forma do texto constitucional que, apesar de todas as vicissitudes, seria aprovado em 2 de abril de 1976. Assim se compreende que a denominada Constituição de 1976 sofresse, à partida, de malformações e desajustes antidemocráticos que não terão sido completamente eliminadas com as 7 revisões de que foi objecto, alguns dos quais persistem, condicionando gravosamente leis regulamentares do processo político quotidiano. Importa, por isso, para clarificação do debate político que presentemente se trava acaloradamente, distinguir sistema político democrático de regime político propriamente dito, conceitos que são correntemente confundidos, por ignorância ou má fé. É que o sistema político democrático, conceito teórico e englobante, pressupõe a garantia das liberdades e direitos fundamentais e que os governantes sejam escolhidos mediante eleições justas e livres, para lá de igualmente consagrar a separação de poderes, um só voto por cada cidadão e a justa representação nos órgãos de poder das diferentes tendências de opinião. Já o regime político, conceito pratico e concreto, que deve respeitar todos esses pressupostos, poderá assumir modalidades diversas, nomeadamente a presidencialista, a semipresidencialista, a parlamentar, ou mesmo a monárquica, como acontece na Inglaterra ou em Espanha. Ora, o regime político português, muito embora não deixando de ser basicamente democrático é de duvidosa composição porquanto o Presidente da República, o Governo, a Assembleia da República e o próprio Sistema Judiciário, poderão dar-se ao topete de mandar cada um para seu lado e de não se respeitarem mutuamente, como já por diversas vezes se verificou. Pior um tanto, é na “entourage” destas instituições democráticas fundamentais que preferencialmente se acoitam subversores da democracia, que impunemente se servem ilicitamente do Estado, traindo o interesse nacional. Donde resultam os males crónicos que gravosamente afectam a imagem da democracia, o funcionamento dos organismos de Estado, designadamente: - Os elevados índices de corrupção e de pobreza; - O funcionamento deficiente dos serviços públicos principais; - O atraso de desenvolvimento de Portugal relativamente aos seus parceiros da União; - A Justiça lenta e controversa; - O desfavorecimento das regiões interiores; De quem é a culpa de tudo isto, perguntar-se-á? Não é seguramente do povo português que sobejamente tem dado provas de ser pacato e respeitador da lei, talvez em excesso até. Também não será da democracia, como muitos pretendem. É, sobretudo, do regime político vigente que, asfixiado pela hegemonia partidária, afasta os melhores da política e obsta à eleição para a Assembleia da República de deputados independentes ou mesmo de representantes de associações cívicas. Regime que auto gera uma classe política de insuficiente competência ética e cívica, de que Assembleia da República é espelho, para lá de promover o nepotismo, o clientelismo e o compadrio, que minam o Estado e viciam toda a vida nacional. Denunciar os vícios do actual regime político, para lá de um imperativo moral e patriótico, é a melhor forma de defender a democracia, contrariando quantos interesseiramente se batem pela manutenção do status quo. Mais do que nunca se justificam, portanto, reformas radicais do regime político vigente, sem as quais continuará a degradar-se, imparavelmente, até ao colapso total.

Henrique Pedro