Partidos políticos ou associações de malfeitores? (II)

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Glosei este tema há já seis anos, neste mesmo espaço. Volto a fazê-lo agora porque, em meu entender, a situação se agravou. Começo por transcrever, para que não haja lugar a más interpretações, o que então escrevi: “conheço muitos distintos cidadãos e cidadãs que militam em partidos políticos e desempenham cargos públicos com irrepreensível dignidade. E muitos mais haverá do que aqueles que eu conheço. Esta não é a questão, portanto.” Certo é que a democracia continua a degradar-se. Os ecos que nos chegam lá de fora, dos países em que a democracia existe, levam-nos a pensar que assim é. Mas são, sobretudo, os muitos escândalos que ininterruptamente afectam a democracia portuguesa que enformam esta ideia. Em causa está o sistema político de Democracia Liberal ou Representativa, o principal emblema do chamado Mundo Livre que, como se sabe, assenta em três princípios fundamentais: - Um homem (ou uma mulher) um voto; a separação de poderes; e a representação proporcional de todos os cidadãos, sem distinção, nas instâncias do poder. O que pressupõe, como é óbvio, um Estado de Direito justo e forte e a garantia das mais genuínas e alargadas liberdades. Escusado será dizer que o actual regime político português lidera esta negativa evolução, o que se tornou mais evidente com o desastroso consulado de António Costa, conjugado com a surrealista magistratura de Marcelo de Sousa. Assim é que a abstenção eleitoral continua impará- vel, a separação de poderes se converteu num folclore, a promiscuidade entre políticos e financeiros é indecorosa, a situação da Justiça é trágico-cómica, o funcionamento dos serviços públicos lamentável e o clientelismo e o videirismo continuam a ser o motor da vida partidária. Tudo coroado pela mais desenfreada corrupção e por inaceitáveis injustiças sociais. Numa coisa, porém, a democracia portuguesa é exemplar: na produção e exportação de incompetências políticas de alto coturno, embora Portugal nada ganhe com isso. Novo espécime é António Costa que agora abandona o caos que criou, rumo a Bruxelas, secundando Durão Barroso e sobretudo António Guterres que fugiu do pântano nacional para se acoitar na ONU. É por estas e por outras que o mundo está como está. Não se pode afirmar, ainda assim, que a essência do mal resida nas pessoas. Políticos, banqueiros, empresários ou cidadãos comuns dançam conforme a música que o Regime lhes dá, independentemente da sua formação moral ou cívica. Acontece, todavia, que a crise dos actuais regimes políticos democráticos, começou cedo, com a hegemonia dos partidos políticos que, de uma forma ou de outra, marginalizaram as associações corporativas, culturais, regionais, desportivas e mesmo religiosas e que era suposto terem papel determinante na nobilíssima vida política, da mesma forma que o têm na vida cívica. Associações que, hoje em dia, melhor representam e corporizam o real sentir e os interesses dos cidadãos e das regiões do que os partidos, que se converteram em ninhos, quando não em verdadeiras associações de malfeitores. Cabe aqui lembrar que as primeiras Constituições, ou Leis Fundamentais, das democracias representativas, como é o caso da Constituição americana, de 1788, da francesa, de 1972 ou mesmo da portuguesa, de 1822, não faziam referência a partidos políticos, talvez porque se entendia serem dispensáveis. É caso para se dizer, portanto, que primeiro apareceu a democracia e que os partidos vieram depois para a perverter. Trate-se de partidos únicos dos regimes totalitários ou de partidos dos regimes ditos liberais que igualmente a subvertem por diversas formas, ainda que a democracia não lhes negue o direito de existirem em pé de igualdade com as demais associações. Grave, muito grave, isso sim, é que os políticos que, até hoje, tiveram poder para tanto, não quiseram ou não foram capazes de realizar as indispensáveis reformas regimentais e se limitaram a discursos de boas intensões, para eleitor iludir. De boas intensões está o inferno cheio, como soe dizer-se. É certo que Passos Coelho, logo no início do seu exercício governativo, teve o atrevimento de se mostrar determinado a rever a Constituição e a reformar o Estado. Mais recentemente também Rui Rio agitou a bandeira da reforma do Sistema de Justiça. Tudo se esboroou, porém, na muralha que a esquerda continua a erguer. Luís Montenegro acaba de colocar em cima da mesa um pacote de novas medidas anticorrupção que, lamentavelmente, Pedro Nuno Santos, o líder da oposição, se apressou desvalorizar. Esperemos que uns e outros, não se estejam a preparar para dar a machadada final na democracia, submetendo a Justiça, definitivamente, aos seus desígnios espúrios. Mas não é apenas o Siste- ma de Justiça que urge reformar. É o regime político, ele próprio, que carece de ser revisto de alto a abaixo. Só a democracia, pura e dura, é revolucionária.

Henrique Pedro