Transporte gratuito para tratamentos oncológicos já “salvou” muitos vinhaenses

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Qua, 22/11/2023 - 11:22


Os doentes oncológicos de Vinhais têm, desde 2014, transporte gratuito para tratamentos, consultas e exames. As deslocações, sobretudo ao Porto, são longas e várias e, muitas carteiras, não aguentariam pagá-las. Há doentes que dizem que se a câmara não tivesse implementado este apoio não se tinham tratado

O transporte gratuito que a Câmara Municipal de Vinhais disponibiliza aos doentes oncológicos do concelho, para irem fazer tratamentos e exames, bem como ter consultas, “é uma salvação”. Com o número de vezes que é preciso, por exemplo, ir ao Porto, várias carteiras não aguentariam a despesa e os tratamentos poderiam ficar comprometidos. Mas em Vinhais, por falta de transporte, não ficam! A medida foi implementada em 2014, após o Governo, em 2013, ter feito alguns cortes no transporte de doentes, que levaram várias pessoas a desistir de tratamentos e consultas, por dificuldades financeiras. O facto de os transmontanos também estarem a centenas de quilómetros de unidades de saúde onde podem ser tratados, no que diz respeito ao cancro, pesou, igualmente, na decisão da implementação. E verdade seja dita, para quem do transporte usufrui, sendo que, neste momento, são perto de 90 pessoas e umas precisam mais vezes, outras menos, parece que a ajuda foi um bem divino.

“Eternamente grata”

Maria Aboim tem 65 anos e há quase seis recebeu uma notícia que lhe virou o mundo ao contrário: dois carcinomas num dos peitos. Tinha o cancro que agride um órgão cheio de simbolismo na maternidade e na feminilidade, mas era preciso enfrentá-lo. A lutar contra a doença, não restava mais nada a não ser ir aos tratamentos, consultas e exames, no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, e, para isso, além dos custos associados às deslocações, teria que, muitas vezes, ter acompanhamento de um familiar, o que era complicado, pois “eles têm a sua vida para fazer” e “não a podem deixar”. Foi na medida que a câmara de Vinhais implementou que encontrou a “salvação”. “Não há nada que pague isto. Estou eternamente grata. Esta luta já é muito difícil de superar e ter-se esta ajuda é muito importante, mesmo o apoio dos motoristas que nos levam que têm sempre uma palavra amiga e de preocupação”, sublinhou, lembrando que após a primeira sessão de quimioterapia, a caminho de Vinhais, se sentiu mal e o condutor, além de ter chamado o INEM, acompanhou-a, até ao hospital de Penafiel, onde acabou por ficar internada. “Ele só chegou a Vinhais às 5 da manhã. Ficou comigo até que não precisei mais. Não há dinheiro que pague isto. Para nós, os motoristas são família”, rematou. Maria Aboim nunca fez contas ao dinheiro que já poupou, mas assegura que já foi muito. “É uma mais-valia para a nossa terra. Fica tudo muito caro, o combustível e as portagens. Eu não sei se conseguiria fazer face às despesas porque já lá vou, ao IPO do Porto, há muitos anos. Quando comecei os tratamentos, havia semanas que chegava a ir três vezes ao Porto”, esclareceu a vinhaense, que está certa de que, “se não fosse este transporte, havia muita gente que não conseguia levar os tratamentos até ao fim porque são doenças que requerem muito acompanhamento”, ou seja, muita despesa com deslocação. Depois daquele período em que era uma constante a deslocação, a visita ao IPO passou a ser mais espaçada, a nível temporal. Mesmo assim, quando fez os últimos tratamentos, ia semanalmente à unidade de saúde. E o transporte, além de nunca lhe ter sido negado, mesmo que fosse a única em determinado dia a usufruir, foi “muito fácil de solicitar”. “Nunca houve problemas. Basta trazer o comprovativo que atesta que lá estivemos e trazer a próxima marcação, seja para aquilo que for. Depois, perto da data, basta telefonar para a câmara e é de imediato marcado o transporte”, explicou Maria Aboim. Assumindo-se uma mulher “muito positiva”, o que “já é meio caminho andado para combater a doença”, Maria Aboim já foi três vezes ao Porto este ano. No próximo mês volta a ir. E, depois, irá por duas vezes em Fevereiro. Neste momento, já não faz tratamentos, mas precisa de ser acompanhada e tem que se continuar a deslocar ao IPO para exames. Quantas vezes mais lá irá? Diz que não sabe, mas só espera que o transporte gratuito “nunca acabe” porque “foi um bem para Vinhais”. “Conheci várias pessoas no IPO e muitas delas, quando sabiam como nos deslocávamos, diziam sermos uns felizardos. Ficavam admiradíssimas”, vincou, sublinhando que “só quem precisa sabe o valor que isto, de facto, tem”.

