Pode-se ensinar a respeitar os animais?

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Esta rentrée 2024 - pelos acontecimentos que se vêm manifestando e aos quais a imprensa nacional e internacional tem dado um largo destaque - suporta um “ensino moral e cívico” adicional, o do respeito que devemos aos animais de estimação. Não é simplesmente uma questão de sentimento, de proteção, nem mesmo de amor, mas sim dum dever de respeito (“o devido respeito”). É certo que falando de animais sempre se privilegiou o psicologismo ou o neuronal para falar da empatia em relação aos animais. Desta forma, através da palavra respeito, encontrámo-nos plenamente na questão moral e no civismo. Toda a dificuldade é saber se esse respeito deve basear-se no facto de os animais serem dotados de sensibilidade, de poderem sofrer e sentir como nós. Se for esse o caso, então a moralidade deve basear-se nos sentimentos, aqueles que temos pelos nossos animais de estimação e aqueles que eles próprios sentem. Devemos respeitar tudo o que vive, plantas, animais e humanos. Objetar-me-ão que a escola tem muitos outros problemas a enfrentar e resolver além destas questões triviais baseadas no respeito pelos animais. A falta de respeito talvez seja sobretudo e antes de tudo a dos alunos, dos pais, dos políticos e da sociedade em geral, para com o conhecimento e a pessoa dos professores. Mas é exatamente isso: com o ensino do respeito, encontrámo-nos confrontados com a questão moral. Isto é o que mostrou claramente o filósofo Kant. O que diz Kant? Que, como “pessoa” livre, o ser humano possui uma dignidade que o coloca para além de qualquer preço, de qualquer instrumentalização e que exige respeito. Uma pessoa não é algo que possa ser descartado como bem se entende. A moralidade não precisa de forma alguma de sentimentos para ser realizada: se se baseia no respeito, é porque envolve um dever, ou seja, a capacidade de agir por princípio, porque o devo a mim mesmo e aos outros. Para Kant, só os humanos são pessoas. No entanto, acredito que é possível alargar o respeito aos animais. A moral de Kant ainda tem algo para nos dizer hoje em dia, algo que é crucial: não podemos ser seres morais, somente com bons sentimentos. Não é porque o animal é dotado de sensibilidade, que pode sentir prazer ou dor, não é simplesmente porque está vivo, que devo respeitá-lo. Eu tenho que o fazer porque é a minha própria humanidade que assim o quer. Uma moral baseada na sensibilidade seria imediatamente limitada: abster-nos-íamos de qualquer maltrato a um gatinho, mas o que aconteceria a uma ostra, a um porco, a um rato? A moralidade exige ir além da empatia. Devo ser capaz de respeitar a todos, não apenas alguém que me toca ou se parece comigo. A simpatia é sempre limitada, tem os seus círculos e os seus membros, enquanto que a ética obriga a ir além do afeto. É disso que o animal me lembra: o facto de que existir humanamente é existir moralmente. Ser, para um ser humano, é ser um sujeito moral, preocupado com o bem e o mal. Isto é estar eticamente preocupado – o que devo fazer? Fiz o que é correto? Faltou-me coragem? Portanto, não é, na minha opinião, enfatizando as semelhanças entre animais e humanos que uma ética animal pode ser defendida. Não é porque os animais, como o homem, são seres sensíveis que devemos respeitá-los, mas é porque se o homem se respeitar a si mesmo, não pode tratar os animais como coisas que lhe pertencem e estão à sua disposição. Qualquer consciência é uma consciência do bem e do mal. E não há razão para que a mesma não diga respeito aos animais. A moralidade precede as minhas ações. Significa que nem tudo é igual, nem tudo está feito. Esta marca uma paragem nas minhas pretensões e na minha indiferença: não posso permitir-me fazer tudo o que me apetece - tratar o outro como quantidade insignificante, abandonar o meu cão à beira da estrada, participar no massacre das baleias, deixar a injustiça continuar impune (é claro que estou consciente de que a ciência tem de continuar o seu trabalho e que as experiências vão continuar a existir com animais, que não podemos humanizar o animal). O animal pode não ser uma pessoa, da mesma forma que um humano, mas é um indivíduo que tem o direito de viver a sua própria vida. É o que o filósofo Tom Regan, pioneiro na defesa dos direitos dos animais, chama de “Tema de uma vida”, a que não se limita a alimentar-se e a reproduzir-se, mas consiste em habitar um mundo, em ter preferências, uma história. Isto confere aos animais um carácter único e um valor próprio, independentemente da sua utilidade e dos sentimentos que se possa ter em relação a eles: “A razão – e não os sentimentos, nem as emoções – obriga-nos a reconhecer nestes animais o mesmo valor inerente e, por conseguinte, um direito idêntico ao nosso de sermos tratados com respeito.» Se os animais têm direitos, é porque nós, huma- nos, temos deveres. E, como salienta Regan, isso “exige tanto a nossa paixão como a nossa disciplina, os nossos corações e as nossas men- tes. O destino dos animais está nas nossas mãos. Que Deus nos conceda estarmos à altura da tarefa.» Um bom começo de ano letivo para todos.

Adriano Valadar