O Advento

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A ambivalência da nossa relação com o tempo é a espera. E o Advento é certamente um período propício para ensinar aos mais jovens a esperar, a transformar a espera num espaço de desejo e de criação. A espera significa um vazio, basta seguir os movimentos duma criança, das nossas crianças num consultório médico – é um lugar-comum, já todos assistimos a essa espécie de incómodo - perante uma refeição, perante um brinquedo … Mas também os adultos na fila do supermercado, no restaurante, num aeroporto ou ao telefone, a espera suscita reações contrastadas; alguns tomam o mal em paciência, enquanto que outros se agitam ou parecem habitados por um ódio impotente. Vivemos num clima de aceleração social que impõe a redução do tempo de espera. Este tempo é considerado como um tempo morto ou perdido, é desvalorizado, porque não é produtivo. Quando há desacordo entre o tempo do relógio e a temporalidade da criança, esta entra em sofrimento. Submetida a ordens ou injunções contraditórias, sendo sempre solicitada pelo seu entorno, a criança é obrigada a adaptar-se ao ritmo de vida do adulto. Através dum efeito de excitação, a criança vive no imediato, não suporta esperar. Isto porque a espera significa para ela o vazio. Privada deste tempo de desejo, de sonho e de criação, a criança não tem acesso ao seu mundo interno, não adquire as capacidades para estar só. O que pode provocar nela perturbações da separação e de adormecimento. Respeitar o tempo da criança, diferente do dos pais, ajudá-la a interiorizar a noção de duração, utilizando uma ampulheta ou um cronómetro, dar-lhe referências concretas (antes, durante, depois) desenvolver a sua imaginação… Em vez dum «espera!» vazio de sentido, poder-se-ia perguntar-lhe: « o que poderias fazer enquanto esperas?» Penso que os pais têm um trunfo na mão para permitir à criança adquirir uma temporalidade mais feliz, pois não é tanto a espera o problema, mas sim a forma de esperar. Esperar faz parte da vida. Nós esperamos sem sofrimento as estações do ano, o nascimento dum filho ou neto, a quadra natalícia, porque se trata de promessas, que se inscrevem num tempo espiritual. A espera vivida num tempo materialista, consumista é mais difícil de viver porque nos confronta com a frustração. Uma voz vem insinuar-se em nós: «não esperes, usufrui de tudo, e já!». Nós estaríamos mesmo programados para isso: procurar a satisfação imediata. E ensinar a esperar faz parte da educação. Cabe-nos iniciar aos pequenos prazeres a medio e a longo prazo a fim de desenvolver a paciência, humanizar o desejo. Na escola oficial -ou nas escolas da vida- a entrar no mundo do pensamento, a respeitar a palavra do outro, o tempo de espera para preparar a pergunta, para alimentar a interioridade, a reflexão. Neste período do Advento, pais e avós, podem ouvir a necessidade ou a vontade da criança, calcular se é possível ou não deferir e, caso contrário, propor outro caminho, outra possibilidade. «O que não podes obter agora, tê-lo-ás mais tarde. Esperemos pelo Natal e vais ver que será ainda mais bonito porque soubeste esperar». Este prazo permite à criança construir o seu desejo. E a promessa torna a espera suportável. E o que é o Advento senão a promessa dum resultado, duma teleologia? As decorações lembram-no-lo: o Natal está à porta! Mais discretamente, a liturgia do Advento convida-nos a uma preparação simples e alegre em que a espera vence o que é imediato e a sobriedade é mais fecunda que o consumo. É graças ao seu imaginário que a criança vai esperar. Precedendo a chegada que representa o Natal, o Advento é um período propício para fazer trabalhar a imaginação e pôr em ação os seus próprios recursos. Este tempo pode ser habitado por rituais que vêm alimentar o desejo; decorar o pinheiro, preparar o presépio. Fazer uma lista de pequenas prendas para construir por si-mesmo ou para comprar para os outros, depois embrulhá- -las, escondê-las. Tantos gestos que vão permitir à criança ocupar o espaço interno da espera e desenvolver as suas qualidades de ser humano. Ler contos, ouvir canções de Natal em família pode contribuir para alimentar o imaginário das crianças. O Advento torna-se assim um tempo de espera ativo e de abertura aos outros. Cada dia que passa representa uma ocasião de abrir uma janelinha do famoso calendário. Descobrindo nos modelos tradicionais; a imagem duma personagem do presépio, dum anjo, duma luz… a beleza, a riqueza do Natal, revelam-se pouco a pouco, reforçando o prazer, até à apoteose. Esperar obriga a criar, não somente a ter, mas a Ser. É isso que falta talvez à minha criança no consultório médico.

Adriano Valadar