“Se não fosse o transporte gratuito não me curava”

Maria da Graça Alves é de Fresulfe e também é uma das utilizadoras do transporte gratuito para consultas, tratamentos e exames porque enfrentou, tal como Maria Aboim, o cancro da mama. Apesar de ser uma doença complicada de atravessar para qualquer um, a vinhaense não deixa de sorrir, foi sempre assim que enfrentou o problema. Problema que não lhe tirou, nem de perto, nem de longe a vontade de viver, mas que, se não fosse o transporte gratuito da câmara de Vinhais, acredita que lhe poderia ter chegado a roubar a vida. “Se não fosse isto era muito complicado lá ir. Para mim era complicadíssimo. Não me conseguia curar porque não ia lá. Não tenho meios financeiros, não sou rica, nem tenho meios físicos, que ando com duas canadianas e não conseguia”, esclareceu Maria da Graça Alves. Tal como Maria Aboim, no primeiro ano era rara a semana que não ia ao IPO do Porto três vezes e transporte, acompanhada ou sozinha, também nunca lhe foi negado. “Telefono para a câmara e digo que tenho consulta. Dizem logo que já está lá o papel. Só me comunicam a que horas é a saída, porque pode haver mais pessoas que têm que ir também e podem necessitar de ir mais cedo”, explicou. E é mesmo assim que funciona. Se um doente tiver que estar no IPO de tarde, mas houver outro que tem que lá estar de manhã, o transporte é feito pela fresca. E os doentes que têm que ir horas antes do agendamento ou que, depois, apesar de já estarem despachados, ficam, por lá, à espera que os outros fiquem também, não estão nada preocupados com o tempo nem veem constrangimentos em lado nenhum. Pelo contrário, além de o transporte evitar que se gastem uns euros, também apresentou amigos a muita gente. “Esperamos uns pelos outros e somos compreensivos. E acaba por ser mais fácil. Não vejo problemas em nada porque com isto até se fazem amigos. Entre doentes somos amigos, falamos entre nós, perguntamos de onde somos, como vai a vida, os tratamentos, vamos tomar café… criam-se laços de amizade”, vincou. Maria da Graça Alves descobriu a doença há sete anos. Por agora já não vai ao IPO tantas vezes como ia. Desde que foi operada começou a ir de mês a mês e cada vez as visitas eram mais longas, a nível temporal, entre si. Neste momento vai àquela unidade de ano a ano, sendo que estão prestes a dar-lhe “alta”, mas, como “nunca se sabe”, a vinhaense só espera também que o transporte não tenha fim. “Há muita gente a precisar. Quando vou vejo sempre caras novas. E hoje sou eu, mas amanhã pode ser um familiar. Isto foi uma coisa muito bem feita. Foi uma salvação para muita gente”, esclareceu. Para esta mulher há algo que também não se paga: a companhia e a palavra amiga de quem leva os doentes. “Além do dinheiro que se poupa, temos quem nos acompanhe e isso é importante porque a nossa família tem mais que fazer. Os meus filhos não me poderiam acompanhar, um esta em Lisboa e outra não tem disponibilidade porque trabalha”, explicou Maria da Graça, que disse que as pessoas que foi e vai conhecendo no IPO “ficam encantadas” ao perceber que a câmara assume este papel social que tanto peso tem para quem da ajuda precisa.

Doentes “vão continuar a ser apoiados”

Dizendo que este é dos serviços que se prestam, mas o ideal era não o prestar, pois era sinal que as pessoas não precisavam, o presidente da câmara de Vinhais assumiu que os doentes “vão continuar a ser apoiados”. Assinalou ainda que de outra forma não fazia sentido já que “cada vez é mais necessário”. “É um serviço que não vamos deixar de fazer, apesar de serem custos grandes para o município, são cerca de 80 mil euros por ano, ou mais, mas é importante, tendo em atenção o facto de que muita gente não ter outra forma de fazer os tratamentos, acesso a consultas e exames”, vincou Luís Fernandes, esclarecendo que não há qualquer seriação, ou seja, independentemente das condições financeiras, qualquer pessoa, residente em Vinhais, tem direito ao serviço. Neste momento, segundo contas da própria câmara, há 88 doentes que estão a utilizar este transporte. Alguns deles usam-no mais vezes, outros estão na mesma situação que Maria Aboim e Maria da Graça Alves, usam-no menos vezes. Para Luís Fernandes, o aumento significativo que se tem verificado quer no número de doentes, quer na frequência das viagens, ilustra bem a necessidade do serviço, e o quanto se tem revelado fundamental. “É um número, infelizmente, cada vez maior. Não é uma competência do município, mas, assim sendo, continuaremos a prestar este serviço, sendo que já chegámos ao ponto de enviar mais do que um carro, ao mesmo tempo, para fazer esse transporte”, rematou o autarca. A maioria dos doentes é transportada ao IPO do Porto, que dista mais de 200 quilómetros de Vinhais. Ainda assim, há a possibilidade, por exemplo, de os doentes serem transportados para Vila Real ou para Coimbra. No distrito de Bragança, há outros casos semelhantes, em que o transporte de doentes oncológicos está assegurado, mas Vinhais terá sido o município pioneiro, segundo esclareceu Luís Fernandes, que quer ainda que sejam atribuídos mais meios de diagnóstico ao centro de saúde da vila e que seja alargado o tempo de funcionamento, visto que está aberto apenas até às 22h. Para cumprir o serviço, há uma carrinha de nove lugares, para os dias em que é preciso transportar mais doentes, e uma viatura, de cinco, quando o número de doentes a transportar é menor.

Jornalista: 
Carina Alves